por Luciana Romagnolli
Não recomendo otimismo excessivo ao considerar a internet um oásis para a crítica de teatro. É certo que praticamente não restam outros espaços. Os jornais diários há muito se desinteressaram de ceder um conjunto volumoso de linhas para a análise detida de um espetáculo: o conteúdo analítico perdeu a vez para a ligeireza da orientação para consumo, cuja máxima é o “indico” ou “não indico”, quando não se limou de vez qualquer texto opinativo em prol do “serviço” (como se costuma chamar, em uma redação jornalística, o conjunto das informações básicas para se adquirir um produto: data, horário, local e preço).
Raros jornais ainda preservam a figura do crítico entre seus colaboradores fixos. O Estadão dispensou a mais respeitada de seu quadro, Mariângela Alves de Lima, e ainda não colocou substituta. A Folha de S. Paulo permanece com Luiz Fernando Ramos num espaço exíguo de verdadeira “pocket crítica”. No O Globo, Bárbara Heliodora reina há décadas com uma concepção de crítica teatral que já não dialoga com grande parte da produção vigente. Outros jornais, quando muito, aglutinam as funções do crítico e do repórter de teatro no mesmo profissional, deixando a primeira para quando sobrar-lhe tempo, espaço na página e alguma obstinação – como ocorre, em geral, em Belo Horizonte.
Sem adentrar mais na situação precária da crítica de teatro nos jornais, acrescente-se que revistas e outros meios impressos tampouco a comportam, à exceção das publicações acadêmicas e da Bravo!, com meia página de crítica ao mês. Salientar esse cenário de crise é fundamental para a clareza de que a crítica de teatro na internet não é somente uma escolha de quem a escreve, mas a única brecha à vista. Daí sua importância absoluta para o desenvolvimento da atividade crítica na contemporaneidade. Contudo, a brecha ainda é estreita e desconfortável. Há muito que se fazer até que suas engrenagens se movam com fluidez e suas potencialidades possam ser usufruídas plenamente. E o aspecto essencial para que isso ocorra é financeiro.
Hoje, no Brasil, existem iniciativas modelares. A mais importante delas, até o momento, é a revista eletrônica Questão de Crítica, criada por egressos da Unirio, com o intuito justamente de experimentar um modelo de crítica mais ensaístico e em diálogo com as propostas dos grupos teatrais em atuação naquela cidade, recusando o modelo dominante de crítico-juiz perpetrado na mídia impressa carioca. A QdC se expandiu e tem colaboradores em outras cidades brasileiras – como é o caso da autora deste texto –, mas mantém um regime de trabalho voluntário, uma vez que não dispõe de recursos para remuneração.
Outro site de qualidade, mas sem fonte de renda própria, é o Teatro Jornal, fundado pelo crítico Valmir Santos após ter deixado o corpo de jornalistas da Folha de S. Paulo. São assim também os blogs que tentam se manter ativos na área, como o Horizonte da Cena, que mantenho em parceria com a crítica de teatro Soraya Belusi. Qual, afinal, a relevância desse aspecto para o pensamento amplo sobre a crítica de teatro na internet? Crítica de teatro é um trabalho: exige estudo, tempo, acompanhamento da cena teatral, dedicação à escrita. Enquanto for uma atividade voluntária, infelizmente será relegada na ordem de prioridades dos profissionais. Não terá a regularidade nem o comprometimento necessários para que se desenvolva.
Esse é um dos maiores desafios de quem escreve crítica de teatro na internet hoje: como manter a periodicidade frequente? Basta acessar os sites e blogs para perceber como este é um ponto fraco. Alguns editais de incentivo à cultura preveem verbas para a criação ou manutenção de portais e sites, mas ainda não têm sido o suficiente para remunerar os próprios críticos, profissionalizando a atividade na internet. As formas de sobrevivência financeira para a crítica de teatro nesse meio ainda estão por ser encontradas – ou inventadas. Enquanto isso, a atividade depende da mobilização e da articulação voluntárias, de uma disposição militante – realidade, infelizmente, partilhada pela crítica de cinema.
Outro ponto de fragilidade a ser considerado é a desvalorização da crítica feita na internet por grande parte dos próprios artistas de teatro. Ainda são pontuais as investidas dos criadores em exercitar o pensamento crítico na internet – o que os impede, se é justamente a liberdade de escrita um dos trunfos desse meio em relação à mídia impressa, na qual a voz é privilégio dos empossados de um cargo?
Também ainda escasso é o diálogo que os realizadores estabelecem com os textos críticos e seus autores – e não é justamente a liberdade de interação outro dos trunfos da internet, ao abrir-se instantaneamente a comentários e ao compartilhamento e debate nas redes sociais?
