“Em Breve nos Cinemas”, do Teatro de Breque, está indicado a melhor espetáculo. |
Em Curitiba, foram divulgados os indicados ao Troféu Gralha Azul, o principal prêmio do teatro paranaense. São:
ESPETÁCULO
“O MALEFÍCIO DA MARIPOSA ” da Cia Ave Lola Espaço de Criação
“SATYRICON DELÍRIO” do Grupo Delírio Cia de Teatro
“PORQUE NÃO ESTOU ONDE VOCÊ ESTÁ” da Cia Súbita
“KAFKA – A VIGÍLIA” do Grupo Delírio Cia de Teatro
“EM BREVE NOS CINEMAS” da Cia Teatro de Breque
ESPETÁCULO PARA CRIANÇAS
“DE VOLTA AO COMEÇO” da Cia Figurino e Cena Produções Artísticas
“OS SALTIMBANCOS” da Cia Regina Vogue
DIREÇÃO ESPETÁCULO PARA CRIANÇAS
PAULO VINÍCIUS por “ De Volta ao Começo”
MAURÍCIO VOGUE por “Os Saltimbancos”
DIREÇÃO
EDSON BUENO por “Satyricon Delírio”
ANA ROSA TEZZA por “ O Malefício da Mariposa”
MAÍRA LOUR por “Porque Não Estou Onde Você Está”
EDSON BUENO por “Kafka – A Vigília”
DIMIS JEAN SORES por “ Peça Ruim”
TEXTO ORIGINAL
OLGA NENEVÊ por “ As Tramoias de José na Cidade Labiríntica”
DIMIS JEAN SORES por “ Peça Ruim”
ATOR
VAL SALLES por “O Malefício da Mariposa”
LEANDRO DANIEL COLOMBO por “ A Meia Noite Levarei Teu Cadáver”
TIAGO LUZ por “Satyricon Delírio”
CLEYDSON NASCIMENTO por “Em Breve Nos Cinemas”
LUIZ BERTAZZO por “Peça Ruim”
ATRIZ
GIOVANA DE LIZ por “Os Saltimbancos”
MARIANA RIBEIRO por “ Peça Ruim”
ALESSANDRA FLORES por “O Malefício da Mariposa”
JANINE DE CAMPOS por “ O Malefício da Mariposa”
JANAINA MATTER por “Porque Não Estou Onde Você Está”
ATOR COADJUVANTE
MAURÍCIO VOGUE por “Satyricon Delírio”
JEFF BASTOS por “Peça Ruim”
EVANDRO SANTIAGO por “Satyricon Delírio”
TIAGO LUZ por “As Aventuras de Pinóquio”
SÁVIO MALHEIROS por “Peça Ruim”
ATRIZ COADJUVANTE
HELENA PORTELA por “ Porque Não Estou Onde Você Está”
REGINA VOGUE por “Satyricon Delírio”
SIMONE MAGALHÃES por “As Aventuras de Pinóquio”
VIDA SANTOS por “Satyricon Delírio”
PATRÍCIA CIPRIANO por “Peça Ruim”
CENÁRIO
FERNANDO MARÉS por “ Em Breve Nos Cinemas“
ENÉAS LOUR por “Porque Não Estou Onde Você Está”
PAULO VINÍCIUS por “A Meia Noite Levarei Teu Cadáver”
EDUARDO GIACOMINI por “ As Tramoias de José na Cidade Labiríntica”
GABRIEL GALLARZA/MARIA GAISSLER por “ Buraco da Fechadura”
FIGURINO
PAULO VINÍCIUS por “ De Volta ao Começo”
CRISTINE CONDE por “O Malefício da Mariposa”
ÁLDICE LOPES por “ Satyricon Delírio”
PAULO VINÍCIUS por “As Aventuras de Pinóquio”
CRISTINE CONDE por “ Porque Não Estou Onde Você Está”
COMPOSIÇÃO MUSICAL
RAPHAEL MORAES por “ Satyricon Delírio”
LUIZ SADAITI por “ De Volta Ao Começo”
EDITH DE CAMARGO por “Porque Não Estou Onde Você Está”
SÉRGIO JUSTEN por “As Aventuras de Pinóquio”
SONOPLASTIA
ANA ROSA TEZZA por “O Malefício da Mariposa”
EDITH DE CAMARGO por “As Tramoias de José na Cidade Labiríntica”
SÉRGIO JUSTEN por “ Os Saltimbancos”
ILUMINAÇÃO
BETO BRUEL por “Porque Não Estou Onde Você Está”
RODRIGO ZIOLKOWSKI por “Nada a Dizer”
LUCAS AMADO por “As Tramoias de José Na Cidade Labiríntica”
BETO BRUEL por “Satyricon Delírio”
RODRIGO ZIOLKOWSKI por “ O Malefício da Mariposa”
“La Matanza” se utiliza de linguagens diversas, entre elas o vídeo (Foto Esquyna Latina/Divulgação)
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Saga de um retirante até o colapso de sua identidade na cidade grande é mote da montagem (Foto de Marco Aurélio Prates)
(Foto de Juliana Palhares)
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Por Soraya Belusi (*)
por Luciana Romagnolli
Assis Benevenuto lê “Get Out” e Marina Viana, Marina Arthuzzi e Mariana Blanco leem “Silvia e os Outsiders” no segundo encontro da Janela de Dramaturgia. Foto de Filipe Costa Silva. |
Por Soraya Belusi
