– por Marcos Alexandre
Cadeira…
Cadeiras…
Cadeiras e mais cadeiras…
Um emaranhado de cadeiras…
Um cenário de cadeiras…
Dois atores, cadeiras…
Um casal de atores e cadeiras…
Ítalo Laureano e Rejane Faria, rodeado por cadeiras…
Esta é a cena com a qual nos deparamos, como espectadores, para assistir a Ignorância, o novo espetáculo do grupo Quatroloscinco – Teatro Comum[1], no Galpão 3 da Funarte – MG, e essa mesma cena/imagem se repete na sala do Teatro João Ceschiatti, do Palácio das Artes um mês depois da estreia oficial da montagem.
Já um pouco distanciado no tempo e no espaço, eis-me aqui sentado, na “cadeira” de minha sala, lugar onde estudo, reflito e produzo meus textos, e, a partir do qual, escrevo sobre Ignorância, este instigante novo texto dramático/espetacular do grupo Quatroloscinco, que estou tendo o privilégio de apresentar nestas linhas as minhas impressões.
Em primeiro lugar, devo agradecer a Marcos Coletta pelo convite e pela confiança que me foram depositados para deixar aqui impresso o meu olhar sobre o trabalho do coletivo que tanto admiro e a quem venho seguindo desde o seu surgimento. No primeiro momento, no espaço acadêmico, para, logo depois, ganhar os palcos da cidade, que os levou para outros estados e países apresentando suas montagens: É só uma formalidade (2009), trabalho gestado dentro do curso de teatro da UFMG, mas surgindo oficialmente, em 2008 como uma cena curta apresentada no Projeto Cenas Curtas do Galpão Cine-Horto; Nada Aconteceu (2010), que surge por meio de uma parceria com a Cia. Clara, com direção de Anderson Aníbal; Outro Lado (2011); Get Out! (2013), solo de Assis Benevenuto; e Humor (2014). Em segundo lugar, não posso deixar de parabenizar o grupo pelo esforço contínuo para realizar a publicação de suas peças[2] num contexto em que os editoriais brasileiros demonstram tão pouco interesse em investir em publicações teatrais, visto que a dramaturgia, quase sempre, não traz lucro para investidores e, muito menos, para as editoras.
Voltando o foco para o texto Ignorância, a dramaturgia de Assis Benevenuto e Marcos Coletta nos faz pensar em questões que estão eclodindo em nossa contemporaneidade: qual o lugar dos sujeitos em nossa sociedade? Como decodificar a “metáfora” da IGNORÂNCIA proposta? Como se entrecruzam os aspectos relacionados como o “real” e o “ficcional”? Quais as urgências que estão por detrás do subtexto da IGNORÂNCIA? As respostas a estas perguntas são trabalhadas no texto dramático – e, por sua vez, no espetáculo – em forma de provocações que propiciam que o leitor/espectador possa se ver representado por meio das cenas, estabelecendo as suas próprias reflexões.
Neste sentido, podemos afirmar que o texto dramático e a montagem realizada pelo Quatroloscinco abrem um leque de possibilidades de leituras. O texto está dividido em sete partes bem significativas: “As cadeiras”, grande mote do espetáculo e eixo norteador destas reflexões; “Negro amor”; “A reunião de pais”; “Os cientistas”; “A galeria de Arte”; “A fronteira” e “O homem da bola”. É interessante observar que estas partes – que também poderíamos nomear como “cenas”, “imagens”, “movimentos”, “percursos”, “quadros”, “[sub]atos” etc. –, em princípio, poderiam ser vistas como desconexas. No entanto, o que se nota é que o melhor do texto – característica que, na montagem, ainda se torna mais inerente – se “personifica” justamente nas conexões que o leitor/espectador precisa executar para estabelecer a tessitura dramatúrgico-cênica proposta por ambas as linguagens, ou seja, a dramatúrgica e a espetacular.