Ao que parece, a própria classe teatral ainda pouco incorporou a crítica feita na internet à sua rotina de prática e pensamento sobre o teatro (embora as iniciativas nesse sentido venham crescendo, sobretudo no contexto de mostras e festivais que contratam críticos para escreverem sobre sua programação, fomentando a profissionalização da atividade). Ao menos dois fatores para isso podem ser cogitados. Um deles é que a publicação on-line não tem a mesma força para conferir legitimidade a um projeto ao pleitear incentivo fiscal do que a atribuída às críticas veiculadas por grandes empresas de comunicação. Contudo, se a atenção recebida dessas empresas é cada vez menor, urge que os criadores também se mobilizem e reforcem a construção de um espaço amplo, diverso e relevante de crítica de teatro na internet.
Outro fator crucial diz respeito à natureza da relação com os internautas. Embora a quantidade de público leitor em potencial seja virtualmente todos que tenham acesso à internet – um universo incomparavelmente maior do que a tiragem de qualquer jornal –, a publicação on-line não dispõe dos mesmos meios de distribuição da impressa.
Ouvi da diretora carioca Christiane Jatahy, na ocasião em que trouxe o espetáculo “Corte Seco” ao Galpão Cine Horto, que a crítica, no jornal impresso, tem a vantagem de chegar a um público amplo que não procurou por ela – talvez mais interessado em notícias de outro assunto, é confrontado com a análise teatral e pode ser despertado para essa experiência. De fato. Na internet, por sua natureza, o mais o comum é que o leitor precise deliberadamente sair em busca da crítica, acessando os sites e blogs específicos, ou seja, manifestando um interesse prévio.
Se essa característica impõe limitações, por outro lado, permite mais um dos trunfos sobre outros meios: a escrita de um texto de maior complexidade, voltado não ao leigo, não a conquistar um incauto, mas a quem está disposto a se enredar na reflexão sobre a arte. Além disso, as redes sociais têm trabalhado como verdadeiros canais de distribuição espontânea, por vezes mais eficientes que o sistema de correios, a partir de formadores de opinião (em diferentes níveis) que espalham links selecionados, reformulando a experiência de levar a crítica de teatro a quem, de início, não procurava por ela.
Essas são situações que ainda se mostram desafiantes para que a crítica de teatro floresça na internet. Exigirão um trabalho conjunto e continuado de críticos, artistas e público – a quem não se deve tomar como agente passivo nessa equação.
*Artigo originalmente publicado no portal Primeiro Sinal, do Galpão Cine Horto, em novembro/2012.
(Parcialmente reproduzido de uma conversa do Facebook)
Querida Lu
Li seu texto sobre a crítica de teatro na internet e resolvi comentar por aqui, já que não há caixa de comentários no site do Galpão.
Acho que você acerta ao citar que, nos jornais, a crítica ficou restrita à indicação de produto, mas resvala ao não enxergar a mesma lógica também nos festivais e nos ensaios que são publicados de maneira pontual, ou em algumas mostras do Sesc ou publicações relacionadas com espetáculos. No geral, é a mesma lógica de embrulhar melhor o produto, embora tenha cara de crítica teatral.
Quando um crítico é convidado a fazer um apanhado de algum evento, seja ele festival, apresentação, mostra, encontro, o resultado tende a ser anódino. Viste o apanhado crítico do último encontro nacional bancado pelo Itaú cultural? Isso, a meu ver, acontece pelo simples fato de ele ser bancado pelo mesmo grupo que está trazendo as peças, além, é claro, de ser bancado pela incriticável Lei Rouanet (repara como nunca há críticas à Lei Rounet em textos de Festivais).
Eu acho que a única via possível da crítica teatral (independente de onde ela é publicada, no jornal, revista ou na internet) é o envolvimento no processo. Crítica de peça terminada já não me interessa mais. Crítica de processo tem sim algo vivo. E não vejo nenhum grupo de teatro se esforçando para fazer diálogos críticos que não sejam com seu próprio grupelho.
Em suma, acho que o problema da crítica é um problema do próprio teatro, cujos produtores se veem numa casta artística separada do mundo. Uma vez que eu faço aqui a partir da minha redoma, obviamente quero que esse produto tenha floreios de um “profissional balizado”, então se forma a outra casta dos críticos. Acho essas fronteiras um reflexo do modo de produzir próprio do capitalismo contemporâneo. É muito mais fácil fazer circular produtos teatrais dessa maneira, já que os artistas e os críticos não se veem ligados legitimamente a nenhum tempo ou espaço. Isso eu converso melhor contigo ao vivo, mas a circulação é um aspecto central da produção teatral e consequentemente da crítica teatral.