Exatamente como as coisas deveriam ser: um cenário enigmático, uma bela composição pelo espaço, figurinos bem harmonizados cromaticamente, uma dramaturgia fragmentada entrecortada por situações de humor e elementos fantásticos, como a presença ausente de um camelo sem corcunda. Todos os elementos aparentemente “corretos” confluem para um grande resultado? Assim seria se as coisas fossem como deveriam ser, mas, não, como elas realmente são. É a partir do próprio argumento do espetáculo “Pessoas ou Coisas Podem Mudar o Mundo, mas Hoje Nada Aconteceu”, da Cia. dos Aflitos, que busquei dialogar com as escolhas realizadas pelos criadores envolvidos nas questões que me parecem mais problematizadas pela montagem, como a relação com o espectador, a quebra da ilusão teatral, a construção de uma dramaturgia própria, organizada de maneira fragmentada, utilizando-se como matéria-prima os relatos pessoais dos atores.
Ao longo dos 60 minutos cronometrados para os alarmes soarem, o espetáculo parece carecer de uma seqüência de bons achados (como a imagem das quedas, a linguagem metafórica e circular, entre outros pontos) que, ao não serem explorados de maneira a ganharem força no decorrer da cena, tornam-se perdidos no tempo e no espaço. Um desses elementos pode ser notado logo na primeira cena. Ainda do lado de fora do teatro, o público é surpreendido por um ator/personagem que pede que escrevam cartas (a serem usadas posteriormente na encenação) com respostas para a seguinte pergunta: ‘como as coisas deveriam ser?’. Em seguida, surge um outro ator/personagem sugerindo que igualemos os horários dos nossos relógios e, metaforicamente, ‘sintonizemos nossos tempos’.
A questão é que, embora sejam muito fortes poeticamente, nenhum desses dois elementos (apenas título de exemplo) é reapropriado pela montagem de forma a justificar a relevância que lhe és dada anteriormente. As cartas viram frases soltas e quase inaudíveis ao fim da peça, apenas um ‘achado’ para encerrar o trabalho. O efeito de realidade com o pedido de a plateia manter ligados seus dispositivos eletrônicos e programar o despertador também não agrega camadas simbólicas ao espetáculo da maneira como foi utilizado (sem contar que não funcionou, já que os despertadores parecem não terem tocado sincronizadamente).
Embora o elemento tempo esteja presente o tempo inteiro (seja nos relógios do cenário, no relógio de bolso do ser imaginário, no relógio que marca o tempo na sonoplastia), esse peso não se faz sentir na cena e na plateia. A proposta cíclica da dramaturgia enfatiza essa questão temporal, mas não dá conta de torna-la presente na cena e não apenas ilustrada.
Este trabalho da Cia. dos Aflitos parece ser descendente direto de uma renovação no fazer dos grupos de teatro, influenciados pelo processo colaborativo e pela atuação de um ator-criador, trazendo consigo as potências e as limitações impregnadas a esse ‘modus operandi’ (como bem lembrado pelo professor Fernando Mencarelli em sua fala analítica). Os depoimentos pessoais dos atores não parecem dar conta da dimensão poética e complexa que a dramaturgia pretende alcançar. O invólucro parece dizer muito e, as entrelinhas parecem esconder mistérios, as arestas poderiam ser possibilidades de diálogo e interpretação do próprio espectador. Mas, no fim, os elementos parecem ter sido escolhidos para que o espetáculo fosse como deveria ser (em sua forma estética), e, não, pela real simbologia que carregam ao serem articulados lado a lado. A dramaturgia parece querer trabalhar em distintas camadas de diálogo com a plateia e com a história, no plano do imaginário (com a presença de uma espécie de ‘guardião do tempo’, da memória (com as imagens e indagações do que se passou), do presente teatral (na quebra com a ilusão e no contato direto com o espectador). Mas não alcança o objetivo de articula-los de forma a potencializar cada uma dessas possibilidades em cena.