É a partir desta premissa que considero fundamental “ler” a peça em sincronia, e em sintonia, com a sua montagem; e este privilégio é o que me permite compreender como, neste trabalho do Quatroloscinco, o texto se enaltece com a proposta espetacular realizada pelos seus integrantes. Se Assis Benevenuto e Marcos Coletta, por meio de uma escrita a quatro mãos, dão vozes às latentes “ignorâncias” sociais às quais nos submetemos e das quais somos partícipes, seja agentes ou pacientes; Ítalo Laureano e Rejane Faria corporificam e presentificam[3] as inúmeras “cenas” em que momentos de “insensatez” são trazidos para o espaço cênico, remetendo-nos a algumas passagens de nonsense e que se aproximam da estética do absurdo.
Esta construção dramatúrgica e cênica aparece, a título de exemplo, na cena “A reunião de pais”, a partir da qual os atores simulam um jogo ágil e performativo em que várias “cadeiras” são ressignificadas, assumindo, assim, as supostas identidades de diferentes pais e mães. O que se vê e é reverberado no jogo cênico/textual é, de um lado – “cadeira” – a figura de um pai que conversa ao telefone, e, do outro, uma mãe (que se desdobra em várias outras mães) que participa de uma reunião escolar em que o tema é o comportamento do filho. Buscando ressignificar e decodificar as metáforas da[s] “cadeira[s]”, poderia argumentar que tudo parte da angústia de uma das mães que vê um desenho de seu filho e, nesta suposta reunião escolar, se dá conta de que não “conhece” o seu filho, que tem hábitos, no mínimo, estranhos e que beiram a psicopatia. De forma bem-humorada – lembremos que o humor é uma característica comum nos textos/montagens do Quatroloscinco –, o leitor/espectador vai se inteirando que há um desvio de caráter nas atitudes supostamente “inocentes” da[s] criança[s] ali presente[s] e tudo isso vai sendo desvelado com uma leve pitada de ironia que vai se delineando nos discursos pronunciados pelas personagens/“cadeiras”.
MÃE DE ÍCARO – Ícaro sempre foi um garoto tranquilo e normal. Somos uma família normal, linda, presente, não temos problema com álcool, doenças, essas coisas.
PSICOPEDAGOGA – Vocês pertencem a alguma religião?
MÃE DE ÍCARO – Não, quer dizer, não especificamente, mas isso não é um problema para nós. A gente convive com amigos de diversas religiões, que frequentam nossa casa, os filhos dos amigos… aqui mesmo na escola, que é uma escola…
PSICOPEDAGOGA – Católica.
MÃE DE ÍCARO – Católica. (Chora). Não sei por que Ícaro começou a fazer esses desenhos… (Olha para um desenho em suas mãos e chora de desespero)
PSICOPEDAGOGA – Calma, estamos aqui para conversar sobre isso, não é mesmo gente? É fato que esses desenhos têm assustado um pouco alguns de nós. Esse desenho do gato sacrificado?
MÃE DE ÍCARO – (Ela se assusta) Eu não sei o que dizer.
PSICOPEDAGOGA – Vocês têm animais em casa?
MÃE DE ÍCARO – O nosso gato de estimação desapareceu… Procuramos por toda a vizinhança. Pensamos em tudo… Gatos são animais de alma selvagem, talvez pudesse ter ido embora, ou um atropelamento… Nessa semana eu fui arrumar umas coisas na garagem encontrei o gato.
PSICOPEDAGOGA – Que bom!
MÃE DE ÍCARO – Ele estava morto. Será que esse desenho… Oh meu Deus, será que foi Ícaro que/
PSICOPEDAGOGA – Olha, senhora, crianças matam animais de estimação. Digo, acidentalmente, claro. Eu mesma quando era crian… Mas o que parece um tanto estranho são esses desenhos do Ícaro. Todos envolvem pedaços de corpo, ou tipos de carne, ou sangue… Ele desenha quase tudo com o lápis da cor vermelha, ou tons parecidos.
MÃE DE ÍCARO – Ele adora artes.
PSICOPEDAGOGA – A professora de artes elogiou bastante seu filho. Mas esses desenhos são da disciplina do ensino religioso.
MÃE DE FLÁVIO – Olhe para este.
PSICOPEDAGOGA – Sim. Uma criança bebendo um copo de leite tirado de uma vaca. No entanto, a cor do leite que sai das tetas da vaca é vermelha.
MÃE DE ÍCARO – Da mesma cor do líquido que está dentro do copo que a criança bebe!
PSICOPEDAGOGA – E esta vaca?
