por Luciana Romagnolli
por Luciana Romagnolli
O paranaense Marino Jr. apresenta seu trabalho como diretor na Mostra Contemporânea do Festival de Curitiba pela primeira vez. Em Tumba de Cães, ele monta o texto da italiana Letizia Russo,ambientado em um mundo esgotado pela guerra. Saiba mais na entrevista abaixo.
Veja informações sobre o espetáculo aqui.
Gostaria que começasse comentando o contexto de produção do espetáculo. Faz parte de uma pesquisa ou de um tipo de linguagem que a cia. Metáfora já vinha desenvolvendo? O que impulsionou esse projeto?Há muito gostaria de apresentar ao público brasileiro um espetáculo que pudesse mostrar algo produzido pela cultura italiana e que fugisse de qualquer clichê. Tenho enorme influência e admiração pelo teatro italiano contemporâneo. Morei por duas vezes na Itália e pude acompanhar de perto a cena daquele país que, de certa forma, reflete muito da estética cênica europeia. Os centros de produção de lá trocam
muitas informações entre si além de coproduzirem seus espetáculos, o que é fundamental para nosso setor. Tive um primeiro contato com a autora em 2003 quando assisti a uma montagem de um texto seu no Teatro Cavalerizza em Reggio nell’Emilia. Em 2011, quando colaborei junto ao Piccolo Teatro di Milano, fiz uma pesquisa a respeito dos autores italianos que haviam sido traduzidos para o português. Um dos nomes que apareceu como expoente da cena italiana foi justamente a Letizia Russo, que em 2001 com apenas 21 anos, havia vencido o prêmio Tondelli, (o mais prestigiado prêmio de dramaturgia na Itália) com “Tomba di Cani”. Em 2013 o texto me foi trazido pela atriz Andressa Medeiros, que faz parte da montagem, e participamos de uma leitura dramática dentro do Mia Cara Curitiba, evento que apresenta de muitas formas a cultura italiana. O resultado positivo nos impulsionou a dar andamento em um projeto de encenação. Tal projeto só poderia acontecer através da Metáfora, que se trata de um coletivo de profissionais cênicos, diretores e atores do Teatro Lala Schneider, que se forma para atuar em projetos semelhantes a este.
Li a Letizia Russo dizer que o que interessa a ela no teatro é explorar os pontos de vistas de diferentes pessoas. Isso faz sentido para o espetáculo Tumba de Cães? Se sim, como essas perspectivas distintas aparecem na dramaturgia?
Sim. Uma das tantas características da dramaturgia dela é a complexidade das personagens. A experiência de vida e a história de cada uma delas fazem com que elas tenham pontos de vista muito diferentes e distintos entre si. É justamente isto que as torna tão reais. São pessoas, absurdamente vivas, assombradas por problemas do presente e também por fantasmas do passado que põem pra fora lentamente suas angústias e conflitos. Tem uma frase dela que explica um pouco seu método de trabalho em Tumba de Cães: “Porque escrevi? Porque aquilo que faço é observar. Entender não é que me interessa tanto”. Fico pensando: as pessoas fazem coisas boas e más de acordo com seus critérios morais. Quando o público vier ao teatro irá perceber que: um esperado término de uma guerra em um determinado país pode ter significados muito distintos sob a ótica de cada uma das personagens.
Como você se apropria do texto dela para criar a encenação?Dando ao público pontos de vista distintos para a ação. A cenografia e a luz criadas por João Luiz Fiani quebram a inércia da cena. Assim, o ponto de vista do público ao acompanhar a narrativa nunca é o mesmo.
Todavia este é um espetáculo de texto e interpretação. Fico pouco confortável em utilizar a palavra encenação, uma vez que pode indicar uma ampla proposta estética. Não que não haja, mas como artista e pela experiência que tenho ao longo de tantos anos acredito que a matéria prima do teatro de prosa é e sempre será o texto. O ingrediente principal. E quando você tem a oportunidade de dirigir um espetáculo a
partir de uma matéria prima de qualidade, você deve ter cautela com as escolhas que faz. No caso deste espetáculo tenho procurado valorizar o subtexto, aquilo que não está escrito e que não é dito pelas personagens. Os conflitos que elas carregam, mas que não colocam para fora. Vai parecer paradoxal, mas posso dizer que se a direção conseguir ser discreta aos olhos do público e sutilmente inventiva na forma como apresenta o espetáculo teremos atingido o objetivo maior da montagem.
