— por Henrique Saidel —
Cidade sorriso, capital ecológica, capital social, capital cultural, cidade modelo. Antigos slogans oficiais meramente publicitários que lembram que Curitiba é mesmo uma cidade bastante curiosa, com seu peculiar mau-humor, seu provincianismo e sua autofagia, aliados a um estranho orgulho em ostentar uma suposta índole “europeia”, capaz de criar uma cidade autossuficiente, organizada e limpa, com seu sistema de transporte modelo. Andando pelos binários e pelos calçadões, vendo o céu cinza e sentindo o frio que gela mesmo dentro de casa (um frio que vem de dentro para fora, congelando primeiro os ossos e só depois os tendões, a carne e a pele), percebo que, a despeito de todo esse discurso autodepreciativo – tipicamente curitibano, diga-se –, a capital das araucárias tem a sua graça. Explico: subvertendo a assepsia e a jacuzice do conservadorismo[1], marca de todos os governos (Jaime Lerner, seus pupilos e mesmo seus adversários) e de boa parte da sociedade “de bem”, Curitiba é um lugar propício para certas experimentações e resistências estéticas e contraculturais, do carnaval rock aos espaços culturais independentes, passando pelos movimentos de cultura negra e queer, com ramificações dentro do meio universitário.
E é nesse caldo experimental e contracultural que pretendo mergulhar – se já não estava lá antes – para dar conta do convite feito a mim pela querida Luciana Romagnolli: escrever sobre performance art para o Horizonte da Cena, diretamente da terra da vina e do leite quente. É claro que nem todo movimento de performance é necessariamente contracultural, e dialoga mais ou menos bem com as instituições e os programas de financiamento público ou privado. Assim, também esse diálogo – ou a falta dele – fará parte das análises. Neste primeiro texto, a intenção não é falar de um artista ou um evento específico, e sim criar um panorama mais amplo da cena atual de performance art em Curitiba, o que tem sido produzido, fruído e pensado por aqui, o que tem vindo e circulado por essas bandas, e como essas ações se conectam em nível local e também nacional. Obviamente, será um panorama incompleto e que será alargado aos poucos nos próximos textos.
De fato, está pulsando e se estabelecendo, aqui, um movimento bastante interessante para a performance art – não ideal, mas nem um pouco ruim. Após três anos fora de Curitiba (depois de passar meus primeiros 30 anos praticamente inteiros entre a periferia e o centro da cidade), foi particularmente bom retornar à terrinha e vislumbrar um burburinho novo, ainda tateante, por vezes imaturo, mas cheio de potência e urgência. Uma constelação errática de ações e mobilizações independentes de pessoas que querem experimentar performance[2] (assim como várias outras coisas), fazendo, vendo, participando. Percebendo e também me incluindo nesse movimento, acredito que uma primeira forma de abordagem desse fenômeno é focar nos espaços e eventos que têm se dedicado à performance e despontado com cada vez mais frequência e relevância. Espaços que surgem a partir da demanda por locais propícios ao exercício artístico e que, por sua vez, estimulam ainda mais as vontades que os geraram. Destaco alguns deles: a Bicicletaria Cultural e a p.ARTE – Mostra de Performance Art; a Casa Selvática e a Linguada – Mostra de Artes; o Ateliê Soma e sua Mostra de Performance; os espaços La Bamba, Wake Up Colab e Das Nuvens; os eventos Perturbe – Mostra de Ruído e Arte, e Gilda Convida Maria Bueno. Conversei com alguns dos organizadores destes espaços/eventos e também com figurinhas carimbadas como Paulo Reis, Angelo Luz, Polyanna Morgana e Amabilis de Jesus.
