Luciana Romagnolli ::
“Isso É para a Dor” confina em cena três mulheres refugiadas de um perigo não-nomeado, enquanto uma quarta apenas é aludida em seu sono de duração incomum. O mais ordinário do cotidiano desse trio sugere justamente o extraordinário da condição em que vivem. Mais uma vez, o dramaturgo mineiro Byron O’Neill experimenta os deslimites de um teatro do absurdo, linguagem que já vem praticando há algum tempo com a sua Cia. 5 Cabeças. Mas é neste encontro com as atrizes da Primeira Campainha, com quem montou o espetáculo ora em cartaz no FIT-BH, que o absurdo ganha um caráter mais político em sua obra.
Ao subverter a lógica racional, ilumina-se o quão pouco preso a ela está o mundo, principalmente o comportamento humano, pleno de contradições e falta de sentido. Assim, expandem-se as possibilidades do real para além do que o senso comum permite entrever. É isso que faz da linguagem do absurdo atemporal, ainda que momentos drásticos da história humana o potencializem, como foi o pós-guerra durante o qual escreveram Samuel Beckett e Eugène Ionesco. À sua medida, o momento atual redesperta tal sentimento, seja pela crise da representação política, pela violência exacerbada ou pelas formas veladas de censura. “Isso É para a Dor” capta esses sentimentos e com eles contamina o universo das três mulheres, como pano de fundo.
Marina Arthuzzi, Marina Viana e Mariana Blanco assumem personagens com contornos dramáticos, às voltas com as miudezas do cotidiano em uma situação de privação. As relações que se estabelecem entre elas se humanizam pelo conflito afetivo do casal formado por Arthuzzi e Viana, marcado pela subserviência de uma e a dificuldade de expressar amor da outra, e pelas pontuações cômicas de Blanco. Um humor leve, dentro de uma dramaturgia que trabalha na chave da sutileza as questões essenciais.
O salto dramatúrgico se dá com a interrupção das ações comezinhas por momentos em que as três assumem representações alegóricas, criando ficções dentro da ficção e aumentando o nonsense. Aí se vê a bagagem pop da Primeira Campainha tomar espaço, em referências a filmes como “King Kong” e ao balé “O Lago dos Cisnes” (inspiração para “Cisne Negro”) e o humor se elevar. As alegorias libertam a história da lógica particular (já não mais a racional) com que o universo daquelas personagens foi criado e explode os sentidos da encenação.