O espetáculo se apresenta como um drama, contudo, passa-se em um mundo apocalíptico. Como esse mundo é retratado pela linguagem visual do espetáculo e pelo tipo de atuação? Podemos esperar um drama no sentido clássico?Tem duas informações importantes para nós e que estão presentes no texto da Letizia: “ação em tempo presente” e o “não lugar”. Isso nos ajuda a eliminar qualquer tipo de clichê sobre o macrotema apresentado: a guerra. Sim é um mundo apocalíptico. Como poderia ser o Afeganistão e o Iraque de 2002, a Síria e a Palestina de hoje ou o Vietnã de 1975. Ou quem sabe um futuro conflito de grandes potências militares disputando hegemonia no leste europeu ou no norte da África. Então a genialidade do texto e por consequência da nossa montagem, foi ter como objetivo principal os dramas individuais das personagens que se transitam por este contexto mais amplo, da guerra. Visualmente falando a ausência, ou melhor dizendo, a escassez de elementos auxilia a criar a atmosfera vazia que o espetáculo necessita. Com relação à
atuação temos sim, um drama, quase familiar, onde as personagens munidas de grande força dramática demonstram paradoxalmente uma disposição para superar a situação limite de constante espera onde: “os anos voam, mas as horas não passam”. Uma espera pelo fim. Um fim que nunca chega. Exatamente como em “Final de Partida” de Beckett. Isso por si só já diz que não se trata propriamente de um drama clássico, mas a essência está lá.
Como está sendo trabalhar com Ranieri González?
Ranieri é um amigo de longa data. Temos uma história muito bacana. Estivemos juntos em Aurora da Minha Vida, com direção de Gabriel Villela, em 1997 pelo TCP/Guaira. Depois entre 1998 e 2000 ele atuou em vários espetáculos conosco. Mas a escolha não se deu por amizade e sim pela singularidade de seu trabalho. Quando o convidei no dia seguinte ele apareceu com o longo texto cheio de anotações. Um profissional dedicado, criativo, preciso e talentoso. Algo raro no teatro atualmente de hoje. O fato de estar trabalhando com textos de grande importância na cena atual contou também. A forma inteligente como conduz seu trabalho está ajudando a desenvolver o processo de forma mais ágil e até sensível. Seu personagem, Johnny, praticamente não sai de cena e conduz toda a história. Ele cuida de sua mãe cega (Simone Klein) e mantém um relacionamento com a vizinha Mánia (Andressa Medeiros) de onde deriva a maior parte de seus problemas na ação.
Se pensarmos nas recentes ondas de calor e frio acima da média e outras mudanças ambientais, assim como nas manifestações populares desde junho, quais paralelos traça entre o espetáculo e o momento atual?
Sempre que se fala sobre guerra a maior parte dos brasileiros mantém uma postura distante, até certa forma alienada. Nossa história de poucos conflitos bélicos não ajuda a formar uma opinião crítica sobre conflitos espalhados pelo mundo. É como se vivêssemos em uma ilha. A peça mostra que a manutenção da guerra em países em conflito é muito importante sob aspectos muito sombrios. Mais importante do que um tratado de paz. Além disso grande parte dos conflitos que acontecem hoje no planeta não são por razões sensatas, ou críveis sob a nossa ótica ocidental. O texto aborda isso de forma categórica: “Querem algo pelo que lutar? Esqueçam Deus. A água é Deus e nossa senhora”. Tenho a plena convicção de que em razão do desequilíbrio climático, em breve o mundo passará por uma escassez de recursos naturais. O crescimento populacional desproporcional à quantidade que planeta consegue produzir alimentos será um ponto crucial para sobrevivência da espécie humana. Este dois fatores somados deverão aumentar os conflitos entre nações, principalmente aquelas vizinhas. Basta que olhemos para a Ucrânia, onde um pouco desta teoria parece estar sendo ensaiada. Um país dependente do gás russo, mas onde a vontade popular se manifesta de forma mais forte desejando um alinhamento com a cultura ocidental. Ou o que dizer do conflito da Síria? Afinal entendemos mesmo os motivos para aquilo? Todavia, nosso espetáculo mostra que mesmo nestes conflitos, em uma situação extrema, as pessoas continuam vivendo, comendo, dormindo e traindo umas às outras. Enfim, acho que no nosso “tempo presente” o que menos há é escassez de paralelos entre o espetáculo e o mundo de hoje.
De que maneira os territórios do Ceará e de Porto Alegre estão presentes no espetáculo? E as condições sociais e culturais de travestis e transformistas são semelhantes nesses dois extremos do país?
Como foi a pesquisa para o espetáculo? Que situações observou, o que mais atraiu seu olhar, o que o quebrou expectativas ou as reafirmou?