A situação resumida na sinopse do espetáculo (a relação entre o casal e uma filha e a dificuldade de lidar com o tempo no que tange à necessidade da mudança) não se torna problematizada, tornando o espetáculo um exercício estético potente, mas ainda carente de uma maior elaboração dramatúrgica.
Por Soraya Belusi
“Até que o Teto Desabe” apresenta dois personagens em uma situação-limite, que se vêem trancados dentro de um cofre de banco, encruzilhados pela chegada da polícia ou uma eminente desabamento. Este encontro de dois seres em total momento de desapego de suas máscaras (sociais e psicológicas) serve de pretexto para que o texto de Carlos Renatto aponte por diversos temas como o fracasso das relações humanas, medo, morte, violência. O argumento do espetáculo é muito forte e bem delineado, mas sua execução comete deslizes no percurso.
Embora a dramaturgia apresente uma série de potencialidades, estas parecem se dissolver ao longo da encenação. O humor, por exemplo, arma que pode ser usada de maneira cortante para que o indivíduo reflita sobre si mesmo e suas limitações, torna-se banalizado justamente por sua hipervalorização. Imagens potentes (como um mundo prestes a desabar sobre nossas cabeças ou o fato de os personagens morrerem ‘esmagados pelo capitalismo’) diluem-se em meio a outras tiradas que apenas contribuem para o riso fácil do público, diminuindo assim o seu efeito de reflexão. Que o diga o texto do mineiro José Vicente, montado pela primeira vez em 1969, por uma trinca de grandes atores (Rubens Corrêa, Ivan de Albuquerque e Fauzi Arap), e, mais recentemente, revisto em projeto paralelo dos atores do Oficina de Zé Celso Martinez.
Cito a obra de Zé Vicente por uma série de razões: pela proximidade temática e da situação cênica e para servir de referência futura para os criadores envolvidos, artistas ainda (e constante e eternamente) em formação. Em “O Assalto”, escrito no auge da ditadura, Zé Vicente faz uma espécie de “acerto de contas” com sua própria visão de Deus, e “escancarava as conseqüências da devoção cega a um deus-mercado que a tudo rege nos dias que correm”, como afirma o crítico Valmir Santos quando da remontagem da peça em 2004. O texto tem como um de seus elementos sublimes a potência poética daquilo que não podia ser dito, mas que estava o tempo inteiro presente no subtexto, no que se vê sem se mostrar. “Revisitada após uma série de montagens, no segundo semestre de 1969, que obrigaram a crítica a rever seus critérios, a peça não perdeu nada da beleza e do impacto primitivos. Ela continua de pé com a sua intratabilidade, a aspereza de um estilo literário que se compraz nos desvãos e nas sondagens incômodas – essa violência, tão típica de hoje, que explode em rebeldia existencial, não afeiçoada a nenhuma disciplina, após a compressão de todos os condicionamentos sociais”, descreveu o crítico Sábato Magaldi sobre “O Assalto”, em 1970, no “Jornal da Tarde”.
Na montagem dos alunos TU, Os atores se relacionam com os personagens de forma a executa-los muito próximos de suas próprias características cotidianas, configurando um pseudonaturalismo que não contribui para a potencialidade da cena. Uma situação-limite (a aproximação da morte ou da cadeia) gera a presença de uma tensão que precisa reverberar no espaço, na luz, na paisagem sonora, no corpo dos atores/personagens; falta o tônus necessário, carece de um estado, de uma presença cênica para que esta ficção se concretize no espaço entre o palco e a plateia. Na condução da montagem, esses elementos tendem a aparecer muito mais na descrição que na ação. O público tem esses elementos dados pelas palavras, pelo que os personagens dizem, e não pelo que fazem (mostram, apresentam).
Esse jogo de entra-e-sai (da ação dentro do cofre para os comentários diretos com a plateia), como que um recurso para romper a ilusão teatral, desfavorece a ação cênica, dificultando ainda mais a construção da situação que se pretende estabelecer cenicamente. Além disso, os momentos de aparte parecem apenas sublinhar questões que já estavam mais que explicadas na cena, tornando-se, assim, tanto quanto ilustrativas apenas.
Os personagens e seus contrastes aparecem sem desenhos concretos (dramatúrgico, físico e cênico), minimizando o impacto deste encontro improvável entre dois universos díspares: o do homem que nada tem a perder e o do menino filho de banqueiro que sempre teve tudo e pôs tudo a perder.