Além de tudo isso, como você é jornalista, acho válido te lembrar de uma omissão. Você esqueceu de falar de qual foi a primeira publicação de crítica teatral na internet no Brasil, onde também escreveu a Daniele Ávila, antes de criar a QdC.
Abração!
As armadilhas da relação entre críticos e artistas são várias. E o Fabricio toca em algumas delas. É sim discutível o tipo de relação que se estabelece entre um evento (grupo, artista) e um crítico “contratado” para analisar os espetáculos de sua programação. Este “resultado anódino” como diz o Fabricio é um risco que se corre. Porém, este espaço de troca e diálogo entre a classe e os críticos está ainda em construção e tem muito a ser aprimorado. Percebo que tanto os grandes eventos como as iniciativas mais pontuais exercidas pelos grupos buscam, sim, valorizar a construção do pensamento crítico, independentemente se o resultado será elogioso a eles ou não. Tive a chance de compartilhar experiências bastante profícuas neste sentido em 2012. É algo que estamos (críticos e artistas) aprendendo a lidar.
Quanto à questão da crítica no processo, concordo em grande parte com a colocação do Fabricio. Uma das questões que têm me motivado é a presença do crítico, em algum momento, na sala de ensaio. E, Fabricio, essas ações têm se tornado cada vez mais comum em Belo Horizonte. Cito ainda a presença de Beth Néspoli como pesquisadora-observadora-colaboradora em Bom Retiro, do Vertigem. São sinais de que estamos caminhando para esse novo lugar e para estabelecer novas relações. Ando confiante!
Metendo o bedelho no papo (visto que não sou crítico de teatro) e pegando alguns pontos em pensamentos meio à deriva:
PARTE 1
Quando Fabricio aponta que as críticas de projetos feitas por críticos contratados tendem a ser “anódinas” “pelo simples fato de ele (o crítico) ser bancado pelo mesmo grupo que está trazendo as peças”, não consigo deixar de pensar que isso vai menos do processo crítico em si do que a pessoa que está fazendo o trabalho. Digo, o crítico convidado/contratado deve lidar com plena e total liberdade na análise das peças, e isso precisa ser deixado totalmente claro antes do serviço ser fechado. Se o crítico, por sua conta e risco, pegar mais leve e tentar “embrulhar” aquilo que ele analisa porque está sendo pago pelo evento (ou pela Lei que for), ele já começou errado a partir de uma escolha de foro pessoal.
Não se pode simplificar nem inocentar o crítico e culpar apenas as leis, os grupos, os projetos e seja lá mais o que for. Sempre existe a possibilidade de se dizer “não” a uma proposta que vá contra aquilo no que você acredita. A Soraya diz que “É sim discutível o tipo de relação que se estabelece entre um evento (grupo, artista) e um crítico contratado para analisar os espetáculos de sua programação”. Discutível, sim, com certeza. E como debelar isso? Fazendo o melhor trabalho possível e se garantindo pelo que foi feito. Isso tende a abafar as desconfianças, que virão, mas não precisam (não deveriam) podar o trabalho. Ter o nome limpo na praça é sempre a melhor opção.
É bom registrar que esse lance de “crítico contratado” não existe no universo dos festivais de cinema.
PARTE 2
PARTE 2
Fabricio escreve: “Eu acho que a única via possível da crítica teatral (independente de onde ela é publicada, no jornal, revista ou na internet) é o envolvimento no processo. Crítica de peça terminada já não me interessa mais. Crítica de processo tem sim algo vivo. E não vejo nenhum grupo de teatro se esforçando para fazer diálogos críticos que não sejam com seu próprio grupelho.”
Aqui, Fabricio, teremos uma discordância essencial, pelo simples motivo de que eu não acredito particularmente em nada absoluto, como esse negócio de “a única via possível”. Isso limita uma discussão a apenas aquilo que se acredita como sendo “a única coisa possível”. Tem-se total e completo direito de não se interessar por esse ou aquele tipo de trabalho, mas daí a desqualificá-lo (ou desvalorizá-lo, que seja) a partir de um pensamento absolutista da questão não me parece muito saudável.