A pesquisa consistia, principalmente, na montagem do espetáculo a partir de três pontos. Primeiro, um laboratório/pesquisa de campo onde eu deveria me travestis e circular pela cidade de Porto Alegre para ambientes como teatros, padarias, super-mercados, restaurantes e hotéis, bem como acompanhar o trabalho de travestis nas ruas de prostituição e casas de show transformista. Segundo, colher registros de artigos, literatura, histórias contadas. Terceiro, uma oficina de teatro para travestis, sendo este o que mais me interessou, pois o mesmo foi realizado ao longo de dois meses no PCPA (Presídio central de Porto Alegre, o segundo no país com ala só para travestis e seus companheiros). No presídio eu fui tocado pela possibilidade de dignidade, pois a partir do momento que foi permitido às travestis e seus companheiros exercerem dentro do presídio o afeto, e a possibilidade delas exercerem sua sexualidade, houve uma grande mudança na conduta e aceleração no processo de reabilitação.
O presídio foi minha grande experiência, pois ao mesmo tempo que me fez perceber a importância dessa ação, também me causou angústia ao retornar pro Ceará e ver que no meu estado essa realidade no sistema carcerário é cruel e desumana.
A sua história pessoal está inserida no espetáculo de alguma forma?
A todo instante. O espetáculo é um revelar-se, trata-se de uma exposição do Silvero. Nele sou capaz de abrir minhas experiências, tentar levar o espectador aos ambientes por onde percorri e presenciei as situações, além de expor questões bem pessoais como a minha sexualidade na infância, na família e na sociedade em que vivo.
Como se estrutura a linguagem cênica?
Particularmente eu considero um espetáculo antropológico – autofágico – esquizofrênico. Eu não tenho como engessa-lo em um gênero teatral. O que mais me satisfaz nesse trabalho é a capacidade, enquanto artista, de ter verdade e liberdade com o público. Fazer um teatro onde tudo que é dito é real e sincero.
Eu acredito que se temos como referência, dos espetáculos que vi, os trabalhos “Luis Antônio – Gabriela” (SP) , “Borboletas de Sol de asas Magoadas” (RS), “Avental Todo Sujo de Ovo” (CE), “TransTchekov” (RJ), ou mesmo nós do Coletivo As Travestidas com “Uma Flor de Dama” e “Engenharia Erótica – Fábrica de Travestis”, penso que se todos esses trabalhos fossem capazes de rodar o país e, principalmente, atingir as escolas, nós iremos inciar uma nova era para a construção de uma condição de vida melhor para as trans.
Repito a pergunta acima, mas em relação à sua análise sobre quais as condições do país para atrizes travestis ou transexuais.
O Brasil teve uma época em que as travestis eram as verdadeiras vedetes do teatro, as mais aclamadas e cortejadas. O problema é que quando surge a discussão de gênero, a questão artística perdeu a sua vez e a busca pela definição e realização sexual veio para primeiro plano. Atualmente, estamos conseguindo resgatar a condição do ator-transformista, tendo em vista que as questões de gênero estão mais esclarecidas. Deste modo, para os atores etrans, hoje é mais tranquilo diferenciar a sexualidade da arte, podendo assim exercer as duas sem questionamentos. Hoje, no Coletivo As Travestidas, estamos desenvolvendo métodos de trabalho que permiti o ator construir, por meio de exercícios e laboratórios, a “sua travesti”, configurando assim, para nós, como atores-transformistas.
Diogo Liberano, à direita. |
Em dois anos, o carioca Diogo Liberano já deixou suas marcas no Festival de Curitiba. Em 2012, passou pelo Fringe com Sinfonia Sonho, do grupo Teatro Inominável; em 2013, voltou à mostra paralela com Vazio É o que Não Falta, Miranda e escreveu Maravilhoso, espetáculo que esteve na Mostra Contemporânea. Nesta edição, é possivel ver mais do trabalho do ator, dramaturgo e diretor em franca ascensão no teatro brasileiro. Liberano estreia Concreto Armado na Mostra Contemporânea no dia 26 de março, com o Teatro Inominável; assina a dramaturgia de LaborAtorial, um dos três espetáculos trazidos pela Cia. dos Atores; e ainda leva ao Fringe sua versão para Vermelho Amargo, adaptação do romance do escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, morto em 2012. Na entrevista abaixo, ele comenta os três trabalhos e outras ideias sobre teatro.
Esse parece ser um espetáculo feito “no calor da hora”, sem uma maior possibilidade distanciamento por estarmos vivendo agora as consequências prévias e expectativas sobre a Copa. Como isso é trabalhado na linguagem do espetáculo e o que implica eticamente em sua construção?