Por Soraya Belusi
“A dança-teatro tem-se valido de todos os ingredientes de uma encenação teatral (…) na esmerada coordenação de todos os materiais cênicos. Disso resulta a criação de uma fábula e de uma dramaturgia que contam uma história – a partir das ações simbólicas das personagens, que permanecem em seu papel e são condutoras da dramaturgia. O gestus social, mais que os gestos individuais ou psicológicos, é o que conta: o movimento jamais é puro e isolado”.
A definição de Patrice Pavis, em seu “Dicionário de Teatro”, para a corrente da criação cênica contemporânea que definiu-se conceituar como dança-teatro – fruto de um processo iniciado ainda por Laban e seu discípulo, Kurt Jooss, no início do século XX, e sintetizada na obra de Pina Bausch e seu no Tanztheater Wuppertal – pode servir como ponto de partida para estabelecer pontos de problematização sobre a maneira de apreensão do conceito que parece tão presente na construção do espetáculo “Chá de Casa Nova”, da Cia. Cacos de Luz, de São João del Rei.
Uma leitura menos atenta da definição de Pavis poderia levar a uma identificação imediata entre as proposições do espetáculo e a conexão com os elementos que estabeleceram a base da linguagem experimentada pela coreógrafa alemã (embora Pina não gostasse que limitassem sua criação definindo-a como coreografia). Mas, numa proposta de tentar dialogar com os signos propostos pela encenação percebe-se uma concepção que, embora tenha os ingredientes necessários, não consegue reuni-los de maneira simbólica e dramatúrgica, para alcançar o que Jooss definiu como dança drama, duas linguagens que vão ao encontro uma da outra, gerando um terceiro fruto artístico. “Na dança dramática, as ideias de movimento estão fundidas com a ideia dramática, e a fusão desses dois elementos cria uma nova entidade, a dança-drama, cujo assunto é o pensamento do criador cristalizado em ação e em personagens humanos que agem e sofrem” (JOOSS apud SCHILICHER, 1993, p. 32, tradução da autora).
A dramaturgia, aparentemente aberta, parece não se definir por quais códigos de encenação operar. Como em um jogo de “liga e desliga”, o espetáculo tende a caminhar numa divisão entre “momentos de dança” e “momentos de teatro”. Ao contrário do que pregava Jooss (citado acima), o trabalho parece optar por relances em que a partitura corporal/coreográfica eleva-se como fio condutor, mas sem atingir o plano do simbólico, do representativo, do movimento com significado. Neste sentido, o trabalho do ator e do bailarino não funcionaria em momentos distintos da cena, como se dá na montagem, mas, sim, coexistiriam em cena. “Ela confronta a ficção de uma personagem construída, encarnada e imitada pelo ator, com a fricção de um dançarino, que vale por sua faculdade de inflamar a si próprio e aos outros através de (…) seu desempenho cinestésico”.
No objetivo de levar à cena (apresentar, representar) a história de uma família em que os indivíduos deixam revelar suas fraquezas, traições, medos e desejos, “Chá de Casa Nova” recorre aos “fundamentos” da dança-teatro sem que, com isso, consiga potencializar o trabalho em questões dramatúrgicas, de atuação e ou/estéticas. Em vez de esses elementos atuarem de modo a potencializar um ao outro, parecem justamente se anularem, impedindo que o espectador decifre em que código se dará a representação (tendo, como exemplo, essa constante estrutura estabelecida no espetáculo de uma cena realista seguida por uma de dança).
Em vez de nos revelar uma família com todas as suas idiossincrasias e complexidades, e indivíduos problematizados pela dor – como parece propor a sinopse -, a condução da montagem não consegue nos apresentar solidamente quem são os personagens da história? (Claro, identificamos pai, mãe, filho. Mas não é oferecido ao espectador quadros mais completos: quem de fato são? O que cada um representa nesse coletivo? Qual o conflito entre eles? Estabelecem algum tipo de relação?). Com isso, os atores (em seus momentos realistas!) não conseguem compor um painel que vá além da ideia do clichê (tanto física quanto dramaturgicamente), dos personagens conhecidos nos dramalhões – da mulher que trai, o traído que mata, os filhos que sofrem, a cunhada que tinha um desejo reprimido pelo cunhado, e assim por diante).
