– por Marcos Antônio Alexandre – Faculdade de Letras-UFMG/CNPq –
Crítica a partir do espetáculo assistido no dia 11 de maio de 2023, no Teatro de Bolso do Sesiminas (Belo Horioznte/MG).
Fotos de Alberto Maurício.
Uma mesa antiga, uma cadeira, uma máquina de datilografia, um telefone antigo, alguns livros no centro e, em um dos lados do palco, um cadeira de balanço. Uma ambiência dos idos do século XX é o cenário em que o ator Giuseppe Oristânio protagoniza a vida de João Guimarães Rosa, um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. Poeta, diplomata, novelista, romancista, contista, médico brasileiro e grande orgulho de sua cidade natal Cordisburgo e dos mineiros.
A peça de Giuseppe Oristânio retoma os último anos de vida de Rosa (Cordisburgo, 27 de junho de 1908 – Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967), a partir de uma pesquisa dramatúrgica realizada por Livia Baião e dirigida por Ernesto Piccolo. Dramaturgicamente, a poética textual traz para a cena a carreira do escritor, relacionando-a com sua atuação como diplomata e enfatizando os conflitos internos do autor, sua saúde frágil nos últimos anos de vida e seus dilemas existenciais até o seu ingresso como membro imortal na Academia Brasileira de Letras, cargo que tanto almejou, mas que ocupou, oficialmente, por pouco tempo. Em 1963, Guimarães Rosa foi eleito por unanimidade para a ABL, no entanto, somente tomou posse em 16 de novembro de 1967, sofrendo, apenas três dias depois de empossado, um infarto fulminante que o tira de cena.
Gisuseppe Oristânio, com seu Pormenor de Ausência, converte o monólogo em um encontro convival de uma hora com o público, convidando-o a se fazer presente – e presença – com ele na cena, com a narrativa-fabulação por ele mediada. A suposta simplicidade do cenário é imediatamente preenchida pela potência do ator que, com sua performance, ocupa todo o espaço com a dinamicidade de uma interpretação magnânima, com gestos precisos que evocam as partituras físicas da personagem de Rosa, bem como sua dimensão subjetiva e psicológica. Vê-se no palco um verdadeiro encantamento da palavra e pela palavra. Oristânio nos conquista como espectadores o tempo todo, desde o primeiro momento em que adentra o espaço intimista do teatro de bolso do Sesiminas, passando entre o público que se encontra na primeira fileira, tropeçando em um dos espectadores e lhe dirigindo um olhar cúmplice de desculpas como se lhe dissesse “estou aqui contigo em cena”; logo, ocupando o palco e o preenchendo com partituras vitais, contidas em uma gestualidade intensa e comprometida com uma comunicação facial pautada no olhar. Nota-se que, cenicamente, há o intuito de não deixar que nos desprendamos de cada gesto do intérprete, de que percamos a cumplicidade proposta através de cada mirada. Nota-se que, como atuante, Oristânio, por meio de seu Rosa, busca um comprometimento de todos/todas com a energia transposta para a cena. O que se vê, muito mais que um “exercício” de empatia, é um convite à afetação.
A crítica literária não deixa de fazer referência à linguagem de Guimarães Rosa, como também se enfatiza muito a sua empreita como sujeito/autor pela investigação e produção de sua criação literária. Fundada/habitada no (re)conhecimento das “raízes” mineiras – o sertão, o regionalismo –, suas sensações e estruturas sociais, a literatura de Rosa tem como base a recriação linguística, a exploração das palavras, bem como dos lugares de memória, dos universos míticos e de fabulação sugeridos em suas andanças e viagens realizadas. Assim como o escritor realiza uma incursão no campo dos imaginários regionais, Oristânio também navega pelo universo rosiano trazendo algumas obras que, dramaturgicamente, conversam com as memórias do autor que o ator decide iluminar cenicamente.
Pormenor de Ausência é um espetáculo que, sim, retrata os dilemas existenciais vivenciados pelo autor e diplomata Guimaraes Rosa nos seus últimos anos de vida; mas, para além dos aspectos factuais, a proposta espetacular surpreende pelo domínio de Giuseppe Oristânio na composição da persona de Rosa. Como intérprete, o ator conquista a empatia da plateia, logrando extrair das pessoas presentes no teatro diferentes emoções: o riso entrecortado e o riso farto, a reflexão, o olhar desconfiado e o olhar de afetação pela escuta da palavra.
Pormenor de Ausência é um encontro muito bem estimado com a palavra, com o texto e com toda sua potencialidade poética. Após assistir ao espetáculo, como público e espectador mineiro, eu arrisco afirmar que fica o gosto pelo encantamento, pelo ato de experienciar a mineiridade em cena.
Ficha Técnica:
Ator: Giuseppe Oristânio/ Texto: Livia Baião / Diretor: Ernesto Piccolo / Trilha sonora: Rodrigo Penna/ Ambientação cênica: José Dias/ Iluminação: Wilmar Olos e Celma Úngaro/ Operação de luz: Maria Mariano / Operação de som: Marcelo Teixeira/ Figurino: Suely Gerhardt/ Produção executiva: Sartre/ Assistência de Produção: Marcelo Teixeira/ Produção Geral: Rubim Produções