Investigamos física quântica, budismo, astrologia, economia compartilhada, poesias inúmeras, hibridismos… Um leque de olhares que, quando postos sobre o corpo do ator, revelaram novos horizontes. De alguma forma, o espetáculo – e a dramaturgia – buscam colocar em cheque (sem nenhum desejo de destruição) alguns valores que nos acompanham e que já se tornaram hábitos. É um experimento sobre si mesmo, mas voltado para o outro.
O Valle (Marcelo) me contou sonhos recorrentes. Contou momentos da sua vida, momentos emblemáticos e outros, mais amenos. Junto a isso, eu fui costurando impressões minhas, tramas que eu achava interessante oferecer a ele (como contraponto ou mesmo como “abraço”). É uma grande mistura de referências e essa foi a principal característica do projeto (e, sem dúvida, o que há de mais especial). Criamos, durante meses, tudo junto. Íamos para a sala de ensaio, para a sala de casa, para o escritório, íamos jantar e a peça seguia se escrevendo, se anunciando, se buscando (através de nosso dia-a-dia). Sem dúvida, por já ter trabalhado outras vezes com a Cia dos Atores, essa qualidade é a maior. A investigação deles não é calcada no certo, no modelo, no como fazer nem no onde chegar. Há uma compreensão (dada e muito clara) de que é preciso vagar, buscar, propor e abrir. Nesse sentido, a criação vai aparecendo nos lugares considerados “propícios” bem como nos outros, considerados “menos importantes”. Isso me faz pensar que a criação tem mais a ver com a vida do que com um arranjo criativo para forjá-la
Talvez tudo isso seja só um desejo meu que nem chegue a acontecer de fato. Mas o meu trabalho é também sobre o que não se vê, sobre o incerto, sobre apostas… Tudo isso tem sido um ponto crucial da minha investigação artística
Paulo André entrou no Grupo Galpão para a montagem de “A Rua da Amargura”, chamado justamente pelo diretor Gabriel Villela. Duas décadas depois, quando Villela enfim volta a estrear um espetáculo inédito com a trupe mineira, o ator se sente desafiado a “justificar” sua entrada no grupo. E é o que faz como Batalha, roubando a cena com intervenções irreverentes e travestido de mulher durante toda a encenação de “Os Gigantes da Montanha”, texto de Luigi Pirandello. HORIZONTE DA CENA: Chama a atenção em “Os Gigantes da Montanha” seu personagem, que passa o tempo todo travestido. Isso já estava no texto do Pirandello? PAULO ANDRÉ – É do texto. Na estrutura das companhias italianas tem a primeira atriz, o primeiro ator, o segundo ator, o terceiro ator… e o genérico, que podia fazer papel tanto de homem quanto de mulher. Meu personagem é o genérico. Chama-se Batalha. E as possibilidades dos gêneros sempre foi muito querida pelo teatro e pela arte em geral, tem um lugar de divinização das pessoas que circulam entre as áreas. Mas a opção de ser o tempo inteiro travesti é do Gabriel (Villela). O texto não sugere nada. E em outras montagens às quais a gente assistiu, o Batalha aparece como um senhor. HDC: Já te disseram, e não sei se faz algum sentido isso, que você está parecido com o Rodolfo (Vaz), inclusive fisicamente? Que a sua máscara facial remete a ele de alguma maneira? E até mesmo na forma como “rouba a cena” num pequeno instante, numa cena que podia ser banal, o que ele fez muito bem em outros espetáculos? PAULO ANDRÉ: O Rodolfo é um clown. E o Gabriel me pediu isso de certa maneira, não para ficar parecido, mas para evocar esse espírito irreverente. É circo, tudo pra fora, não tem nenhuma psicologia, o texto nos permitia esse lugar. A gente ensaiou o tempo inteiro de nariz, só tirou nos ensaios abertos no Plug Minas. E é legal isso, as pessoas ligarem meu trabalho ao do Rodolfo, primeiro porque eu o adoro, e depois porque o Rodolfo fez um clown inesquecível, o Judas do “A Rua da Amargura”, além do próprio Mercúcio, do “Romeu e Julieta”. HDC: Vocês fizeram um trabalho associado de máscara facial e nariz de palhaço? PAULO ANDRÉ: O caso do nariz é que a máscara facial já pede por ele; ela te puxa para essa expressão. Quando se põe uma máscara, não se pode agir mais normalmente; a máscara te pede uma atitude que sem ela talvez você não tivesse. Usamos o nariz para trazer essa expressão e, ao tirá-lo, a máscara veio através do nariz, e vice-versa. E a gente termina o espetáculo com o nariz. HDC: Além de o nariz ser uma autorreferência do próprio Gabriel (Villela) aos dois espetáculos anteriores que ele fez com o Galpão, o “Romeu e Julieta” e a “Rua da Amargura”, não