Como outras cidades, Curitiba tem seus espaços constantemente ocupados e reocupados, tensionados, disputados. Se interdições, condutas e coerções são fixadas a todo momento, as resistências, os desvios e as livres criações também pululam pela malha da urbe. A ocupação e a vivência do espaço urbano (seja ele público, privado, aberto ou fechado, em todas os seus nuances) criam frestas e fluxos outros, apoiados em iniciativas artísticas coletivas, propondo maneiras diversas de estar no mundo. Atuando muitas vezes em escala micro, esses movimentos são importantes para a oxigenação criativa e subjetiva dos que por aqui habitam, ensaiando experiências disruptivas. É justamente esse caráter coletivo, que incita o surgimento de agrupamentos artísticos – sejam perenes, sejam provisórios –, que o professor, crítico e curador Paulo Reis destaca na cena performática curitibana. Autor do livro “O corpo na cidade – Performance em Curitiba”, lançado em 2010, no qual apresenta um panorama da performance realizada na cidade a partir de 1970, Paulo vê nas ações performáticas coletivas (em especial, as que acontecem no espaço público aberto) um antídoto “contra a caretice” que se instala nas instituições e na vida cotidiana, uma espécie de “veneno anti-monotonia” que injeta novos fôlegos nas relações e nas sensibilidades, agregando o que ele chama carinhosamente de “gente com perturbação”.
De fato, perturbar é um verbo bastante caro à arte da performance. Os deslocamentos por ela desejados (nem sempre alcançados, é verdade) promovem perturbações de diversas ordens e graus: no artista que propõe, no espectador que frui/participa, nas condições e expectativas estético-sociais estabelecidas e restabelecidas constantemente, nas dinâmicas espaciais e temporais da cidade, nos contextos simbólicos e nas relações de poder e subjetivação vivenciadas por todos. Perturbar a ordem velha da Curitiba séria e “de bem”, carrancuda e antissocial, talvez seja uma das tarefas daqueles que se dedicam à performance por aqui. Assim, a união de artistas, ativistas e entusiastas em espaços e ações coletivas tem sido uma das principais maneiras de causar essa “perturbação performática”, essa provocação que almeja outras e mais livres subjetividades e sociabilidades; mostrando que, sim, é possível estar e atuar junto, sim, é possível propor situações nas quais a coletividade (que não se opõe às singularidades de cada pessoa) permite empoderamentos, deleites e transformações.
Um dos espaços que bem representa essa experiência é a Bicicletaria Cultural. Com seus quatro anos recém-completados, ocupando as salas do subsolo de um prédio no centro – esquina da rua Presidente Faria com a hoje badalada rua São Francisco e a praça de Bolso do Ciclista –, a Bicicletaria é bicicletaria, estacionamento de bicicletas e centro cultural, reunindo diversas pessoas ligadas e simpatizantes do cicloativismo, das artes e afins. Administrado por Fernando Rosenbaum e Patrícia Valverde, o empreendimento já recebeu prêmios de economia criativa e comunitária, e, paralelamente à rotina de consertos, manutenção e cursos de mecânica de bicicletas, abre suas salas e seu pátio interno para a realização de eventos artísticos, workshops, grupos de estudo, shows, espetáculos, exposições (a Galeria Farol, de Margit Leisner, funciona permanentemente em uma das salas), performances e outras iniciativas de seus frequentadores. E é na Bicicletaria Cultural que acontece, desde o início de 2012, um dos mais interessantes e longevos eventos de performance da cidade: a p.ARTE – Mostra de Performance Art.