MÃE DE ÍCARO – O que tem? (Ela observa o desenho) Parece que falta uma perna nessa vaca!
Neste hipotético jogo de “troca de cadeiras” a partir do qual as várias mães passam a discutir a atitude o garoto Ícaro, são trazidas para a cena ações do cotidiano escolar que não encaixam com o modelo social pré-estabelecido. Como naquele jogo de retirar as “cadeiras”, vai sendo trazido à tona parte “obscura” daqueles sujeitos que preferem fazer vistas grossas às evidências que se personificam à sua frente: a mãe que não conhece o seu filho, os pais que não se importam com a educação dos filhos, pois têm outras prioridades para preencherem o seu cotidiano – trabalho, dinheiro, poder etc. – impossibilitando que voltem o olhar para a família; a escola que não consegue cumprir com o papel de “educar” e acaba sendo omissa, negligenciando o seu lugar de fala. IGNORÂNCIAS?…
Outro momento primoroso do texto/espetáculo se concretiza no quadro[4] “A galeria de Arte”. Mais uma vez, o grupo recorre ao uso do humor como estratégia de composição dramatúrgica e espetacular. Não obstante, o riso aqui é mais exacerbado. O leitor/plateia se delicia com o encontro de duas personagens representantes de duas classes sociais distintas e que acabam imprimindo as suas “origens” por meio dos discursos: “Ruídos de móveis que se arrastam pelo chão. Os atores manipulam cadeiras e transformam a cena em uma galeria de arte. Uma das cadeiras está em destaque. Duas pessoas que não se conhecem observam as obras expostas no espaço.” (BENEVENUTO, COLETTA, 2015, sp). Uma Artista e um Eletricista.
Ela é excêntrica, “antenada”, inteligente, viajada, escritora, fotógrafa, ativista, conhecedora de Arte e frequentadora de museus. Ele é simples, humilde, de pouca instrução, pinta como hobby e é a primeira vez que se atreve a entrar num museu, por acreditar que aquele lugar tem algo de “sagrado” que, em princípio, não condizia com a condição social. Por meio de um diálogo rápido e cheio de “desencontros discursivos”, a dramaturgia vai nos colocando diante de duas representações de mundo completamente antagônicas. Ela o depositário dos “saberes”, do “conhecimento”; Ele o prospecto da “ingenuidade”.
ARTISTA – Me desculpe, eu não queria te chatear! É que essa artista me inspira muito. E eu fico assim… empolgada!
ELETRICISTA – Você trabalha aqui?
ARTISTA – Não. Mas venho sempre, você já deve ter me visto nos corredores.
ELETRICISTA – Não. É a primeira vez que eu entro aqui.
ARTISTA – Sério? Que legal!
ELETRICISTA – É. Eu passo aqui em frente todos os dias e nunca entrei.
ARTISTA – E por quê?
ELETRICISTA – Por que eu trabalho no quarteirão de cima.
ARTISTA – Não. Porque nunca entrou?
ELETRICISTA – Não sei… Hoje eu saí mais cedo. E decidi entrar. Eu achava que pagava para entrar.
ARTISTA – E está gostando?
ELETRICISTA – É… É legal.
ARTISTA – Legal?! (para o público) Legal… Victoria Bergman, legal. Uma das artistas mais inventivas e provocativas da arte contemporânea nos últimos vinte anos, legal…
ELETRICISTA – (…)
ARTISTA – Eu estou pensando em fazer um mestrado sobre ela…
ELETRICISTA – Mestrado?
ARTISTA – Realizando um recorte temático de sua fase mais política, que começa com a série de não objetos pictóricos, em relação às tensões sociais ocorridas na Europa na última década, imigração, ataques terroristas, estas coisas.
ELETRICISTA – Eu não entendo o que a senhora diz… (BENEVENUTO, COLETTA, 2015, sp)
Neste jogo de um suposto diálogo diante de um objeto de arte, uma instalação digna de uma artista de renome internacional – uma cadeira calçada por uma folha de papel dobrada em várias partes –, os diálogos vão se estreitando e, por sua vez, as diferenças vão se aguçando e, neste atrito discursivo e irônico, o humor vai em um crescendo delineando a cena:
ARTISTA – Não você, exatamente, mas gente como você. (Para o público) É que é muito bom quando um lugar como esse, a princípio tão específico, para alguns até elitista, coisa que eu não concordo, não mesmo, é visitado por pessoas comuns, ordinárias, que nada têm a ver com a arte. É neste momento que este lugar mostra sua missão, a sua funcionalidade, afinal, para que serve a arte se não para interferir diretamente na vida das pessoas comuns, não é?
