:: Por Soraya Belusi ::
O termo assemblage é incorporado ao mundo das artes ainda nos anos 1950 e refere-se a um procedimento que vai “além da colagem”, em um princípio de acumulação, no qual todo material pode ser incorporado à construção da obra de arte. Materiais díspares que, somados, criam um novo conjunto, sem com isso perderem seu sentido original[1]. Tal procedimento – utilizado nas artes plásticas por nomes como Braque e Picasso – intitula e estrutura a tessitura dramatúrgica do trabalho apresentado pelo Coletivo Trocado, de Florianópolis, no Feto – Festival Estudantil de Teatro.
Mais que dar nome ao trabalho é este procedimento de justaposição que sustenta a composição do espetáculo, costurando ready-mades coreográficos e textuais. Em sua construção, Assemblage se apropria de trechos de criações icônicas na história da dança e da arte contemporâneas – entre elas, Café Muller de Pina Bausch, The Cost of Living e Strange Fish do DV8, ou ainda A artista está presente, performance de Marina Abramovic.Criado no ambiente de formação universitária, na Udesc, o espetáculo apoia-se em um procedimento criativo que, sem dúvida, demandou esmero na pesquisa e no entendimento dos princípios de movimento de cada composição original, além da capacidade física dos intérpretes em “reproduzi-los” de maneira tecnicamente incontestável – o que aponta para uma formação ampliada do ator, em consonância com a cena que se pratica na contemporaneidade.
Ainda nesse sentido, a obra final gerada pelos alunos-criadores sob direção de Jussara Xavier permite um diálogo direto com sistemas estéticos anteriores na história da arte, à medida que os materializa em cena. Mas, além de propor, de certa maneira, uma “revivificação” dessas obras, Assemblage procura não apenas reproduzi-las, mas também comentá-las, ressignificá-las dentro de uma nova lógica dramatúrgica – não mais aquela na qual se inseriam os trechos originais –, fazendo-as servir de matéria para novas cenas, para sugestão de outras situações, para um novo rearranjo.
Nesta outra montagem, gerada pela soma de partes tomadas de outras obras e retrabalhadas pelo coletivo, os criadores compartilham não só os princípios coreográficos que regeram sua pesquisa como também o pensamento teórico que os provocou no processo de criação, tornando movimento e texto ancorados em “fundamentos” – ou “mandamentos” – com os quais esta nova obra se constrói e se apresenta.
Mas, ao mesmo tempo em que é no próprio procedimento que a potência de Assemblage se evidencia, também é nele que residem questionamentos – alguns destes incorporados à própria feitura-conceito da obra, como os debates contemporâneos acerca de autoria, plágio e remontagem. Quando criadas, cada uma das obras cujos trechos compõem Assemblage foi gerada em um contexto específico, carregando não apenas princípios coreográficos singulares – estes habilmente retomados no espetáculo –, mas também princípios conceituais, artísticos e dramatúrgicos que são abandonados em sua nova contextualização. Nesse sentido, Assemblage parece lidar com a estrutura formal de cada citação-apropriação, mas se furta a relação com o conteúdo (teórico e processual) que as gerou.
O procedimento é o princípio e o fim de Assemblage. É nele que se concentram as virtudes e os dilemas do trabalho. Porém, é também através dele que o espetáculo ganha camadas distintas capazes de se relacionar com espectadores distintos. Desde aqueles que também possuem conhecimento específico da produção artística contemporânea das artes cênicas – os quais permitem uma aventura mais complexa de relação com a obra á medida que permite identificar as partes isoladas, seus contextos originais e os novos rearranjos –, como aqueles cujo repertório não acumula tanta especificidade também têm diante de si uma criação autossuficiente.
[1] Informações extraídas no site da Enciclopédia Itaú Cultural.