Posto isso, entendo perfeitamente o que você diz quando defende a crítica a partir do processo, e acredito nela como uma das várias vias possíveis de se refletir sobre uma obra artística. Ela apenas é diferente (muito diferente) das outras várias formas também possíveis. Soraya cita a Beth Néspoli e o Vertigem, mas vejo nesse caso um antiexemplo, porque a Beth não entrou lá (até onde sei) como “uma crítica”, mas como uma estudiosa de doutorado com o objetivo de acompanhar o processo de um grupo e, a partir disso, gerar uma reflexão acadêmica. A Beth é crítica ela-mesma, como todos sabemos, mas ela não foi “enviada”, “contratada” ou “pautada” para estar com o Vertigem. A relação, portanto, é outra.
É bom ainda não se entrar na utopia de que a crítica feita a partir do processo não estará impregnada de milhares de olhares e valores que tendem a comprometê-la sob vários aspectos. Guardadas as devidas proporções, é uma relação similar a essa que citamos como o “crítico contratado” – ou seja, alguém diretamente envolvido com a coisa toda de alguma forma e precisando emitir uma reflexão crítica estando nessa posição.
O Jairo Ferreira, importante critico de cinema em SP, já falecido, defendeu, em determinada fase da carreira dele, esse lance de envolvimento do crítico no processo da obra. A defesa era a partir de um ponto de vista muito específico (no caso, o que interessava ao Jairo nisso era o cinema feito na Boca do Lixo, de baixo orçamento, independente, de cineastas largados pela visão burguesa do mainstream) e, a partir desse ponto de vista, ele se envolvia no processo e de lá escrevia/refletia. Mas ele nunca deixou de fazer as críticas dos “filmes prontos” porque, afinal, essa é a crítica de arte que sempre ajudou a própria arte a evoluir e que ainda existe e tem seu valor como peça de reflexão.
Ufa, algumas ideias truncadas. Abraços a todos.
Retomando a conversa, a partir das reflexões do Marcelo Miranda, que muito colaboram para essa discussão.
Concordo plenamente que o exercício de imparcialidade e liberdade em sua escrita é uma responsabilidade do crítico que, independentemente de para quem ou onde escreve (seja para um jornal, um blog ou site de um festival ou de um grupo), deve zelar pelo exercício pleno da crítica. Quando afirmo que artistas e festivais estão construindo ainda essa relação, é porque vejo que o entendimento dos papéis de cada um está sendo aprimorado. Esse “pacto” de autonomia me parece já estar acontecendo. Poderia citar exemplos diversos de profissionais cuja competência e honestidade no exercício de seu ofício não merece ser questionada e que, com certa frequência, colaboram com plataformas diversas.
Obrigada, Marcelo, por me corrigir na questão da Beth. Acho que me coloquei mal. Antes de mais nada, também vejo a crítica de processo como um dos caminhos possíveis, não o único e nem o melhor. Dito isto, citei a Beth por achar que ela se inclui sim nessa possibilidade do crítico na sala de ensaio; neste caso, é verdade como lembra o Miranda, ela não foi “contratada” ou “pautada” para estar ali. O que muda bastante a relação. Mas acho esta posição de pesquisadora bastante válida e enriquecedora para ambos os lados. Mas há outras experiências acontecendo em BH, por exemplo, que acho bacana de ressaltar: A Luna Lunera, por exemplo, abre seus processos em encontros que eles chamam de Observatórios de Criação, e convidam, entre outros, críticos para estarem presentes. Recentemente, três de nós (Miguel Anunciação, Luciana Romagnolli e eu, Soraya Belusi) estivemos em um deles, já na reta final do processo. Um projeto que também acontece aqui, o Janela de Dramaturgia, convidou um crítico para acompanhar e analisar os textos de jovens dramaturgos apresentados em leituras dramáticas. Os convites de grupos para que estejamos presentes em suas salas de ensaio durante o processo também tem sido mais recorrente. Citaria ainda, a oportunidade que tive de acompanhar, recentemente, processos de criação de artistas como Eid Ribeiro e a própria Luna Lunera. Não sei, nesses casos, assim como o da Beth, até que ponto era a crítica presente no processo ou alguém que pesquisa esse criador e acaba colaborando com seu olhar. Acho que essas duas coisas se contaminam.
Não podemos, porém, relegar a segundo plano, como sempre foi feito com o processo, a obra final. A crítica de espetáculos “prontos” me parece tão essencial para a crítica quanto a consideração da relevância do processo.
Como é nítido, são considerações ainda confusas pra mim, mas que têm me provocado bastante. Abraços!
nn1
Pois é, vocês levantam muitos pontos a serem pensados e repensados e eu não tenho certezas prontas em nada disso. Mas fico pensando…
1) Anodinia.