Fundada por Fernando Ribeiro (curador, performer, DJ e designer gráfico) e Patrícia Valverde (cocuradora, performer e sócia da Bicicletaria Cultural), a p.ARTE promove noites mensais dedicadas à apresentação de performances. Em cada edição, dois ou três artistas, experientes ou não, apresentam seus trabalhos: geralmente, um artista local e outro de fora da cidade. Para completar, taças de vinho oferecidas pela casa ajudam a esquentar o clima. Em suas 24 edições, até agosto deste ano, inúmeros artistas fizeram parte da programação (cito apenas alguns: Arti Grabowski, Marco Paulo Rolla, Rodrigo Munhoz, Maíra Vaz Valente, Myk Henry, Thaíse Nardim, Raphael Couto, Carol Marim, Polyanna Morgana, Tales Frey, Tania Alice, Cecilia Stelini, Lucio Agra, Alex Hamburger, Paula Garcia, Michele Schiocchet, Ieke Trinks, Limerson Morales, Angelo Luz, Mariana Barros, Dalvinha Brandão, Margit Leisner, Manolo Kottwitz, Lauro Borges, Henrique Saidel, Tamiris Spinelli, Karen Tribess, coletivo quandonde, Claudio Fontan, Katia Horn, Cleverson Oliveira e os próprios Fernando Ribeiro e Patrícia Valverde, dentre outros), criando uma rede de conexões entre artistas de várias partes do Brasil e do mundo. Sem contar com nenhum tipo de financiamento (exceto uma pequena bilheteria: ingressos a R$7), a p.ARTE surpreende pela capacidade de agenciar e articular artistas de diferentes endereços e áreas de atuação, mantendo uma programação constante que já entrou no calendário local e nacional de performance. Ao ser convidado, o artista tem carta branca para propor o que quiser, experimentar uma nova performance, refazer uma ação já conhecida, sem se preocupar com questões que não estejam diretamente ligadas à sua pesquisa. Além disso, o site do evento (www.p-arte.org) disponibiliza registros em foto e vídeo de todos os trabalhos apresentados, desde a primeira edição, formando um banco de dados ímpar sobre o tema. Ao optar por um formato que privilegia eventos pequenos (dois artistas por mês), ao invés de um grande e longo festival, a p.ARTE estabelece uma regularidade que estimula a participação continuada do público. Água mole em pedra dura. Junto com outras ações aqui e acolá, a p.ARTE contribui no desenvolvimento da cena de performance brasileira.
Parêntesis: é necessário dizer – até para não correr o risco de ser denunciado por outrem – que, desde o início de 2015, eu também faço parte da equipe da p.ARTE, como cocurador (e produtor, etc). Além de mim e dos já citados Fernando e Patrícia, o fotógrafo e performer Lauro Borges também integra o time. O autoconvite que me fiz para participar da organização da mostra foi estimulado justamente pela percepção de que se trata de um evento bastante importante e que valeria a pena dedicar uma parte do meu tempo para ajudar a garantir a realização do trabalho. Fecha parêntesis.
A ideia de continuidade também surgiu na conversa que tive com Fernando Ribeiro sobre o contexto geral da cidade. Para ele, sempre existiram momentos interessantes, com vários artistas trabalhando com performance, como nos anos 1980 ou nos anos 2000 (quando a Casa Hoffmann, da Fundação Cultural de Curitiba, trouxe para a cidade importantes nomes brasileiros e estrangeiros para ministrarem oficinas e cursos, estimulando o surgimento e a produção de grupos locais bastante ativos, como o coletivo Couve-Flor – Minicomunidade Artística Mundial); mas, no entanto, esta seria a primeira vez que uma “geração” conversa com as anteriores, estabelecendo diálogos e continuidades – nem sempre tranquilas – entre artistas de diferentes idades, formações e atuações. Resta saber se essas parcerias também se traduzem (ou vão se traduzir) em força poética e maturidade de pesquisa.