ELETRICISTA – E fica assim sempre vazio?
ARTISTA – Vazio?
ELETRICISTA – É… eu não contei nem 40 pessoas. Para um espaço tão grande… (BENEVENUTO, COLETTA, 2015, sp)
As palavras e os discursos da Artista que, em princípio podem ser associadas com elucubrações sobre o seu olhar diante do objeto obra de arte, “cadeira”, vão tomando ares de derrisão. “Isso não é uma cadeira”[5], o Eletricista não tem “propriedade intelectual” para vê-lo e, muito menos para apreender todo o discurso hermético e verborrágico que lhe é despejado:
ARTISTA – Você entende… Você é incapaz de diferenciar significado de significante, obra de objeto. Você não sabe o que é reprodução, mímesis, mediação simbólica. Arte não é matéria, arte é conceito e isso você nunca vai entender. E se você não consegue compreender isso, você nem deveria ter entrado nesse museu. Você jamais será um artista… Jamais. Artistas são pessoas diferenciadas, brilhantes, iluminadas, e você jamais será um. E se você não sair daqui agora, eu vou fazer um escândalo. Eu vou dizer que você queria roubar esta obra. Não, pior, vou dizer que você tentou me obrigar a sentar nesta obra para abusar sexualmente de mim em cima dela.
Ela se senta na obra e simula uma relação sexual com a cadeira, criando uma situação embaraçosa para todos os presentes até o limite do constrangimento.
ELETRICISTA – Senhora… Senhora… Senhora… (BENEVENUTO, COLETTA, 2015, sp)
Não posso deixar de destacar que o humor aqui busca reflexão e autocrítica: quantos de nós não nos prendemos a discursos construídos pelo Outro sem nenhum questionamento e saímos propagando, muitas vezes, opiniões equivocadas, sexistas, ingênuas, não fundamentadas e por aí vai… “A[O] artista está presente” já nos provocou e nos levou a muitas ponderações, com suas obras performáticas, Marina Abramovic[6]. O que significaria na nossa contemporaneidade “estar presente”? Em que sentido estamos e nos vemos presentes? Até que ponto se legitima e é legitimado o conhecimento? Quando ignora a reciprocidade de resposta do Outro? IGNORÂNCIA?!…
Dentro desta perspectiva, o riso do leitor e/ou da plateia vai sendo também ressignificando. Se, em princípio, durante a representação da peça, escutamos risadas tímidas que se tornam fortes até se converterem em gargalhadas da plateia; em seguida, escutamos risos esparsos, nervosos, incomodados… A metáfora da “ignorância” é decodificada.
Não posso deixar de retomar a importância do cenário, que é construído basicamente por cadeiras. Deparar-se com todos os tipos e formatos de “cadeiras” – novas, usadas, sem pés, semidestruídas – e poder observar a sua ressignificação no espaço cênico, de objeto a personagem; de signo a macrossigno: “sujeitos cadeira”, “identidades [em forma de] cadeiras, cadeiras memória, “cadeiras sociais”, “cadeiras da vida”. A “cadeira” potencializa as ações e as partituras dos atores, que, utilizando um figurino simples – jeans e camisa “casual” –, se integram ao cenário e demonstram a que vieram. Ambos os atores executam um ótimo trabalho em cena. Chamam-me a atenção o trabalho vocal e as partituras corporais, os momentos de entrada nas personagens “cadeira” e delas se distanciarem. Ítalo Laureano revela sua potência vocal na cena “Negro Amor”, momento em que canta a versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti de “It’s all over now, Baby Blue”, de Bob Dylan. Por sua vez, Rejane Faria emociona o público quando empresta a sua voz e talento interpretando um gospel – canção negro spiritual – norte-americano tradicional. O mais interessante é que esta música integra, no texto, o quadro “A fronteira”, momento em que os dois atores personificam duas personagens – um Homem Branco e uma Mulher Negra – que discutem sobre os seus “lugares no mundo”: “Ítalo deita todas as cadeiras no chão, como um grande mar de entulho (ou corpos). Ele se senta no fundo do palco lateralmente, Rejane se senta à frente, virada para o público.” O Homem Branco, por meio de um discurso interrogatório, demonstra à Mulher que Ela não cabe naquele “lugar”. As perguntas são excludentes, repletas de preconceitos e de juízo de valores conservadores, tudo para reafirmar que os espaços ali já estão delimitados, legitimados e têm donos. A dramaturgia assume um posicionamento étnico e de gênero quando os autores dão voz à personagem feminina, indicando, na rubrica do texto, que se trata de uma Mulher Negra.
