por Luciana Romagnolli ::
O ator Marcelo Olinto em cena de “Como estou hoje?”, escrito e dirigido por João Saldanha. |
Cesar Augusto, diretor de LaborAtorial, o ator Marcelo Olinto e o dramaturgo e diretor João Saldanha, de Como estou hoje?, falam dos espetáculos trazidos ao Festival de Curitiba pela Cia. dos Atores e da nova fase do coletivo carioca depois da saída do diretor Enrique Diaz.
De que maneira as questões da moda se relacionam à condição do ator em Como estou hoje?
João Saldanha: A moda como manifestação e conduta está próxima de toda e qualquer expressão artística e comportamental. Acredito que pela disposição de viver múltiplas identidades em períodos distintos da existência humana, o ator se veste e se despe com a mesma fluência que nós seres comuns trocamos de roupa, nas mais diversas ocasiões, condizendo ou não com o ambiente, dependendo, é claro, do que caracteriza sua personalidade para o desempenho de sua personagem.
Marcelo Olinto: No caso de Como estou hoje, se dá pelo meu gosto particular por moda, afinal, trabalho também como figurinista. E a simbiose entre o ator, o seu corpo e a roupa que o envolve já desperta múltiplas possibilidades.
A dramaturgia de Como estou hoje? se baseia em alguma pesquisa específica?
João Saldanha: A dramaturgia foi erguida pelo encontro com o ator Marcelo Olinto e suas afinidades com o mundo da moda a partir da vivência e de seus interesses pessoais. Suas opiniões sobre o texto determinaram todo o ritmo das ações e me influenciaram no olhar para a vida naquele momento, em especial. Os meses de junho e julho de 2013 no Rio de Janeiro foram marcados pelas ações e condutas da população que reivindica por uma melhor qualidade de vida. Então, posso dizer que o trabalho está cercado de indignação e posturas que admiramos e repudiamos no ser humano. É isso, a pesquisa decorreu dos fatos que estavam acontecendo naquele momento, e que para nós, artistas, são de um valor desmedido.
Marcelo Olinto: O que aconteceu foi a junção de forças em torno de um trabalho colaborativo. Por acompanhar a trajetória profissional do João, me vi várias vezes tomado e inspirado por seus projetos e por conta disso desejava partilhar com ele uma criação. Então, a partir dos nossos desejos, foi desenvolvido um texto escrito especialmente para o trabalho pelo próprio João, que nunca havia escrito para teatro antes.
Como pensa o lugar do espectador e a relação de convívio que se estabelece com ele?
João Saldanha: O espectador é sempre atravessado por imagens e palavras que importam e significam, suas reações são as mais diversas, isso quando ele está atento para essa experiência viva que é o teatro. Nesse lugar de encontro tudo é possível quando ele se permite entrar, quando está disposto, então nós do lado de cá estamos sempre querendo surpreender para acionarmos essa disposição no outro, pensamos nas mais diversas possibilidades, nos ritmos, nas ações, na entonação e claro, no sentido desse fazer teatral que é capaz de modificar vidas e condutas. O que é negociado é justamente a partilha de um momento único, onde somos todos estimulados a uma outra ideia de temporalidade, um lugar de afecções.
Marcelo Olinto: O espectador é convidado a participar de uma experiência visual, corporal e verbal. Quanto mais próximo for este convívio, mais interessante o trabalho ficará.
LaborAtorial tem texto de Diogo Liberano, direção de César Augusto e Simon Will e atuação de Marcelo Valle. |
A sinopse de LaborAtorial fala que o texto traz uma “renovação do olhar sobre o real” e sobre mudanças de paradigma que influenciaram o homem contemporâneo. Poderia explicar melhor quais seriam essas influências de que o espetáculo trata e como são trabalhadas no espetáculo? É um jogo de construção e desconstrução de espaços/situações/ideias?
César Augusto – Retirando do contexto onde esta frase se insere, isso tudo soa profundamente pretensioso. Mas, vamos lá (risos): Partimos do princípio de que o personagem (neste caso, o próprio ator) ao se colocar em questão, se examina e procura através de procedimentos por ele mesmo construídos respostas para as suas inquietações, sejam elas artísticas, humanas ou políticas. Uma vez tendo a plateia como cúmplice, acreditamos que levantamos possíveis caminhos para situações que são, de certo modo, vivenciada por todos constantemente. No dia a dia, nas escolhas profissionais, no modo com que tratamos o próximo, e por aí vai. Esta possível autopsia ficcional ganha contornos muito pessoais e acredito que esta relação com o indivíduo é ponto nevrálgico para se lidar com o “ser” contemporâneo. Utilizamos e nos inspiramos em artistas que influenciaram muito o trabalho, entre eles William Kentridge, Bruce Nauman e Rafael França, vídeo-artista dos idos anos 70, que mereceu muita atenção durante o processo de construção do nosso trabalho.