Ocupando um pitoresco sobrado alugado com arquitetura setentista no bairro Rebouças, revestido com paredes de quartzo-rosa, a Casa Selvática pode ser considerada um exemplo desse diálogo entre gerações, e, junto com a Bicicletaria Cultural, é um dos mais efervescentes e convidativos espaços independentes da capital. Reúnem-se, naquela casa, jovens artistas e produtores de diversas áreas e linguagens, muitos deles formados pela Faculdade de Artes do Paraná (atual UNESPAR). O espaço funciona desde março de 2012 como residência artística, escritório de produção e centro cultural, com uma programação intensa de espetáculos de teatro e de dança, performances, shows musicais, exposições, mostras de vídeo, oficinas, eventos gastronômicos e festas, além de armazenar o acervo de figurinos, cenários e adereços dos grupos residentes. O caráter provocativo e festivo de suas propostas artísticas dá o tom das convivências que ali se instauram, criando um ambiente aberto e fértil para questões e expressões que muitas vezes encontram resistências e impedimentos em outros lugares, como as discussões de gênero e toda a potência da cena queer. Na Casa Selvática (ironicamente localizada ao lado da Igreja do Imaculado Coração de Maria, cujos sinos sempre batem com força), o dionisíaco impera, com todo o seu desbunde, inconformismo e satisfação, criando um espaço de referência na cidade, ponto de encontro obrigatório de todos os seres desviantes que não se enquadram ou não querem se enquadrar nos padrões apolíneos e heteronormativos – e outras normatividades – da arte e da vida. Atualmente, os artistas residentes são: Gabriel Machado, Ricardo Nolasco, Leonarda Glück, Nina Ribas, Semy Monastier, Simone Magalhães, Stéfano Belo, Kysy Fisher, Mari Paula, Patrícia Cipriano, Victor Hugo, Renata Cunali e Laura Formighieri.
E foi com alguns desses artistas selváticos (mais o performer Manolo Kottwitz) que eu conversei sobre a Linguada – Mostra de Artes da Casa Selvática. Iniciada em 2014, a Linguada começou como uma mostra de performance e, aos poucos, abriu-se também para outras expressões artísticas igualmente híbridas. Em cada edição – são seis por ano, sempre uma quarta-feira por mês –, dois artistas residentes convidam dois artistas de fora da casa. Assim como na p.ARTE, convida-se o artista e não um trabalho específico, dando liberdade ao convidado para propor e nomear sua obra como bem entender. No entanto, mesmo não delimitando sua abrangência somente ao campo da performance, a transversalidade dos trabalhos apresentados e a relação que se estabelece com o público, em consonância com o conceito geral da casa, faz da Linguada um evento com forte caráter performático. Interessante é perceber como os residentes consideram o evento: um exercício de curadoria, de pensar formas de abrir a casa para outros artistas, de construir diálogos e fricções entre criadores, de colocar-se no lugar daquele que observa, escolhe, convida e acolhe (e assume as responsabilidades disso), deixando-se contaminar pela proposta do outro. Cada dupla de curadores também pensa o formato da edição que lhe cabe, a quantidade de trabalhos apresentados, a dinâmica da noite, a realização ou não de um bate-papo com o público… Se outras ações da Selvática já possuem algum financiamento via editais públicos de fomento, a Linguada permanece contando apenas com a bilheteria (R$10) e a participação dos espectadores. Público que vem se diversificando a partir da pluralidade dos artistas que por ali passam e deixam a sua marca. Com a Linguada e todas as outras ações que desenvolve, a Casa Selvática é, atualmente, o lugar par excellence da perturbação performática apontada por Paulo Reis: nunca se sai incólume de uma visita àquela simpática casa cor-de-rosa.
Na pista dos eventos de performance, chego ao Atelier Soma, que, em seu primeiro ano de existência, já realizou uma expressiva Mostra de Performance. Em dois finais de semana de maio deste ano, diversos performers locais apresentaram seus trabalhos, ocupando os espaços da casa situada na rua Brigadeiro Franco, entre o centro e o bairro Batel. Administrado por Eduardo Amato, Larissa Marques e Isabella Azevedo, o Atelier Soma é um espaço voltado principalmente às artes visuais e ao design. Funcionando como um coworking, propõe-se como lugar de encontro, uma plataforma para a experimentação e exposição de trabalhos individuais e coletivos, onde a curadoria é múltipla e os artistas são responsáveis pelo desenvolvimento de suas próprias mostras. Segundo Eduardo e Larissa, um dos objetivos da Mostra de Performance (cuja segunda edição já está sendo preparada), além de convidar performers mais experientes, é desafiar certos artistas a se arriscarem na performance pela primeira vez. Ao mesmo tempo que identificam um desejo do público curitibano por ver performances, os organizadores do Atelier dizem não se preocupar em “agradar o público, que pode gostar ou não gostar” do que vê na galeria. Como toda nova iniciativa, os jovens artistas do Soma vão experimentando e construindo caminhos, ensaiando recortes e olhares – ainda tateantes, mas cheios de vontade e possibilidade.
