Spam. |
Ator, diretor e dramaturgo argentino de projeção internacional, Rafael Spregelburd traz ao Festival de Curitiba um ópera falada apocalíptica, Spam, sobre a virtualidade do mundo atual. Abaixo, ele fala criticamente da apatia social e dos efeitos da crise econômica e política sobre o teatro argentino.
Efetivamente, o teatro parece ser a única expressão artística que nunca será virtual. Vimos algumas tentativas de estender a virtualidade ao teatro. Há pouco tempo, Matias Umpierrez montou uma obra muito singular, “Distância”, na qual as atrizes transmitem online a partir de suas casas em Hamburgo, Nova York, Paris e Buenos Aires. Mas o público é real e está reunido em uma mesma sala ao mesmo tempo, e decide de que maneira convivial isso resulta legível, o que é irrelevante e o que é conotado de cada espetáculo. Creio que não se deveria preocupar-se grandemente com o assunto: quanto mais virtual se torna o mundo ao redor, maior é a magia do “efeito de realidade” que proporciona o humilde, mas poderoso, teatro.
Somos nostálgicos de uma ordem desinflada, que parece estar sendo abandonada, mas pessimistas sarcásticos de uma ordem por vir, prenha de ameaça e desumanização.
Em nossos dois últios trabalhos conjuntos (“Apátrida” y “Spam”), Zypce e eu temos tratado de construi sensivelmente um teatro que nos interesse. Não somos puristas das categorias de ópera nem de teatro puro. O importante é sempre gerar uma convivência interessante e dinâmica com o público real.
Quais aspectos do mundo contemporâneo são evidenciados no espetáculo?
Como a crise política e econômica da Argentina está afetando o teatro do país?
Não há crise econômica que pareça poder derrubar o teatro na Argentina. A maior de que me recordo (a de 2001) propulsionou um enorme movimento de criadores e público: salas, museus, centros culturais nunca estiveram tão cheios, tão ativos, tão povoados de espectadores necessitados de convivência dentro dos parâmetros da arte. Mas penso que às vezes acontece o contrário: as sociedade muito estáveis que conheci, muito assentadas sobre sua razoável estabilidade sociopolítica, às vezes carecem de teatro e isso não parece representar um problema para ninguém. Me impressiona muito o caso da Suécia – um país que me parece magnífico em muitíssimos sentidos, onde eu gostaria de viver minha velhice e criar meus netos, mas onde o teatro contemporâneo praticamente não é feito. O teatro das sociedades ordenadas vive de exprimir os eternos modelos de seus exíguos clássicos. O de países em crise ferve o tempo todo e trata de gerar respostas imediatas, torpes às vezes, balbuciantes, mas definitivamente muito coloridas.