é? Sem contar que foi a convite dele que você chegou ao Galpão, não foi mesmo? PAULO ANDRÉ: Um dia desses, eu até brinquei com ele falando: “agora a gente tem obrigação de justificar a minha entrada no Galpão” (risos). Fui chamado para ser assistente do Gabriel na “Rua da Amargura”, mas acabou que ele me deu um papel no espetáculo e não fiz a assistência mais. HDC: Qual era sua trajetória até então? PAULO ANDRÉ: Estava com 31 anos, era ator-freelancer. Bom, fiz o Oficina de Teatro, em 1983, com o Pedro Paulo Cava, que ficava ao lado do Dops. Fui aluno de Carmem Paternostro, Joaquim Costa, Luiz Paixão. Eu fazia parte de uma turma maldita, de terça e quinta à tarde – turma de dona, sabe? (risos) – que era a turma de Marcelo Castilho Avellar, Andrea Garavello. Na verdade, eram duas turmas malditas. Uma de terça e quinta, que eram alunos do Luppi, e a outra de alunos do Fernando Limoeiro, de segunda e quarta. Então, resolveram juntar essas duas turmas. E aí, naquele ano, fundamos o Experimentando o Palco, que começou em 1984. HDC: E qual era a sua ligação com o Gabriel? PAULO ANDRÉ: Então, nenhuma. Ainda sobre minha trajetória, em 1984 produzimos uma peça, tive que trabalhar, fiquei alguns anos sem fazer teatro. Aí depois voltei ao teatro e fui substituir um ator no “Antígona”, do Carlão (Carlos Rocha), na Cia. Sonho e Drama. E então fiz “Frank V” com Pedro Paulo Cava, “Casal Aberto”, com Andrea Garavello, e “Dois Idiotas Sentados Cada qual em seu Barril”, também com a Andrea e direção do Kalluh (Araújo). Foi um sucesso de critica, fizemos temporada em São Paulo e ganhei o APCA com essa peça. O público foi um fracasso em compensação (risos). Depois fiz “Cais do Porto”, direção do Ricardo Batista, e sei que nessa época fui parar na Sonho e Drama de novo. Até que veio o convite para o Galpão. HDC: E como você se relaciona com esses dois possíveis sucessos: o de público e o de crítica? PAULO ANDRÉ: Ah, o de crítica é mais fácil, eu acho. O sucesso de público é mais difícil. Antes de eu entrar para o Galpão, só “Casal Aberto” fez sucesso. Era outra época, na qual se o artista fizesse sucesso de público, vivia de bilheteria. HDC: O Galpão viveu essa época? Já viveu de bilheteria? PAULO ANDRÉ: O Galpão era um caso à parte porque sempre se dedicou mais aos projetos de rua, principalmente nessa fase inicial do grupo, nas suas primeiras décadas. Era inclusive uma postura política, de ocupação, em um momento de abertura no Brasil. HDC: Quando o Gabriel desistiu de ter você como assistente e resolveu te dar um papel? PAULO ANDRÉ: Era o que eu mais queria na vida! Não queria fazer assistência de Gabriel, mas foi a forma que cheguei até lá. No fundo, queria mais era fazer alguma coisa no espetáculo, e acabei fazendo várias coisas: José de Arimateia, um anjo e outros. HDC: Aliás, por certo ângulo, você é um coringa no grupo, não é? Sempre que falta alguém, você vai lá e assume com competência o lugar. Exemplo: o Chico não vai mais fazer o “Romeu”, lá vai você! Ou a Inês não pode fazer o “Till”, e você assume. PAULO ANDRÉ: Faço parte de uma companhia e tenho que estar aberto para as demandas dela. Se precisar de alguém para fazer, vou lá fazer. HDC: O bom é que isso nunca te estigmatizou num único papel. PAULO ANDRÉ: Isso não estigmatiza ou estigmatiza por si só. Isso é parte do meu DNA de ator. Apesar de ter começado em grupo, fui freelancer durante um bom tempo. Outro dia, o Marcos Coletta, ator e pesquisador que vai fazer o mestrado dele sobre formação no teatro de grupo, me chamou para a banca de apresentação do projeto dele, e achei bem apropriado ele ter me escolhido porque sou tão sem raça, tão vira-lata (risos). Fiz oficina de teatro, e não escola, e fui para a vida, e acabou que minha formação mesmo foi no Galpão, embora tivesse mais de 11 anos de carreira quando me juntei ao grupo. Eu me sinto formado lá, e o Galpão também tem essa cara sem raça, um grupo no qual os atores têm que ser coringas mesmo. E é bom para o ator não ter cara, se eu tivesse, jamais faria o filme do Cao Guimarães e do Marcelo Gomes (“O Homem das Multidões”, ainda em fase de pós-produção). HDC: E essa história de “justificar a entrada no Galpão”? Em que sentido você diz isso? PAULO ANDRÉ: O Gabriel uma vez disse: “esse grupo não tem veado, nunca vi grupo de teatro que não tem veado” (risos). Tinha o Arildo (Barros), mas que é bicha de época e não valia (risos). Mas, falando sério, achei ótimo esse reencontro com o Gabriel. Quando