Personagens cruzam a história de outros em “Delírio” & “Vertigem”, do Oficinão (foto Guto Muniz) |
Os elementos de cena reforçam a ideia de atemporalidade (foto de Guto Muniz) |
Personagens cruzam a história de outros em “Delírio” & “Vertigem”, do Oficinão (foto Guto Muniz) |
Os elementos de cena reforçam a ideia de atemporalidade (foto de Guto Muniz) |
por Luciana Romagnolli
“Fractal”. Foto de Cayo Vieira.
As relações estabelecidas no espetáculo “Fractal” remetem à célebre frase sobre a impossibilidade de se banhar duas vezes no mesmo rio, pois já são outros as águas e aquele que nelas se banha, com a qual o filósofo pré-socrático Heráclito cravou o conceito de devir como a eterna transformação a que estão sujeitas as coisas do mundo.
Um pequeno punhado de acontecimentos relacionados à vida romântica, familiar e trabalhista repete-se na peça escrita por Patrícia Kamis, mudando de sentido a cada novo contexto em que uma fala ressurge.
A dinâmica dos acontecimentos, portanto, importa mais do que eles em si. São, afinal, variações de temas do senso comum – histórias conhecidas sobre gravidez, falta de dinheiro, solidão na velhice e demais frustrações, mas que parecem novas a cada um que as vive pela primeira vez.
O passo além do óbvio está na estrutura criada pela autora para evidenciar o fluxo transformador do tempo, que impede a restituição de uma experiência por mais que se assemelhe à interior. Patrícia Kamis constrói seu texto emulando a forma de um fractal, um tipo de estrutura geométrica usada para descrever fenômenos da natureza. O fractal se define, em linhas gerais, pela repetição de um mesmo padrão em qualquer escala dentro de uma complexidade infinita – como é o floco de neve. A arquitetura linguística que se inspira nessa geometria gera uma partitura coreográfica repetida ciclicamente pelos quatro atores em cena.
Na encenação de Jean Carlos de Godoi, a complexidade varia (como no fractal), assim como o contexto (como propõe Heráclito) desde uma sequência inicial centrada somente no movimento coreográfico ao som de um ruído prolongado até a inserção de falas que vão se cruzar em diálogos e sugerir situações.
O teatro se torna lugar de uma experiência sobre a estrutura da vivência humana, vista com o distanciamento e a crueza de quem radiografa as arestas de uma edificação. Trata-se de uma estratégia que evidencia relações interpessoais fundamentais, ao mesmo tempo em que opera uma simplificação no modo como as apresenta.
O palco se reveste de branco do cenário à luz, o que resulta em uma impressão de assepsia. É nesse espaço vazio e desterritorializado que a partitura coreográfica se cumpre e as falas esboçam vidas, em jogos de cena que se desfazem com a mesma rapidez com que se formaram. Nessa proposta, as emoções germinadas nos eventos permanecem em segundo plano. As atuações transitam entre a neutralidade e o despertar efêmero de sentimentos individualizados, sem que as subjetividades se delineiem com nitidez. Na economia de imagens assumida na encenação, sobressai o jogo derradeiro de acende-apaga de lâmpadas comuns, que transcrevem plasticamente a dinâmica dos fluxos entre os atores.
*Crítica originalmente publicada no site do Núcleo de Dramaturgia do Sesi-PR, em dezembro de 2012.
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por Luciana Romagnolli
“Parido”. Foto de Cayo Vieira. |
“Um Rosto que Espreme”. Foto de Cayo Vieira. |
A escrita teatral de Anna Johann é uma descoberta desta Mostra de Dramaturgia do Sesi-PR, na qual se viu montagens de suas peças “Um Grito que” e “Um Rosto que Espreme”. A morbidez e a crueldade com que ela revira a ordem estabelecida da instituição familiar, em textos que tomam a forma de monólogos cruzados ou diálogos desconstruídos em encadeamentos inesperados, define as bases de um estilo particular.
Eis uma obra autoral, com potencial para mais se desenvolver, e destoante na produção de teatro curitibana. Dentro da qual já começa a se formar uma galeria de tipos reincidentes: a criança ferida, a mãe leviana, os pais violentos. Antes de constituírem personagens delimitados, são seres que vão se constituindo pela linguagem, através de falas carregadas de contradições e instabilidades.
O universo fantasmagórico de “Um Grito que”, ambientado num cemitério e tratado em tom sinistro pelo diretor Thadeu Peronne, dá vez ao microcosmo de uma família moradora de um condomínio em “Um Rosto que Espreme”, na qual a natureza caótica e perversa desponta sob a superfície de polidez.
Ainda presente, o caráter fantasmagórico se insinua nessa obra de modo mais sutil. O diretor Diego Fortes o concretiza erigindo a cena como um quadro figurativo, expressionista, e criando uma analogia entre a tela de um animal de caça, isolada ao fundo do palco, e os seres que habitam o espaço cênico.
Tal qual o animal pintado, os integrantes da família podem ser presa e caçador. E permanecem em sua impossibilidade de movimento real: o espectador os encontra já em suas posições ao adentrar o teatro e não os verá se deslocar até que saia após os aplausos. Esse efeito final, que confunde o público habituado ao pacto convencional de fim de espetáculo, avoluma a dimensão da obra apresentada, prolongando seus efeitos.
