— por Luciana Romagnolli —
Crítica de “#Mergulho”, do Eranos Círculo de Arte.
Há pelo menos duas maneiras de se olhar para o espetáculo #Mergulho, dirigido por Max Reinert, do Eranos Círculo de Arte, de Itajaí. Do ponto de vista das crianças, público ao qual se direciona o trabalho. E do ponto de vista dos adultos, o que transforma as crianças em performers de uma cena que as engloba. Vamos ao primeiro.
O subtítulo propõe uma experiência teatral para os pequenos. Já aponta para fora do palco tradicional onde atuadores costumam encenar fábulas infantis. A experiência aqui é de um teatro tecnológico, onde os personagens interagem mais com projeções digitais de luz do que entre si. Em tempos ultraconectados, quando não raro crianças de dois anos já têm acesso livre a tablets e quetais, a proposta para espectadores de até seis anos de idade é colocar o humano diante da máquina e resgatar alguma magia dessa relação cada vez mais operativa e automática.
As imagens projetadas estimulam aos poucos a imaginação das crianças, desde a menção ao teatro de sombras, que estaria na origem do tipo de linguagem desenvolvida pelo grupo, até a imersão do humano no espaço virtual. O convívio reduzido entre o ator Leandro Maman e a atriz Sandra Coelho dá lugar à relação direta de cada um deles com a pequena plateia, parceira de cena convocada como testemunha e ajudante na aventura do encontro entre um homem da terra e uma mulher do mar. A simplicidade da história permite que seja acompanhada por todos, desde os mais novos, como uma brincadeira que se brinca junto.
Na apresentação realizada no IV Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha, as crianças embarcaram na ilusão e participaram entusiasmadamente de cada ação que lhes era solicitada – ou mesmo das que não. A espontaneidade das respostas de uma faixa etária tão nova acomoda-se bem à encenação na medida em que os atores mantêm a proximidade física e a conversa aberta. É curioso como o palco-tela prontamente remete à tecnologia touch e as crianças não se demoram em tentar acioná-lo com as mãos, impulso que os atores conduzem para falsear uma interatividade na verdade programada, mas que serve à estimulação da fantasia.
Eis um bom lugar para a tecnologia na vida desses meninos e meninas. Como um mundo lúdico que liberte a criatividade e a imaginação, permita desbravar outros territórios, sem prejudicar o convívio humano, a capacidade de escuta e de leitura, a atenção ao concreto e ao presente, que já desafiam as novas gerações como consequências de mudanças perceptivas que, ao menor descuido, são capazes tanto de abrir quanto de fechar mundos.
Outra perspectiva é a que se tem da plateia adulta, situada em cadeiras mais distantes do palco cercado pelas crianças. Estas tornam-se performers involuntárias às quais se assiste com mais interesse do que à fábula em si, atento às reações e espontaneidade que tecem uma camada poética e cômica extra. Numa sociedade em que a infância está restrita a territórios específicos e nem o espaço público nem o mercado de trabalho têm preparo para um convívio mais livre entre todas as idades, assistir às crianças brincando de teatro reaproxima o espectador de sua experiência de infância e de uma ludicidade que não deveriam ser esquecidas, mas também pode investi-lo da noção de comunidade apta a cuidar dos caminhos daqueles que há pouco chegaram no mundo e não são responsabilidade só de pai e mãe.
*Espetáculo visto em 09 de agosto de 2015, em Itajaí/SC.