Outros espaços independentes também têm aberto suas portas para a performance. É o caso dos coworking Wake Up Colab, no bairro São Francisco (com seus eventos, bazares e mostras, além de receber companhias de teatro e grupos de estudos); e Das Nuvens, na cobertura do histórico Edifício Tijucas, no centro (com seus workshops e mostras). No bairro Juvevê, o La Bamba vem se firmando como espaço aberto às mais diversas expressões artísticas, em especial a dança e o teatro contemporâneos. Administrado por Cândida Monte, Well Guitti e Cacá Bordini, o La Bamba já recebeu vários eventos, de festas e shows a mostras de processo e espetáculos, passando por ciclos de palestras e lançamentos de livros (como a edição brasileira do “Manifesto Contrassexual”, de Beatriz Preciado). Ainda mais do que os outros espaços citados, o La Bamba deseja tornar-se um local autogerido e autossustentável, acolhendo propostas de todos os artistas que se sintam confortáveis em seu estúdio e seu belo e arborizado jardim – meta ambiciosa e difícil, mas que pode gerar interessantes configurações.
Dois eventos também chamam a atenção, ao mobilizarem artistas e público em torno de ações e temas bastante contundentes. O festival Perturbe – Mostra de Ruído e Arte , organizado pelo selo musical Meia Vida, é dedicado ao ruído (noise) e à performance, e reúne, em sua extensa programação, artistas de todo o Brasil e países vizinhos. Cada uma de suas três edições anuais ocupou um espaço diferente, sendo a última realizada na Bicicletaria Cultural, entre os dias 31 de julho e 02 de agosto de 2015. Um público cativo e devidamente iniciado na arte do ruído (mas não restrito a ele) lotou as salas da Bicicletaria para conferir shows, performances, vídeo-instalações, exposições e uma feira de zines. O segundo evento é organizado por uma companhia de teatro que tem uma atuação artística e política muito importante no contexto cultural da cidade: a CiaSenhas de Teatro. Assim como outras ações mobilizadoras, como a Mostra Cena Breve Curitiba, o evento “Gilda Convida Maria Bueno” atraiu artistas de diferentes linguagens (Água Viva Concentrado Artístico, Luiz Felipe Leprevost, Léo Fressato, Melina Mulazani, Ari Giordani, Cássia Damasceno, Ricardo Nolasco, Luana Navarro, Lidia Ueta, dentre outros) e promoveu, nos dias 27 e 28 de fevereiro deste ano, uma ocupação festiva e escandalosa da rua São Francisco, onde está a sede da companhia. Ressoando as ações do Cabaret Gilda, realizado alguns anos antes, a CiaSenhas resgatou a figura folclórica e controversa da travesti beijoqueira Gilda[3] e fez da rua (mesmo que temporariamente) um espaço de reinvenção, de criação e compartilhamento de afetos e atravessamentos, dos mais recatados aos mais febris.