A analogia com o quadro se estende às máscaras de longas orelhas usadas pelas crianças. Elas se vinculam à proposição de que a natureza (irracional) é mais forte, professada em um noticiário trágico intermitente. Os filhos, nesse sentido, estão mais perto da natureza animal do que os pais, já culturalmente moldados. O que não impede de a irracionalidade dominar os adultos também: seja pela violência ou pela sexualidade. É notável que o fato de uma das crianças “aprender” uma nova língua, inventada, acena também para esse processo de aculturação que formata uma ideia de sujeito.
Diante de uma obra que começou vinculada ao leve humor nonsense de “Café Andaluz” e, desde então, tateava modos de agravar o tom e experimentava formas para ganhar relevância, como experimentado em “Jornal da Guerra contra os Taedos” e “Os Invisíveis”, o diretor Diego Fortes alcança um maior refinamento formal associado à contundência de discurso com “Um Rosto que Espreme”.
Ainda parece possível fortalecer tanto as conexões entre os discursos, quanto as presenças extrafamiliares, para além do clichê da mulher sensual e da apresentadora de noticiário. Mas já se vê em cena uma qualidade sagaz de ironia, necessária ao jogo de forças em questão – como na trilha sonora nostálgica e feliz, que evidencia a perfeição aparente da família-modelo.
por Luciana Romagnolli
“Melhor Ir Cedo Pular da Janela”. Foto de Cayo Vieira. |
“Por Elise”, “Amores Surdos”, “Congresso Internacional do Medo” e “Marcha para Zenturo” saem pela Editora Cobogó. Confira as datas do lançamento:
Rio de Janeiro:
Teatro Ipanema
Dia 14/12 (6ª), às 21h, após sessão gratuita de Por Elise
Belo Horizonte:
Teatro Espanca!
Dia 18/12 (3ª), com festa.
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por Luciana Romagnolli
“Blow me Up… ou… Sobre a Natureza dos Homens-Bomba”. Foto de Cayo Vieira. |
“Blow me Up…ou…Sobre a Natureza dos Homens-Bomba” cruza discursos desesperados de pessoas inábeis em lidar com o caótico, o frustrante e o imperfeito da vida, quando o que desejam é controle e garantia.
O homem, a mulher e a criança dividem o palco sem chegar a configurar uma família. Cada um carrega suas obsessões, manifestas em falas sustentadas por metáforas e concretizadas em objetos com os quais se ocupam – também detentores de uma função simbólica na encenação dirigida por Nika Braun.
O desvencilhamento familiar é, antes de tudo, uma escolha dramatúrgica. Tão assoberbados estão os três com suas angústias que se fecham em suas próprias cascas. O ovo – esse invólucro de proteção aparentemente perfeito – emerge como uma das muitas metáforas elaboradas pelo dramaturgo Max Reinert sugerindo estados emocionais. Elas se associam em possíveis conexões entre si, como a do homem-bomba com a bomba relógio e com um homem que pode explodir a qualquer momento.
Porém, os três atores não funcionarem como uma família no palco é também efeito das escolhas de direção, que não concretiza um vínculo entre eles no desenho de movimentos e na articulação das falas. Têm-se breves monólogos interrompidos e continuados, moldados pela estrutura de fragmentos e redundâncias do texto, e frágeis são as tentativas de fazê-los reverberar entre si no espaço da cena.
Há de se considerar o desafio que um texto como esse, sem ação nem conflito no sentido clássico, impõe a quem pretende encená-lo, quando toda ação que se tem é a das falas sobre o mundo. Mesmo a imobilidade poderia funcionar como solução cênica. Contudo, depende do rigor formal na construção dos corpos (estáticos ou moventes) e na modulação das vozes. A carência de tal rigor na direção de atores e no trato com o texto dificulta que as potencialidades criativas contidas em “Blow me Up” se realizem.
Rubia Romani é a atriz que melhor trabalha esse potencial – e, não à toa, a mais experiente em cena. A sobrecarga emocional incessante exigida dos atores encontra nela a habilidade de corporificar as emoções, dar-lhes carne. Uma presença e um domínio de atuação que o resto do elenco ainda não conquistou. O que limita a reverberação das falas, sobretudo nas transições de tempo e sentimentos inseridas nas partes finais do espetáculo, resultando pouco nítidas.
Outro aspecto a ser repensado é a relação com os espectadores. É certo que, ao adaptar o espetáculo para o palco do Teatro José Maria Santos, que estabelece uma relação frontal com o público, algumas opções precisaram ser feitas. Contudo, barrar o acesso a toda a área central da plateia para abrir espaço à projeção de imagens coloca o projetor em situação de prioridade sobre o espectador – relegado à visão enviesada das bordas das fileiras.
*Crítica originalmente publicada no site do Núcleo de Dramaturgia do Sesi-PR.
por Luciana Romagnolli
O mundo fantasmagórico evocado pela dramaturga Ana Johann e pelo encenador Thadeu Peronne no espetáculo “Eu Grito Que…” recria no palco a escuridão noturna de um cemitério: local tomado como limbo entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Não só onde mães e viúvas pranteiam sobre tumbas nem só encontro de almas penadas. O singular da obra é fazer desse um espaço para dar voz ao recém-morto e ao susto de sua condição.
* Crítica originalmente publicada no site do Núcleo de Dramaturgia do Sesi-PR em dezembro/2012.
por Luciana Romagnolli
“NomePRÓPRIO”. Foto de Cayo Vieira. |
*Crítica originalmente publicada no site do Núcleo de Dramaturgia do Sesi-PR em dezembro/2012.
por Luciana Romagnolli
“Ela”. Foto de Cayo Vieira. |