Nunca aconteceu em nenhum festival ou mostra a que fui chamada, para escrever voluntariamente ou por contrato financeiro, de imporem um limite ou um tom para a crítica. Nem à crítica de espetáculos da programação nem ao balanço. Nunca vi esse tipo de censura acontecer – mas lembro de já ter ouvido colegas relatarem ao menos um caso, o que quer dizer que é possível, não regra.
Isso não isenta a possibilidade da autocensura do crítico profissional manifesta em uma timidez ou um abrandamento do seu texto. Aí está um desafio a ser transposto a cada escrita, por cada um. (Acho que é disso que a Soraya fala também).
Dito isso, fico receosa do que é ser um crítico anódino, em última instância. Aí entram muitas formas possíveis de crítica, a da verve ácida, a do juiz, a analítica etc. Não quer dizer que eu não entenda que haja críticas anódinas, claro, muitas, por vezes caímos nisso, mas não sei se tem a ver com pudor no enfrentamento do contratante ou do artista ou se é falta mesmo de uma postura mais firme ou de mais certezas em relação à arte.
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Oi Soraya
Só pontuando, não invalido alternativas como as publicações que partam dos próprios grupos, como Traulito do Latão e o Cavalo Louco do Ói Nóis. Já publicamos textos da Bacante nos dois espaços e acho que é interessante pra discussão a partir do ponto de vista do grupo. Por mais que seja um espaço de discussão de ideias, a curadoria ainda vai ser do grupo. É nesse sentido que, mesmo achando válida a existência das publicações, elas também se limitam a essa curadoria.
Sobre a Beth, sempre gostei muito do trabalho dela como jornalista. Não sei como foi no processo da última peça do Vertigem, mas sei que o Vertigem tem uma larga história com dramaturgismo. Trabalhei por três anos com um dos dramaturgistas deles e, por conta da existência dessa pessoa no processo, consigo verificar o tamanho da complexidade das obras do vertigem. Os dramaturgistas, se fazem seu trabalho direito, colocam em crise de verdade, balançam processos, mudam caminhos. São poucos grupos que estão dipostos a esse tipo de embate. No cinema não tenho notícia de semelhante posição.
Em tempo, não vamos perder a perspectiva do ponto de partida da Lu: entendo que ela trata da disponibilidade de trabalhar em tempo integral com crítica, certo? E daí o problema da pouca relevância da crítica nos jornais e um pequeno respiro na internet. Digo isso porque tanto as publicações de grupo quanto a crítica de processo são financeiramente inviáveis. Ninguém vai sobreviver com a grana que venha disso, embora sejam sim alternativas.
Marcelo
Admiro tua fé no indivíduo que só aceita o trabalho com ampla liberdade e que faz por merecer, mas essa mirada a individualidades não dá conta de estruturas de longo prazo. Vou te dar um exemplo pelos festivais: criticou o que não pode criticar, como o patrocinador, a prefeitura, o ranger das cadeiras do teatro, no próximo ano não é convidado. Por melhor que seja a ação individual, as estruturas institucionais de festivais permitem esse tipo de julgamento moral do crítico. Julgamento e condenação, no caso. Aí tem quem jogue o jogo e tem quem procure outros esportes.
Sobre o a “única via possível”, eu deveria ter adicionado “pra mim”. Isso porque realmente acho que só poderia fazer crítica se fizesse parte de um processo. Mas sem dúvidas, você está correto, há outras vias. A própria existência desse espaço de discussão em que estamos, com pelo menos quatro pessoas a fim de discutir, já é uma via possível, além da crítica de processo e das publicações já citadas. Na real, quando falo que a circulação é central, ainda no primeiro comentário que deixei pra Lu, quis dizer que nós temos que fazer nossa própria circulação. Nós críticos, quero dizer.
Soraya de novo
Acho sensacional ver que há mais perspectivas de crítica de processo em BH que em São Paulo, mesmo havendo muito mais processos acontecendo aqui que aí. Sinal de que, além dos trabalhos legais que saíram nos útlimos anos, ainda outros virão, mais dialogados, pensados, enfim, críticos. No entanto, coloco mais como provocação a pergunta: até quando o convite a acompanhar os últimos ensaios também não é um embrulho de produto? Não há uma única resposta, mas há de novo um estranhar dessa posição do crítico que se aproxima quando o bolo já tem cheiro no forno, mas que não foi convidado pra definir a receita.
Só pra definir também contrapontos contigo e com o Marcelo, crítica de espetáculos ou filmes prontos, nesse momento, não leio nem busco. Enquanto não houver outros âmbitos de circulação pra peças e filmes, continuarei não me interessando pela crítica que vem nesse bojo. Mas entendo que há muito que analisar na obra pronta. Só não me interessa.