digo justificar minha entrada é porque eu não tenho nenhum talento especial, essa coisa da raça que a gente estava falando, que justificasse minha entrada no Galpão. Eu não era músico, não era circense, não era bailarino, não era palhaço. Agora, uma coisa que eu tenho é disciplina, uma disciplina fodida. Acho mesmo que o talento é moldável, principalmente em teatro. HDC: Quando você diz justificar sua entrada, sente que em “Os Gigantes da Montanha” – no qual você magnetiza o público com suas pontuais, mas precisas entradas no palco – você realiza isso artisticamente? Você percebe que vem, com trabalhos consecutivamente consistentes, aumentando seu patamar no grupo e como artista? PAULO ANDRÉ: Aumentando o patamar como artista é algo que eu sinceramente sinto, sim. Mas não só agora, sinto que venho conquistando isso. Mas isso vem pela própria atitude dos meus colegas de grupo. Eles contam comigo para as coisas acontecerem. Isso é um amadurecimento de artista. Agora, essas atitudes irreverentes são tudo também da direção. O Gabriel pede isso e a peça também. Ela trata de realidade misturada com sonho, e a gente propõe essas loucuras no ensaio e dão certo porque o texto pede isso da gente. Agora, o ator trabalha com dois paradoxos: liberdade e cerca. Quanto mais cerca, mais liberdade tem que ter. HDC: Você comentou mais cedo, antes da entrevista, que o Gabriel não tem mais paciência para o dia a dia da sala de ensaio. Como foi a dinâmica de “Os Gigantes da Montanha”? PAULO ANDRÉ: Ele é um grande criador, um artista naquela acepção da palavra mais antiga, com um pensamento muito barroco, muitas vezes temperamental, mas genial ao mesmo tempo. Então, ele trabalha criando o tempo inteiro. Agora, o teatro não é feito somente com momentos de genialidade, precisa da rotina, da repetição, e ele não tem paciência mais para ficar batendo texto, repetindo música. HDC: A Francesca Della Monica trabalhou com vocês a espacialização da voz. Ela já havia trabalhado com o Galpão antes? PAULO ANDRÉ: Não, foi a primeira vez. A Francesca fez com o Gabriel “Hécuba”, “Macbeth” e o “Sua Incelença…”. E ela é muito talentosa, é professora de antropologia da voz. HDC: Como essa técnica se aplica na rua? PAULO ANDRÉ: A espacialização é algo que se dá nos seis horizontes, diferentemente da projeção, que é para frente. Não se trata de esforço físico, mas de dramaturgia. A voz é dramaturgia. A ação é feita nos intervalos (da fala) e não na coisa em si. E isso tira um peso. Ela trouxe a cura! Quem é aluno dela é o Dario Fo, ela o curou. E é uma figura apaixonante. HDC: Embora você tenha uma faixa etária similar aos colegas de Galpão, você aparenta uma jovialidade, um lado bem mais pop dentro do grupo. PAULO ANDRÉ: Sou completamente influenciado pela cultura pop. Nasci nos anos 60, é impossível não valorizar isso nas minhas referências, sendo que a erudição veio com o tempo. Minha casa era muito rica nesse sentido. Minha mãe é professora, minha tia era cantora de ópera, meu avô era envolvido com teatro e fundou um colégio. Eu tinha muitas referências eruditas e populares no mesmo lugar. Em 1963, para se ter uma ideia, já tinha televisão lá em casa. Eu escutava ópera, lia gibi, levava enciclopédia para o banheiro (risos). HDC: Esse duo, erudito e popular, é muito associado ao Gabriel e ao Galpão. E, neste espetáculo específico, o texto é mais difícil do que, por exemplo, “Romeu e Julieta”, que também trazia o popular e o erudito, apesar de ser um trabalho para a rua também. Como vocês trabalharam isso? Porque é de novo o Gabriel Villela, na rua, com Galpão, mas com outras instâncias de dificuldade envolvidas. PAULO ANDRÉ: Eu acho que “Os Gigantes da Montanha” é um texto rico porque tem muitas camadas de entendimento. Quem está atrás de um entendimento cartesiano, aristotélico, do início-meio-fim, fica um pouco frustrado talvez. Mas tem tantos outros níveis, que isso pode não ser problema, mesmo na rua. Eu acredito que não será. A fábula do Pirandello é inacabada. Ele, provavelmente, iria acabar de escrever a peça, voltar lá no início, rever tudo e ver se estava certo. Mas não acabou, não reviu e é isso. Isso abre os sentidos. Eu acho que o espectador de rua é naturalmente aberto para isso, e, quando começa a peça, o espectador é catapultado para outra esfera, que não é a de novela. Não tem como ele ficar nesse lugar, porque vai ser tão desinteressante para ele, que só lhe resta ir embora. HDC: Você ainda não teve a chance de