— por Luciana Romagnolli —
O riso tanto tem potencial subversivo quanto conservador. A depender de como se constrói e para onde se direciona a comicidade, ela pode descobrir os absurdos e contradições humanos ou reiterar estruturas de poder, colocar mais argamassa para bem sedimentar um senso-comum em seu lugar acrítico de perpetuação do status quo. Eis o riso que entretém, proporciona alívio cômico às ilimitadas pressões da vida contemporânea, suficiente para que se retorne à rotina mais disposto a encará-la sem subversões nem revoluções. A distância entre o entretenimento simples e a arte residiria nessa adequação com a qual os projetos moderno e contemporâneo não coadunam, imersos como estão num regime estético que compreende a arte como deslocamento (crítico) da percepção.
Eis o desafio que se apresenta diante do Grupo Risco de Teatro, de Itajaí, primeiro espetáculo local a subir ao palco no IV Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha. Como dar o salto do entretenimento cômico para um projeto artístico com potência para cumprir o objetivo de “um teatro de benefícios culturais e sociais” ao qual o próprio grupo se propõe, no qual o riso recupere seu poder de interferência crítica na percepção de uma dada realidade?
Em qualquer dicionário, risco, quando não é traço, opõe-se ao previsível, transita pela instabilidade e incerteza. E, mesmo quando traço, pode ser incisão. O que vemos em cena afasta-se desse sentido incisivo da experimentação de uma disrupção poética. “Cem Dias” é uma comédia histórica perpassada por alívios cômicos garantidos por piadas de cunho sexual, que seguem a cartilha dos lugares comuns do gênero. A conexão entre a malandragem dos primeiros colonizadores e a corrupção generalizada em tempos sombrios de congresso sob os mandos de Eduardo Cunha fica encoberta pelas reentrâncias da trama, cuja atenção se concentra nas situações cômicas derivadas de estereótipo sexuais como o da mulher madura libidinosa e seus trejeitos afetados.
É claro que o vulgar e o grotesco também guardam grande potencial contestador se empregados com verve para colocar em crise os padrões e valores vigentes. Nesse sentido, a dramaturgia pode amadurecer e, em conjunto com a direção, encontrar estratégias para, sem perder a leveza juvenil do espetáculo, estabelecer uma troca perspicaz com o espectador.
Dito isso como uma provocação para o grupo a respeito de como pretende agir sobre o mundo com sua arte, cabe apontar a qualidade do preparo corporal dos atores e a fluência dos diálogos, que geram um entrosamento nas contracenas mais do que propício para os efeitos de comicidade. Não lhes faltam timing nem carisma para o jogo proposto. E, se as oscilações entre o dramático e o épico poderiam se beneficiar de uma maior liquidez, o cenário criado como uma caixa-fornecedora de objetos para a cena surge como estratégia mais contemporânea (sem que haja nisso uma necessidade de originalidade) para instaurar um jogo dinâmico de teatralidade, lúdico e algo inesperado