por Luciana Romagnolli
Não recomendo otimismo excessivo ao considerar a internet um oásis para a crítica de teatro. É certo que praticamente não restam outros espaços. Os jornais diários há muito se desinteressaram de ceder um conjunto volumoso de linhas para a análise detida de um espetáculo: o conteúdo analítico perdeu a vez para a ligeireza da orientação para consumo, cuja máxima é o “indico” ou “não indico”, quando não se limou de vez qualquer texto opinativo em prol do “serviço” (como se costuma chamar, em uma redação jornalística, o conjunto das informações básicas para se adquirir um produto: data, horário, local e preço).
Raros jornais ainda preservam a figura do crítico entre seus colaboradores fixos. O Estadão dispensou a mais respeitada de seu quadro, Mariângela Alves de Lima, e ainda não colocou substituta. A Folha de S. Paulo permanece com Luiz Fernando Ramos num espaço exíguo de verdadeira “pocket crítica”. No O Globo, Bárbara Heliodora reina há décadas com uma concepção de crítica teatral que já não dialoga com grande parte da produção vigente. Outros jornais, quando muito, aglutinam as funções do crítico e do repórter de teatro no mesmo profissional, deixando a primeira para quando sobrar-lhe tempo, espaço na página e alguma obstinação – como ocorre, em geral, em Belo Horizonte.
Sem adentrar mais na situação precária da crítica de teatro nos jornais, acrescente-se que revistas e outros meios impressos tampouco a comportam, à exceção das publicações acadêmicas e da Bravo!, com meia página de crítica ao mês. Salientar esse cenário de crise é fundamental para a clareza de que a crítica de teatro na internet não é somente uma escolha de quem a escreve, mas a única brecha à vista. Daí sua importância absoluta para o desenvolvimento da atividade crítica na contemporaneidade. Contudo, a brecha ainda é estreita e desconfortável. Há muito que se fazer até que suas engrenagens se movam com fluidez e suas potencialidades possam ser usufruídas plenamente. E o aspecto essencial para que isso ocorra é financeiro.
Hoje, no Brasil, existem iniciativas modelares. A mais importante delas, até o momento, é a revista eletrônica Questão de Crítica, criada por egressos da Unirio, com o intuito justamente de experimentar um modelo de crítica mais ensaístico e em diálogo com as propostas dos grupos teatrais em atuação naquela cidade, recusando o modelo dominante de crítico-juiz perpetrado na mídia impressa carioca. A QdC se expandiu e tem colaboradores em outras cidades brasileiras – como é o caso da autora deste texto –, mas mantém um regime de trabalho voluntário, uma vez que não dispõe de recursos para remuneração.
Outro site de qualidade, mas sem fonte de renda própria, é o Teatro Jornal, fundado pelo crítico Valmir Santos após ter deixado o corpo de jornalistas da Folha de S. Paulo. São assim também os blogs que tentam se manter ativos na área, como o Horizonte da Cena, que mantenho em parceria com a crítica de teatro Soraya Belusi. Qual, afinal, a relevância desse aspecto para o pensamento amplo sobre a crítica de teatro na internet? Crítica de teatro é um trabalho: exige estudo, tempo, acompanhamento da cena teatral, dedicação à escrita. Enquanto for uma atividade voluntária, infelizmente será relegada na ordem de prioridades dos profissionais. Não terá a regularidade nem o comprometimento necessários para que se desenvolva.
Esse é um dos maiores desafios de quem escreve crítica de teatro na internet hoje: como manter a periodicidade frequente? Basta acessar os sites e blogs para perceber como este é um ponto fraco. Alguns editais de incentivo à cultura preveem verbas para a criação ou manutenção de portais e sites, mas ainda não têm sido o suficiente para remunerar os próprios críticos, profissionalizando a atividade na internet. As formas de sobrevivência financeira para a crítica de teatro nesse meio ainda estão por ser encontradas – ou inventadas. Enquanto isso, a atividade depende da mobilização e da articulação voluntárias, de uma disposição militante – realidade, infelizmente, partilhada pela crítica de cinema.
Outro ponto de fragilidade a ser considerado é a desvalorização da crítica feita na internet por grande parte dos próprios artistas de teatro. Ainda são pontuais as investidas dos criadores em exercitar o pensamento crítico na internet – o que os impede, se é justamente a liberdade de escrita um dos trunfos desse meio em relação à mídia impressa, na qual a voz é privilégio dos empossados de um cargo?
Também ainda escasso é o diálogo que os realizadores estabelecem com os textos críticos e seus autores – e não é justamente a liberdade de interação outro dos trunfos da internet, ao abrir-se instantaneamente a comentários e ao compartilhamento e debate nas redes sociais?
Ao que parece, a própria classe teatral ainda pouco incorporou a crítica feita na internet à sua rotina de prática e pensamento sobre o teatro (embora as iniciativas nesse sentido venham crescendo, sobretudo no contexto de mostras e festivais que contratam críticos para escreverem sobre sua programação, fomentando a profissionalização da atividade). Ao menos dois fatores para isso podem ser cogitados. Um deles é que a publicação on-line não tem a mesma força para conferir legitimidade a um projeto ao pleitear incentivo fiscal do que a atribuída às críticas veiculadas por grandes empresas de comunicação. Contudo, se a atenção recebida dessas empresas é cada vez menor, urge que os criadores também se mobilizem e reforcem a construção de um espaço amplo, diverso e relevante de crítica de teatro na internet.
Outro fator crucial diz respeito à natureza da relação com os internautas. Embora a quantidade de público leitor em potencial seja virtualmente todos que tenham acesso à internet – um universo incomparavelmente maior do que a tiragem de qualquer jornal –, a publicação on-line não dispõe dos mesmos meios de distribuição da impressa.
Ouvi da diretora carioca Christiane Jatahy, na ocasião em que trouxe o espetáculo “Corte Seco” ao Galpão Cine Horto, que a crítica, no jornal impresso, tem a vantagem de chegar a um público amplo que não procurou por ela – talvez mais interessado em notícias de outro assunto, é confrontado com a análise teatral e pode ser despertado para essa experiência. De fato. Na internet, por sua natureza, o mais o comum é que o leitor precise deliberadamente sair em busca da crítica, acessando os sites e blogs específicos, ou seja, manifestando um interesse prévio.
Se essa característica impõe limitações, por outro lado, permite mais um dos trunfos sobre outros meios: a escrita de um texto de maior complexidade, voltado não ao leigo, não a conquistar um incauto, mas a quem está disposto a se enredar na reflexão sobre a arte. Além disso, as redes sociais têm trabalhado como verdadeiros canais de distribuição espontânea, por vezes mais eficientes que o sistema de correios, a partir de formadores de opinião (em diferentes níveis) que espalham links selecionados, reformulando a experiência de levar a crítica de teatro a quem, de início, não procurava por ela.
Essas são situações que ainda se mostram desafiantes para que a crítica de teatro floresça na internet. Exigirão um trabalho conjunto e continuado de críticos, artistas e público – a quem não se deve tomar como agente passivo nessa equação.
*Artigo originalmente publicado no portal Primeiro Sinal, do Galpão Cine Horto, em novembro/2012.