viver muitos protagonistas no Galpão, embora tenha tido experiências adoráveis como o Seu Coisinha, de “Um Trem Chamado Desejo”. Como se dá isso no grupo e como você percebe essa sua capacidade de chamar a atenção mesmo sem tantos papeis de destaque? PAULO ANDRÉ: Eu nunca fui um ator genial. Aos poucos, tive que batalhar muito para chegar ao patamar que estou hoje, a custo de muito esforço. Eu sempre soube o meu lugar e o lugar dos protagonistas que eu fiz para o Galpão. O Seu Coisinha tinha um apelo muito popular, que o Visconde, do “Partido”, não tinha porque trabalhava com forças opostas a essa simpatia do Coisinha. Eu sinto que esses personagens vêm com a força que eles têm que ter. O Galpão não é feito de protagonistas, lá o trabalho é pelo espetáculo. Todas essas engrenagens estão à frente de qualquer vaidade. E isso não é demagogia, eu aprendi isso lá dentro. Nunca vi nenhum deles ter esse tipo de atitude, nem Teuda, com todo carisma, nem Eduardo, carregando o grupo no muque. Eles só me mostram o contrário. O protagonista é consequência, não pode ser a busca, a não ser que você seja outro tipo de ator. E dentro da ideia do grupo, eu tenho funcionado (risos). HDC: Seus personagens de maior projeção no grupo guardam um lado do cômico e do patético. Mesmo dentro do “Tio Vânia”, que exigia uma atuação mais realista e contida, você trazia esse elemento. PAULO ANDRÉ: Eu lido bem com o patético, eu gosto. Agora, fazer o “Tio Vânia” foi um prazer tão grande, principalmente porque unimos dois personagens da história no Teléguine. E a Yara (de Novaes) fez uma cirurgia plástica perfeita, e a gente juntou os dois sem perder as características próprias de cada um. A Yara me deu uma chave muito importante, no primeiro dia de ensaio, que foi me dizer que eu não precisava ser muito caxias. O personagem era deslocado, de outra época. O Marcelo Castilho Avellar fala disso muito bem na crítica dele ao espetáculo: ele apontava que o Teléguine não está no lugar onde está Vânia, nem a mãe, nem a Soninha, o que era ressaltado claramente nas diferenças de interpretação. A Mariana (Muniz) quase no naturalismo, o Toninho (Antonio Edson) na transição, e o Teléguine já está instalado no passado muito remoto, ele é um móvel da fazenda que ficou e não tem como jogar fora. HDC: “Os Gigantes da Montanha” conta a história de uma companhia que não tem mais lugar no mundo cotidiano, com uma linguagem defasada no tempo, sem público, e que vai parar naquele lugar onírico. É curioso pensar isso montado pelo Galpão, que ainda mobiliza o público, contado aos milhares, mas que, ao mesmo tempo, teve uma repercussão menos entusiasmada com seus projetos voltados ao Tchékov, com “Eclipse”, principalmente. Esse paralelo é possível de ser feito? PAULO ANDRÉ: O Galpão é uma companhia que tem muitos compromissos: com o público, com os patrocinadores, mas, principalmente, com os artistas que formam o grupo. E a gente não pode ser feito só de sucesso, com 5000 pessoas. A gente é feito de “Eclipse” também, porque é isso que vai dar estofo para a gente, e não esse sucesso de Praça do Papa apenas. Mas, se a gente abre mão de um lado, começa a ficar capenga, fica folclórico, deixa de ser grupo de teatro. O “Viagem a Tchékov” foi riquíssimo para a gente, um lugar onde a gente ainda não tinha estado. E é para isso que a gente faz arte, para estarmos em lugares onde ainda não estivemos e para trazer outras perspectivas de nos olharmos dentro do grupo também. Não estar voltado para resultados tão grandes traz outro lugar para mim no grupo, por exemplo. por Soraya Belusi e Luciana Romagnolli
O dramaturgo francês Joël Pommerat (Cici Olsson/Divulgação) |
Cena da montagem brasileira de Esta Criança (Sandra Delgado/Divulgação) |
Cena da montagem francesa de Esta Criança (Elisabeth Carecchio/Divulgação) |
Gustavo Bones e Marcelo Castro refletem sobre os próximos passos artísticos do grupo, revelam novos projetos e contam sobre o dilema de garantir a continuidade do coletivo sem a captação de um novo patrocínio
A produtora Aline Vila Real e os atores Marcelo Castro e Gustavo Bones dão continuidade às ações do grupo (Fotos Espanca/Divulgação) |
HORIZONTE DA CENA: Recentemente, a Grace confirmou a saída dela do grupo, embora ela vá continuar a integrar os espetáculos que vocês mantêm em repertório. Em algum momento, vocês cogitaram colocar um ponto final no Espanca! ou isso nunca foi considerado? O que pesou para que vocês se mantivessem enquanto grupo?
