– por Soraya Martins – Crítica a partir da intervenção “Corpos Negros na Savassi” (Anair Patrícia, BH).
Fotos de Santonne Lobato.
13 de maio de 2016. 128 anos da “Abolição” da Escravidão. Sexta-feira 13. 1° dia do Governo Interino. Um 13 de maio marcado pela extinção de uma série de símbolos sociais conquistados na Nova República, vide os Ministérios da Igualdade Racial e das Mulheres, fato que atinge diretamente as minorias, melhor dizendo, a maioria dos negros, periféricos e mulheres. Neste contexto de 13 de maio, foi realizada a 2° Intervenção Corpos Negros na Savassi.
Tal intervenção urbana é um projeto elaborado pela estudante de teatro, arte educadora e pesquisadora Anair Patrícia, dentro da disciplina Projetos Especiais em Educação, ministrada pelo professor Ricardo Figueiredo, no curso de licenciatura em Teatro da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, e conta com o suporte teórico do Mapa da Violência de 2014.
15 corpos negros (de artistas, estudantes de teatro, ativistas, pesquisadores, músicos, advogados) invadiram o coração da classe média-alta de Belo Horizonte: a praça da Savassi, espaço onde impera, muitas vezes, a estética não negra, e os negros, também muitas vezes, são vistos como suspeitos e/ou exóticos. Logo, o desafio dos performers era interferir na dinâmica do espaço e das pessoas que ali passavam. Trabalhando no limiar entre a arte e o cotidiano, corpos negros – com cabelos crespos, armados e altos; ancas e narizes largos; bocas carnudas – andavam “livremente” pelos quatro pontos da praça e, num determinado momento, tombavam. Tão lá os corpos negros estendidos no chão! Coincidência serem negros?
A intervenção “Corpos Negros na Savassi” apresenta gritos que, ao longo da história e da formação identitária brasileiras, foram sistematicamente ignorados pelo Estado e pela sociedade em geral. Lança luz sobre o mito da democracia racial, ampliando a discussão sobre o racismo para além da cor, ou seja, convida também os não negros a refletirem sobre o assunto, já que a “guetização” do problema compromete a própria experiência de democracia dos negros, e denuncia o genocídio da juventude negra e periférica.
Cada corpo caído foi demarcado com giz – fazendo alusão ao procedimento usado pela polícia/perícia – e no centro da imagem demarcada foram colados lambes com dados estatísticos sobre a realidade da população negra e trechos de músicas: “De 10 jovens mortos, 7 são negros”, “A violência tem cor, idade, gênero e classe social”, “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. Após várias demarcações de corpos e a fixação de lambes-denúncias, foi feito uma espécie de cortejo em que todos os participantes caminhavam de novo pelos quatro pontos da praça, dessa vez, porém, carregando o corpo negro de uma mulher. Cortejo? Velório?
O que se sabe é que o 13 de maio, “consagrado à comemoração da fraternidade entre os brasileiros”, não estava sendo comemorado ali devido ao tratamento dado aos que se tornaram ex-escravos em 1888. De acordo com Luiza Barros, ex-ministra da Secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), “faltou criar (após a ‘abolição’) as condições para que a população negra pudesse ter um tipo de inserção mais digna na sociedade”. Segundo o movimento negro, 13 de maio é uma data importante que, contudo, deve ser reelaborada, visto os gritos que, em 2016, ainda, precisam ser escutados.
Os corpos que gritaram e desfilaram negrura na Savassi no dia da Lei Áurea (do latim Aurum, que significa “de muito valor e luz”) ofereceram ao público-passante outras possibilidades de pensar este significante – corpo negro – que vão além da visão estereotipada massivamente difundida no e pelo imaginário coletivo (branco): o corpo negro é lugar de resistência social e cultural, é memória viva e pulsante, é beleza.