Fala-se ainda em uma dramaturgia baseada em traços biográficos – são do ator, do autor do texto ou num jogo entre eles?
César Augusto – Este trabalho foi feito a oito mãos, quatro cabeças (com vários colaboradores), e isso fez com que, de certa forma, cada um de nós dentro da criação do espetáculo fosse extensão do outro. Eu dirigi a peça junto com Simon Will, do grupo anglo germânico Gob Squad. Diogo Liberano, dramaturgo, e Marcelo Valle, ator, formaram voz e pensamento em simbiose, um desaguava no outro na forma do fazer e de lidar com as situações. Fizemos esta peça em três etapas para conseguir chegar aos sete procedimentos que compõem o espetáculo. Marcelo se desdobra em mais dois para dar conta das suas possíveis, e por vezes fictícias, polaridades. O jogo, se é que esta palavra dê conta, prefiro “experimento”, se estabelece em cada etapa enfrentada e exposta pelo ator/personagem que, desde o início, é ele mesmo. Tudo está claro desde a chegada do público e, dentro desta possível trajetória, cada momento, cada observador, inclusive o próprio objeto de estudo, o próprio ator, são partes fundamentais para se construir este quebra cabeça.
Quais mudanças mais significativas se pode esperar/sentir na Cia, dos Atores nessa nova fase, sem a figura do Enrique Diaz?Marcelo Olinto: A saída da Drica Moraes e do Enrique Diaz com certeza foi muito sentida. Mas, ao mesmo tempo, nos fez repensar sobre nossa parceria, impulsionando-nos para novos desafios. O resultado disso? A produção de três novos trabalhos com criadores da melhor qualidade e ao mesmo tempo reforçamos os nossos laços artísticos e pessoais. Estamos vivendo, com certeza, um grande momento.
César Augusto – Nosso trabalho desde a formação da Cia. dos Atores sempre foi extremamente colaborativo em cada processo de criação. Assim aprendemos a lidar com o texto, a interpretação, cenário, produção, figurinos e por aí vai. E, exatamente por isso, pouco ou quase nada muda a não ser o prazer de tê-lo junto dentro deste modo de trabalho. Nosso último trabalho juntos já tem muito tempo. Depois, iniciamos uma série de trabalhos individuais aos quais demos o título de Autopeças. Estas “peças” ganharam asas e participaram de várias temporadas, juntas, separadas, em ocupações, como foi o caso do Festival de Curitiba, quando ocupamos o Teatro Paiol. Este já era o prenúncio de que precisávamos mudar, criar outros caminhos. Nos admiramos todos e sabemos que tanto juntos quanto separados somos e seremos referências para nós e para muitas gerações. Construímos um legado, mas não precisamos ser subservientes a ele. Muito pelo contrário… Dentro destas circunstancias, Enrique e Drica (Moraes) resolveram que era hora de cortar o vínculo com a companhia. Isso foi forte, contundente, mas profundamente orgânico.
A partir daí, o destino, as coincidências, a necessidade de estarmos ainda juntos, até mesmo para cumprir as demandas importantes referentes a patrocínio, nos deu condições para dar conta das mazelas das perdas e das desconexões. O resultado foi além do esperado. Comemorando 25 anos de história, criamos três rebentos lindos e que andam com suas próprias pernas: “Conselho de Classe”, uma parceria com Jô Bilac, “Como estou Hoje”, outra parceria com o coreografo João Saldanha, e o “porque” desta entrevista – “LaborAtorial”. Vale citar que a nossa sede, localizada na Lapa, na famosa escadaria de ladrilhos, chamada Escadaria Selaron, agora se chama Sede das Companhias e, até nisso, estamos proliferando. Agora gerida pela Cia. Dezequilibrados, estamos lá dividindo o espaço com eles e a nova, e muito interessante, Cia. Pangeia. Como se percebe temos muito que fazer e, assim, trilhamos a nossa história.
No caso desses três trabalhos da Cia. dos Atores que vêm ao festival, haveria uma preocupação política em comum com o momento socioeconômico do país?
César Augusto – Não, os espetáculos têm independência total nas escolhas, sejam dramatúrgicas, estéticas, políticas. Claro que, como fruto de criações contemporâneas, existem coincidências que reiteram nosso trabalho e afinidades artísticas.