Para encerrar este texto quase jornalístico, é importante salientar a forte influência que as universidades têm sobre boa parte da cena artística curitibana. Muitos artistas atuantes na cidade são formados ou são professores em cursos de graduação e pós-graduação, especialmente em instituições estaduais e federais. A partir da reformulação do currículo de vários cursos nos últimos cinco ou seis anos, a performance entrou oficialmente na grade de estudos das artes cênicas e das artes visuais, ora como disciplina específica ora como conteúdo em outras cadeiras. Na Faculdade de Artes do Paraná – FAP (atualmente incorporada à estadual UNESPAR), a disciplina de Estudos da Performance é obrigatória no segundo ano do Bacharelado em Artes Cênicas, ministrada por Amabilis de Jesus, e no terceiro ano de Licenciatura em Teatro, ministrada por Lucia Helena Martins. Na Universidade Federal do Paraná – UFPR, Paulo Reis é o responsável pela disciplina optativa de Performance, ofertada aos alunos de Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais. Na Escola de Música e Belas Artes do Paraná – EMBAP (também incorporada à UNESPAR), a performance é trabalhada como conteúdo nas disciplinas de Escultura, ministradas por Polyanna Morgana. Na Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, Ismael Scheffler coordena uma Especialização em Artes Híbridas, que também aborda questões ligadas à criação performática. Nas últimas décadas, o diálogo entre academia e prática artística sempre foi muito intenso, e vem crescendo cada vez mais, com influências mútuas e de mão dupla. Não poderia ser diferente com a performance: muito do que se produz nos espaços e coletivos citados é fruto de pesquisas iniciadas nas universidades, e uma parte do que se estuda nas universidades é, sem dúvida, reflexo dos interesses dos artistas locais. Respeitadas certas especificidades, um nicho dá suporte ao outro, num imbricamento que às vezes torna difícil identificar onde termina o trabalho de um e onde começa o trabalho de outro.
Arte do corpo, arte da ação, arte relacional, a performance é sempre controversa e arredia a definições (embora existam várias definições bastante consistentes e válidas sobre o que é ou o que não é performance: tal discussão não é, no entanto, útil neste momento). Adolescente revoltada, a performance curitibana ainda não tem rosto, ainda não sabe para onde vai. E talvez seja essa a sua força, a sua potência. Uma arte disforme e multiforme que, além de outros desafios, procura o seu público e se vê envolvida por algumas questões: qual é o público da performance? Onde está e o que espera o público da performance? Estaria ele engatinhando, experimentando, assim como os artistas? As trinta ou quarenta pessoas que geralmente comparecem nos eventos de performance são suficientes para estabelecer um diálogo plural entre artista e espectador? Paralelamente a essas perguntas, a constatação: a tentativa de traçar um panorama da performance em Curitiba – como também o seria em qualquer outra cidade – é uma tarefa fadada ao fracasso. Provavelmente, enquanto finalizo este texto, outros artistas, espaços e eventos estão surgindo (ou já estavam sempre ali e me escaparam da visão míope) e talvez alguns dos aqui citados já não existam mais. Vicissitudes de uma arte radicalmente efêmera e mutante. E é aceitando a efemeridade e desejando a mutação e a radicalidade que acompanharei os próximos passos dessa história. O convite está feito.
Links úteis:
p.ARTE – Mostra de Performance Art
Perturbe – Mostra de Ruído e Arte
Faculdade de Artes do Paraná (UNESPAR Campus de Curitiba II)
Escola de Música e Belas Artes do Paraná (UNESPAR Campus de Curitiba I)
Universidade Federal do Paraná – Curso de Artes Visuais
Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Especialização em Artes Híbridas
[1] Nem toda jacuzice é conservadora, certamente. Mas, por experiência própria, atrevo-me a dizer que quase todo conservadorismo é jacu. Especialmente no Paraná.
[2] Performance art, performance arte, arte da performance, performance: variações de tradução e uso do termo (quando se referem mais ou menos ao mesmo fenômeno, é claro). Para fins de abreviação e ritmo de texto, utilizarei somente “performance”.
[3] Gilda era uma travesti que morava no tradicional calçadão da rua XV de Novembro, no centro da cidade, nas décadas de 1970 e início de 80. Barbada e despojada, interrompia o passo dos transeuntes e anunciava: “Cinco cruzeiros ou um beijo!”. Quem não pagasse, ganhava um beijo na boca. Amada e ridicularizada, tornou-se personagem do imaginário da cidade, questionando vivencialmente padrões binários de gênero e provocando a ira da família curitibana. Foi encontrada assassinada, em um casarão abandonado, em 1983.