Como vocês disseram, a ‘genialidade’ da Grace é algo que, muitas vezes, nos fazia pensar que as questões artísticas e estéticas do Espanca passavam principalmente por ela, talvez, inclusive, pelo peso que a assinatura da escritura dramatúrgica que ela construiu. Agora, de alguma maneira, devem surgir novos desejos e caminhos, uma certa mudança?
Vocês dois, como já disseram antes, têm desejo de mergulhar em várias propostas estéticas, e, inclusive, já vinham experimentando isso em coletivos como o Paisagens Poéticas. Além disso, durante a trajetória do Espanca até aqui, foram vários os parceiros e colaboradores, sejam atores convidados para certos trabalhos, seja substituindo. A lista inclui o Assis Benevenuto, a Gláucia Vandeveld, a Renata Cabral, a Izabel Stewart, Alexandre de Sena, dentre várias outras artistas da cidade. Vocês pensam em uma nova configuração para o grupo? Essas pessoas estariam incluídas? Ou o Espanca se mantém com vocês dois por enquanto?
(*) Soraya Belusi é jornalista, crítica de teatro e mestranda em Artes pela UFMG.
Roberto Alvim parece ter o paradoxo como companheiro. Carioca de origem, nunca se identificou com a tríade praia-samba-futebol de sua cidade natal e foi encontrar em São Paulo o ambiente favorável para investigar a alteridade radical em seu trabalho. Um dos encenadores mais provocativos da cena atual, afirma que há quase 20 anos não vai ao cinema e evita ir ao teatro, encontrando nas artes plásticas e na literatura diálogos mais inspiradores para ampliar os limites da arte que executa. Defende a singularidade acima de qualquer coisa, mas já vê elementos de sua linguagem sendo replicados de maneira muitas vezes caricatural. Nunca escondeu que quer entrar para a História, embora admita a impossibilidade da realização plena de seu projeto artístico. Durante as quase três horas de entrevista ao Horizonte da Cena durante o Festival de Curitiba, onde estreou “Haikai”, foi do discurso febril à introspecção total, em uma conversa na qual deixa claro seu potencial de rejeição e fascínio.
“Haikai”. Foto de Daniel Sorrentino. |
Foto de Ernesto Vasconcelos. |
“Os Bem-Intencionados”, com o grupo Lume. Foto de Alessandro Soave. |
por Luciana Romagnolli
“Viúva, Porém Honesta”. |
Três perguntas para Pedro Vilela, ator e diretor do grupo pernambucano Magiluth, que participa do Fringe com “Viúva, Porém Honesta“, de Nelson Rodrigues.
“Viúva, Porém Honesta”. |
Quais os pontos em comum ou paralelos possíveis deste novo espetáculo com “Aquilo que meu Olhar Guardou para Você”?
Quem vê o “Viúva”, costuma dizer que é um aglomerado de tudo que já fizemos, o que costumamos defender como “construção de uma linguagem”. E nossa linguagem é marcada pelo Jogo. Acho que talvez seja o maior ponto em comum com os outros trabalhos. Temos muito interesse pelo “aqui e agora” que só o teatro nos possibilita. Olhamos também com a atenção para os limites entre o ator e o personagem, e no Nelson isso se evidencia ainda mais, pois as construções, trocas, convenções estão todas expostas no palco para o público. Trazemos, com o “Viúva”, uma cena “precária”, sem rebuscamentos. Mas este é nosso exercício. Como a partir deste dado da precariedade podemos construir teatralidade. Como podemos contar um Nelson com elementos vindos da 25 de março. E, assim, abrimos espaço para uma cena onde tudo é possível. A diferença principal em relação ao “Aquilo” é o posicionamento que temos perante a obra para que o público se relacione. O “Aquilo” procura tratar com a poesia das pequenas coisas, enquanto que no Nelson usamos um olhar hiperbólico como o próprio autor foi.