por Luciana Eastwood Romagnolli
Setembro foi o mês de Daniel Veronese no Brasil. Ao mesmo tempo, uma companhia mineira e outra curitibana colocaram em cena dois textos antigos do dramaturgo e diretor argentino.
“O Líquido Tátil”, em montagem do Espanca!, faz suas últimas apresentações da temporada belo-horizontina hoje e amanhã, às 20h (com possibilidade de sessões extras às 21h30 se os ingressos esgotarem), em sua sede. “Circo Negro”, com a Cia Senhas, se despede no próximo fim de semana do palco da Cia dos Palhaços, onde está em cartaz em Curitiba.
As coincidências entre os espetáculos só não são maiores do que as diferenças, decorrentes de uma cisão na própria obra do argentino. De um lado, o Espanca!, dirigido por Daniel Veronese neste projeto, tem em mãos um drama familiar inspirado no universo tchekhoviano, que viria a ser o predecessor das releituras que o diretor recentemente fez de peças do autor russo (a mais célebre entre elas, “Espía a una Mujer que Se Mata”, adaptada de “Tio Vânia”). Do outro, a Cia Senhas opta por um texto-manifesto que despreza o realismo em favor de expressões mais críticas e livres do humano e do artístico, mediadas pelo humor negro.
Tátil. Se olhado de perto, contudo, mesmo o aparente realismo do teatro praticado por Veronese desde que se distanciou do grupo Periférico de Objetos guarda sinais de estranheza. Veio dessa característica a identificação do espanca! com o elemento surreal presente nos trabalhos do grupo desde “Por Elise” (2005).
“Desde El Periférico de Objetos, acompanho a trajetória do Veronese. Já vi vários espetáculos dele de naturezas muito distintas. No caso do Periférico, existia uma cena mais expressionista baseada na construção de imagens fortes. Na produção atual, adaptações de clássicos muito focadas na direção de atores. Ele é um artista em transformação. O que nos levou a convidá-lo foi a identificação com a estranheza dessa escrita e da produção dele. Uma estranheza que, de alguma forma, é um ponto de contato com as peças do Espanca!, tão surreias”, diz Grace Passô, atriz, diretora e dramaturga do Espanca!.
“Quando fomos construir a peça no estúdio do Veronese, existia da minha parte uma expectativa em relação ao que já li a respeito da direção de atores dele e de fato foi uma das experiências mais fortes nesse processo. A sensação que tenho é que ele sempre corta qualquer viagem excessivamente psicológica do personagem e propõe saltos radicais de um estado para o outro e de uma cena para a outra. Nesse sentido, é uma condução muito pouco realista”, diz Grace.