Lu
Não pegue seu exemplo individual de participação em festivais. A coerção acontece em outro nível, antes mesmo do convite acontecer. Foi isso que tentei salientar no comentário que fiz ao Marcelo.
Sobre a crítica acadêmica, embora ela pareça estar cada vez mais encerrada nas fileiras de bibliotecas de teses e não querer sair daí, críticas que contemplassem toda a produção da obra: processo, formatação, circulação, recepção e alterações posteriores, bem isso sim me interessa. Mas é raro, né? O trampo da Beth deve ficar legal nesse sentido.
Bem massa discutir com vocês. Parece algumas das discussões que temos no grupo de e-mail da Bacante.
Abraços.
Fabrício, vocês poderiam abrir algumas dessas discussões, não acha? Seria bem produtivo para nós que estamos de fora. Um beijo grande.
O limite entre público e privado é muito tênue. Uns 95% poderiam ser aberto. já uns 5% de achismo e maldizer têm que continuar sendo privados. Mas topo perguntar lá querem abrir um grupo de e-mails maior, pra compartilhar o que tiver a ver com crítica em geral, caso vocês também estejam dispostos.
A mim me interessa!
Falando do lugar do artista(apesar de às vezes eu me aventurar pela crítica, inclusive aqui no Blog), reparo que a figura do crítico entra em crise com a abertura virtual que retira do veículo impresso o status legítimo e oficial. Vejo isso como positivo, pois impulsiona uma mudança necessária na função do crítico e na sua relação com o artista/grupo/trabalho. Tenho a impressão de que a classe artística, em geral, alimentou uma espécie de medo/aversão da crítica, o que é muito justificável. Quando dedicamos 6, 8, 10 meses para a criação de um espetáculo e, após essa intensa experiência, tudo isso se reduz a um juízo de valor de cunho totalmente pessoal de 20 linhas, é algo frustrante e sabotador, seja elogioso ou não. E sabemos que muitos “críticos profissionais” usaram/usam deste lugar para exercer pequenos poderes e jogos de influência, já que possuem a credencial de “formador de opinião” (ocorre também com curadores, bancas de seleção, etc..)Isso é realmente muito perigoso e tem solapado a arte contemporânea. O que vemos hoje? Uma crítica bairrista em sua maioria, veículos oficiais que estampam em suas páginas sempre o mesmo grupo pequeno de artistas (vide Bravo!), fazendo serviço de divulgação e legitimação/imposição de estéticas, gostos e tendências limitados, ditados por um núcleo muito pequeno e recorrente de “formadores de opinião”. Por isso é positivo ver a pluralidade que o meio virtual proporciona, mesmo que repleto de superficialidades e equívocos, afinal, os “veículos oficiais” também sempre estiveram repletos disso.
O opinador que julga está, na maioria das vezes, tentando conformar tal obra de arte nas suas gavetas de entendimento e gosto estritamente pessoais. Presenciei poucos críticos que realmente foram assistir a espetáculos abertos a viver um experiência, disponíveis à proposta daquele trabalho, com um mínimos de escuta e respeito… É sempre uma série de mal entendidos, interpretações rasteiras, opiniões truncadas… Já vi inclusive análises feitas em cima de citações de falas que nem existiam no espetáculo…
Enfim, são muitas coisas… Mas para mim, a crítica se justifica quando propõe uma discussão terceira, que não está nem no espetáculo, nem na opinião pessoal de quem escreve. Um corpo novo gerado pela fusão entre a obra e a recepção, uma nova obra a ser lida e refletida… O espetáculo como ponto de partida para análise de algo que vai além da obra. E principalmente, o fruto de uma experiência, uma vivência.
E se muitos grupos não abrem seus processos de criação para críticos é porque muito de tão ruim já se fez com os resultados, que há uma certo pavor de que o crítico abale também o processo… Esta aproximação deve ser feita com muito cuidado, já que nem todo mundo está aberto a viver uma experiência despido de suas credenciais.
Bem rapidamente, pra manter o papo aberto.
Coletta diz: “Para mim, a crítica se justifica quando propõe uma discussão terceira, que não está nem no espetáculo, nem na opinião pessoal de quem escreve. Um corpo novo gerado pela fusão entre a obra e a recepção, uma nova obra a ser lida e refletida… O espetáculo como ponto de partida para análise de algo que vai além da obra. E principalmente, o fruto de uma experiência, uma vivência.”
Eu não podia concordar mais, então esse trecho dele responde a muitas das colocações que o Fabricio fez – e desta vez, Fabricio, entendi bem melhor o que você disse ainda lá no começo e compreende suas opções e visões, que merecem respeito por serem absolutamente embasadas numa visão muito clara daquilo que você busca e também do que você não busca. Apenas lamento que, eventualmente, você perca alguns bons textos devido a essa opção, mas acontece.