O tango, escolhido como base para a trilha sonora, despotencializa ainda mais a construção de uma atmosfera de tensão e sexualidade, o que parece ser a ideia inicial do espetáculo. O tango-contemporâneo acaba levando a montagem o tempo inteiro para a ideia do melodrama. O espetáculo confunde o espectador utilizando referências do melodrama (personagens-tipo, histórias trágicas e apaixonadas, interpretações exageradas), mas sem assumi-lo como linguagem de fato, o que leva, em alguns momentos, o espectador ao riso da forma que ele não é bem-vindo, digamos assim.
Assim como nos trabalhos de Bausch, elementos de real e de teatralidade existem em cena no espetáculo, mas parecem ser significantes sem significados. Por exemplo, a escolha de deixar todos os personagens de tênis poderia ser lida tanto como um elemento de teatralidade (à medida que poderia ser um símbolo da ideia de se assumir um figurino para causar certo distanciamento no espectador) quanto de real (como elemento que pertence à vida cotidiana dos atores). Mas esse e outros signos (isso se repete em outras escolhas formais do trabalho) não ganham nenhum contorno na montagem; parecem estar em cena sem muita razão de ser. Embora tenha se aprofundado na pesquisa e na re-elaboração de fundamentos e conceitos tão caros às artes cênicas contemporâneas, “Chá de Casa Nova” esbarra na crise de identidade justamente ao tentar buscar sua própria linguagem.
Por Soraya Belusi
Ter um texto de Newton Moreno como base para a encenação é ao mesmo tempo um desafio e um presente. Nas rubricas que antecedem o texto, o escritor e diretor pernambucano, um dos nomes mais inventivos e produtivos da atual cena da dramaturgia brasileira, propõe a peça como um exercício para um ator-contador. “Daqueles que reúnem um grupo ao redor da fogueira ou embaixo de uma árvore com uma viola/sanfona, pontua suas histórias com as músicas e acordes que saem de seu instrumento”.
Obra premiada com os prêmios Shell e APCA, “Agreste (Malva-Rosa)” já foi levada aos palcos sob a visão de Marcio Aurélio, tendo sua qualidade dramatúrgica enfatizada e ressaltada pela montagem. Recentemente, voltou à cena sob a direção de Stephane Brodt e Ana Teixeira. Em ambos, a linguagem não faz concessão ao regionalismo que a fonte nordestina da história poderia impregnar, mas faz dela, assim como a fábula de Newton, trampolim para tocar em questões arcaicas e universais, de extremos, gêneros, do amor e da sexualidade.
A encenação de Alice Stefânia multiplica essa referência de um único condutor da fábula para oito narradores-personagens distribuídos no elenco que forma o elenco da Casulo Dramaturgia de Atores. No palco, quatro músicos recebem o público ao som típico da rabeca do sertão do país. Os tons crus da cenografia e da iluminação revelam ao fundo redes que formam uma espécie de emaranhados de casulos, de onde nascem (surgem) uma série de bichos-homens do agreste que dá título ao texto.
Newton fala de uma história de amor cujo perigo parecia pairar antes mesmo de acontecer. Inspirado nas histórias que ouvia de mulheres-lavradoras do interior de seu Estado, cujo desconhecimento acerca de seus próprios corpos e sexualidade era imenso, Newton apropriou-se da figura da mulher que se finge/(tra)veste de homem (recurso tão conhecido na obra de Guimarães Rosa) para falar de um amor incondicional, que se basta, de um casal praticamente apartado do convívio social. Cujo único abalo é a ignorância alheia, coletiva, a descoberta da sexualidade do outro.
Um dos artifícios da montagem de Alice Stefânia é justamente tornar palatável essa narrativa a um público infantojuvenil, de certa maneira adocicá-la, mas sem retirar-lhe a contundência, a poesia e o humor corrosivo. Se os códigos são acessíveis ao público, não são, por isso, menos sofisticados, como as imagens arcaicas a que parecem se remeter as partituras criadas no fundo das cenas, a utilização das partituras de ação física e vocal (como na cena da ladainha coreografada, por exemplo).
A música é aliada constante da encenação. É ela que pontua cada momento da narrativa, suas transições e retomadas, cria o ambiente sertanejo da contação de histórias, dialoga diretamente com os atores na composição da cena. A ideia de personagem não existe, fazendo com que o elenco se reveze entre os diversos elementos da história e potencializando a força do conjunto do grupo.
Os elementos da cultura popular nordestina são muito presentes na encenação, o que pode, em alguns momentos, dar uma leitura dramatúrgica presa a uma visão regionalista. Mas esse risco acaba sendo equilibrado pelas poucas mas relevantes imagens arquetípicas, até chegar ao fim redentor dessa tragédia, em que a cena final remete à sacralidade de uma “Vênus Dormindo”.