por Luciana Romagnolli ::
“1325” e “Augenblick Dream”: O espírito infantil e o desencontro de línguas
Depois de um início esparso, o FIT-BH acelerou no fim de semana, com a chegada dos primeiros espetáculos internacionais. O grupo português Peripécia Teatro apresentou uma linguagem lúdica e contaminada pelo humor em “1325”, aproximando o fazer teatral da brincadeira de criança – que naturalmente inventa a teatralidade ao não se prender ao real e ao ordinário dos objetos. Assim, um aspirador de pó vira uma metralhadora e roupas confundem-se com as próprias pessoas que as possuíram. Este lado mais criativo da infância paira como estado de espírito sobre o espetáculo.
Quando a mesma postura atinge o discurso, por vezes infantiliza a narrativa das grandes tragédias históricas, operando simplificações no que, mais do que complexo, beira o inominável – o Holocausto, os extermínios na África e na Argentina. Ao resumir as situações, o texto se restringe à denúncia do horror e é veiculado como mensagem, ensinamento. A experiência estética é de outra ordem da didática e reduzir os conflitos à profundidade de parábolas infantis subestima o espectador. Nesse sentido, o Peripécia Teatro sai-se melhor no jogo cênico do que no discurso político.
Já os franceses do Eoli Songe mostraram uma mescla de dança, vídeo e temas científicos em “Augenblick Dream”, espetáculo apresentado dentro de um iglu instalado no Parque Municipal. Com boa parte do público composto de passantes atraídos na hora, a decisão do grupo por não legendar os áudios em francês limitou a compreensão da história, deslocando a atenção para a plasticidade e a emoção da movimentação do ator, como uma poesia corporal abstrata em que se reconhece o trabalho com conceitos como a simetria e o duplo.
Ao fim da apresentação, um dos franceses explica ao público a camada científica que se perdeu no desencontro entre as línguas, e que se refere à busca humana por produzir artificialmente a antimatéria. Aos espectadores, resta tentar reconfigurar o que viu a partir do resumo posterior.
Como um cortejo circense a céu aberto, a trupe francesa Générik Vapeur percorreu no fim da tarde de sábado (10) a av Andradas, do Parque Municipal até a Praça da Estação, atraindo um público estimado entre 3 mil e 4 mil pessoas. A expectativa em torno da apresentação era alimentada pelas lembranças da passagem do grupo pela cidade na abertura do primeiro Festival Internacional de Teatro Palco e Rua – FIT-BH, 20 anos atrás.
Duas décadas são muito tempo, ainda mais para uma cidade que se habituou a ver grandes espetáculos. Talvez por isso a performance dos franceses já não surta o mesmo impacto. Além disso, enquanto os relatos de “Bivouac”, em 1994, falam na invasão de uma horda primitiva, “Jamais 203”, o novo espetáculo, é comportado. Nem na corrida de bicicleta há liberdade: os atores-ciclistas dão voltas lentas, acompanhando o ritmo do público.
Sem entender exatamente o que se passa, como num evento esportivo, em que é preciso escolher o que olhar, os espectadores veem passar bicicletas, globos da morte e caminhões com músicos. A força do espetáculo está em mobilizar uma multidão pela música e pela visualidade, rompendo com a narrativa ordinária da rua e trazendo à tona elementos urbanos de discussão política na atualidade, como as manifestações, sem desdobrá-los.
Se o percurso da corrida pela Andradas fica limitado pela dramaturgia repetitiva, na qual as pequenas ficções se diluem, ao chegar à Praça da Estação vê-se uma apoteose. No final, espetacular, tal qual no clímax do filme “E.T.”, duas bicicletas (e um globo) correm pelo céu erguidas por guindaste, enquanto pipocam fogos de artifício. É tudo menos uma imagem banal.
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“Café?” Intervenção esvaziada
A programação de rua do 12º FIT-BH começou na manhã de quarta (7), às 9h, esvaziada e silenciosa. Em vez de um espetáculo mobilizador de multidões, viu-se a intervenção solitária da atriz Tatiana Lenna na Estação BH Bus de Venda Nova. Sentada em uma cadeira, ela tentava atrair a atenção dos passantes manchando com gotas de café as vestes brancas. Tal como Estamira (levada ao teatro pela carioca Dani Barros), sua personagem é uma mulher intelectual e psicologicamente abalada, capaz de proferir ideias incomodamente lúcidas em sua deficiência lógica.
A composição vocal e corporal da atriz dá densidade ao trabalho. Lenna é hábil em estabelecer uma relação próxima com o espectador (um vínculo frágil) pelo olhar e tom de voz. Contudo, na estreia, a estação de ônibus serviu mais como cenário da performance do que esta de fato interviu sobre aquele espaço. Jornalistas, fotógrafos e equipe de produção eram mais numerosos do que espectadores espontâneos – uns 15 pararam por alguns minutos para ver. A outros, a personagem foi só mais uma mulher despercebida na correria cotidiana.