Ainda sobre críticos e processos de criação, insisto no ponto de que, se o artista abre o espaço pro crítico acompanhar, a coisa ganha outra configuração, inclusive, talvez, deixando de ser CRÍTICA para ser outro tipo de reflexão. A Beth Néspoli nunca mais vai conseguir fazer uma crítica (no sentido estrito da acepção da palavra) sobre a peça do Vertigem, porque ela tem outra relação com o espetáculo. Ela fará mil outras coisas tão ou mais interessantes, mas não mais uma crítica.
Então, falando de orelhada, nem acho que grupos ou afins deixem de abrir seus processos de criação por traumas com críticos, mas porque, ao abrirem, estarão definitivamente em outro processo, mesmo que eles não tenham essa consciência.
Fabricio, sobre o lance da minha “fé no indivíduo”, eu corrigiria algo essencial: eu não tenho “fé”, talvez a expressão fosse “compromisso do indivíduo”. É claro que existem todas as pressões que você citou e evidentemente (eu vejo isso bem de perto) alguns profissionais seguram a onda para garantirem o convite do ano que vem. Mas, sinceramente, se a coisa vem com franqueza, é melhor a franqueza do que a passada de mão. O sistema é injusto e do mau, mas não dá pra se dobrar. E paga-se o preço por isso. Eu já paguei algumas vezes, tenho colegas que pagam até hoje. Mas acho que todos nos sentimos melhor assim. O crítico enquanto profissional não tem que ser amigo de instituições, artistas, eventos, criadores. É uma utopia, esse distanciamento, e tem variações em todos os níveis, mas isso não impede que a gente – ao menos quem tenta desenvolver um trabalho sério – possa tentar se aproximar ao máximo do ponto ideal.
Correções:
– “Fabricio, entendi bem melhor o que você disse ainda lá no começo e COMPREENDI suas opções e visões”
– “O sistema é injusto e do MAL, mas não dá pra se dobrar”
Pois é, sobre isso que o Marcelo falou de a crítica feita de dentro ser outra coisa… eu ainda concebo o crítico como um olhar de fora. O outro do espetáculo. Um espectador. E acho esse olhar de fora fundamental.
É Marcelo, nisso que você disse sobre a Beth concordamos. Talvez, quando eu esteja definindo de maneira tão cerrada e estrita essa relação de que necessito para escrever sobre uma obra (diga-se, participar do processo), talvez não esteja falando mais de crítica. Talvez seja outra coisa, cujo nome não me ocorre. Diria dramaturgismo, mas também não é isso. Enfim, loading…
Este comentário foi removido pelo autor.
O texto e as discussões me fez pensar em um monte de coisa a respeito da crítica produzida na internet e o que ela está colocando em crise de fato.
Tenho mais perguntas e provocações que conclusões de fato e como a discussão tá boa vou colocar umas coisas que ainda não foram tocadas.
O que vejo na grande maioria dos sites que produzem crítica para internet é uma reprodução do que se escreveria em um veículo impresso em um veículo virtual. Quais as possibilidades que a internet oferece e que são de fato aproveitadas no diálogo crítico? Desde 2007 a crítica teatral mostra sua cara na internet e o que foi feito até então que dialogasse forma e conteúdo com esse mundinho virtual? Se grande parte do que é produzido poderia ser impresso e colocado num jornal, revista, livro, por que ainda continuar na internet? Só porque é mais barato? Se imprimirmos tudo o que se produz na internet de crítica teatro e separarmos em três grande blocos (escritos heliodorianos, acadêmicos e camomilas), o que vai sobrar no quarto bloco solitário sem etiqueta?
Quando a Luciana fala do escasso diálogo entre criadores e críticos na internet, fico pensando no crítico está fazendo para que esse diálogo ocorra. Há essa preocupação em quem escreve e publica a crítica? Nos jornais e revistas impressos não há a possibilidade do “deixe o seu comentário”, então como lidar com esse espaço embaixo da crítica? Ser um provocador ou ser anódino, eis a questão! De que modo os comentários abaixo de fato colaboram com a crítica (vide esse texto, em que a discussão potencializa o assunto ene vezes).
Qual a diferença entre alguns prêmios de sites de crítica e todos os outros prêmios como o Shell, APCA, etc? Fazer um prêmio não é compactuar com o “indico” ou “não indico”, dando um selo de “você é melhor que todos os outros”, ou colando as 5 estrelinhas na testa das pessoas ao invés de colocar no final da crítica? Tá, eu também quero ser muso do Teatro do R7!
E vamos nos falando.
Beijos.
Hehe.. Me identifico com o Emiliano.
Queridos,
Quando nos perguntamos “como viver” de algo ou como ter “estabilidade financeira” a partir de uma determinada atividade, no nosso tempo, estamos nos perguntando quem será nosso patrão – ainda que uma das possibilidade é que sejamos nós mesmos. A mesma pergunta se fizeram e se fazem os artistas, não? Na atividade teatral também é uma minoria de artistas que conquista “viver disso”, ou seja, ganhar dinheiro suficiente pra pagar suas contas fazendo uma atividade que considera importante e, por que não, prazerosa.
Como em qualquer atuação em que tenhamos “fé” nos nossos dias, considerando como vocês já citaram o nosso jeito-de-viver-e-organizar-a-vida, não consigo ver conciliação entre uma motivação transformadora pra fazer o que se faz e uma necessidade de manter-se, comprar coisas, comer e pagar contas. O que quero dizer é que a discussão pode ficar mais clara se separarmos as coisas: o que queremos com a crítica teatral? Do que achamos que ela pode ser capaz? Qual é nossa militância? são perguntas de um âmbito. Como vamos pagar nossas contas? são perguntas de outro âmbito. Quando misturamos, quase sempre, justificamos uma coisa pela outra. Talvez não seja mesmo possível ganhar dinheiro com algo que seja sua militância, talvez isso seja a grande qualidade do que fazemos. Talvez seja possível ganhar algum dinheiro, mas se for será aos trancos e barrancos, nas brechas. Isso tem uma lógica bastante clara, acho: se o que fazemos é de alguma maneira militante, potencializador, transformador ou qualquer dessas coisas estará numa lógica diversa da lógica do lucro, da venda da força de trabalho, da venda de um produto. Por isso o exercício de fazer essa conciliação é tão dolorido e impossível.
Com relação à Internet, continuo pensando que se queremos usá-la como meio é inadmissível que essa escolha seja só por que não conseguimos espaço nos outros meios! Isso é muito pouco! É medíocre diante do universo de possibilidades que a rede oferece. Penso que quem quer se dedicar a um trabalho realizado para ser veiculado pela Internet deve se deslocar até esse universo de maneira mais verdadeira. É tipo fazer teatro DE rua ou NA rua, sabem? É fazer uma crítica pensada pra Internet como meio ou fazer na Internet só porque não tinha outro lugar com melhor estrutura e circulação e grana…
Finalmente, acho que, embora a Bacante esteja inativa atualmente, temos, em mais de 500 postagens, experiências de dois exercícios mencionados aqui: 1. Experimentar a Internet como meio; publicar conteúdos que só poderiam existir na Internet e são potencializados por ela e suas características específicas. 2. Dialogar com público e categoria artística, em textos que foram incrivelmente complementados, corrigidos e até mesmo reescritos no diálogo dos comentários. Queria poder colocar alguns links aqui, mas não posso dedicar esse tempo agora. Se tiverem paciência, dêem uma navegada… se não, assim que der, coloco aqui alguns exemplos mais legais de que eu puder me lembrar.
Ah. Outra coisa que tenho visto e que vocês comentaram meio por cima são experiências incríveis na crítica de arte realizada a partir da universidade que extravasam as prateleiras das bibliotecas, mergulham na vida e na prática produtiva cotidianas e questionam até mesmo os formatos dos resultados acadêmicos exigidos… mas isso é tema pra mais muuuitos parágrafos..
Beijos e suerte nas tentativas e escaladas da vida, Lu!
Juli =)
Voltei aqui e li o texto da Juli, que tinha passado sem atenção pro mim. Fiquei encucada com essa parte: O que quero dizer é que a discussão pode ficar mais clara se separarmos as coisas: o que queremos com a crítica teatral? Do que achamos que ela pode ser capaz? Qual é nossa militância? são perguntas de um âmbito. Como vamos pagar nossas contas? são perguntas de outro âmbito. Quando misturamos, quase sempre, justificamos uma coisa pela outra.
Não faz sentido pra mim, em absoluto, militar na crítica de teatro e pagar conta com outra profissão eticamente oposta a isso, como a publicidade. É de uma falta de congruência que eu, muito pessoalmente, sou incapaz. Aí fico sem resposta. Porque vou continuar buscando formas congruentes de sobreviver e militar, coerentemente. Não vejo outra maneira de sustentar isso.
Emiliano, achei esses três rótulos aí um tanto reducionistas, meio helidorianos, heim? rs
heliodorianos… qual seja.
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