MULHER NEGRA – Nós esperamos o pior.
Há séculos, nós sempre esperamos o pior.
Nós estamos à deriva.
Nós não podemos, não queremos esperar mais.
Nossos filhos estão mortos.
Nossos animais foram abatidos.
Nossas terras estão desertas.
Nossos recursos, nossos meios de sobrevivência. Não existe mais nada.
Mas ainda estamos vivos.
Nós ainda estamos vivos.
Nós sabemos de tanta coisa que vocês nem imaginam. Vocês ignoram.
Atrás de nós existem milênios.
A memória… A memória dói, mas ensina.
E eis-nos aqui de novo…
As coisas mudam, e estamos aqui outra vez.
Passivos como os espelhos, no tear da nossa existência.
O nosso amanhecer, a nossa perseverança é como a erva daninha que lentamente desponta na pedra.
A dor que mora em mim, é a que vejo no corpo dos outros.
Zeca, Ernesto, Calembera, Silva, Chimutengue, Dunduma, Zuzé, Tafari, Juana, Arlindo, Naguimba, os Tavares, os Muteias…
Existe um mar cheio de corpos.
Você tem medo de nós?
Vocês têm medo de nós?
Steal Away.
Steal Away.
Steal Away to Jesus.
Steal Away.
Steal Away home.
I ain’t got long to stay here.
My lord, he calls me.
He calls me by the thunder.
The trumpet sounds within my soul.
I ain’t got long to stay here. (BENEVENUTO, COLETTA, 2015, sp)
Memórias e identidades são recuperadas no discurso da personagem/atriz – Mulher Negra/Rejane Faria (atriz e negra), demonstrando a preocupação dos dramaturgos e do grupo com as questões sociopolíticas. Assim, mais uma vez, os presentes são convocados para colocar as suas experiências pessoais e coletivas em jogo. O “real” e o “ficcional” se entrecruzam, ou seja, a ficção invade e interage com o factual…
Ao final do texto/espetáculo o ator/personagem, Ítalo Laureano, indaga: “Foi difícil chegar até aqui?”
Um longo black out.
O espetáculo se encerra, mas a dramaturgia se propaga… Todos são convidados a deixarem as suas “cadeiras” para tomar os seus destinos: ir para casa ou para onde quer que seja. A ideia que fica é que cada um possa refletir sobre como o texto/espetáculo chegou para…
Como para mim, seguindo e corroborando os argumentos de Patrice Pavis, texto e montagem são nada mais que linguagens que integram o texto espetacular, daqui, de minha “cadeira”, só posso ratificar a qualidade do trabalho e convidar o leitor a chegar da forma mais profícua que lhe for conveniente – reflexiva, mas também prazerosa – a esta nova criação do Quatroloscinco – Teatro Comum…
[1] Coletivo formado por Assis Benevenuto, Ítalo Laureano, Marcos Coletta, Rejane Faria e Maria Mourão. Mais informações sobre o grupo estão disponível no site http://www.quatroloscinco.com/.
[2] Há que se destacar que as peças É só uma formalidade, Get out! e Humor já foram, anteriormente, editadas pelo grupo.
[3] No sentido de “presentação”, aqui entendido, na linguagem da performance, como um processo em que o mote criativo dos performers se dá por meio da manifestação de suas subjetividades em cena, em tempo real. Trata-se da construção de personas, e não de personagens, já que estes estão circunscritos no tempo-espaço da ficção.
[4] Proponho, aqui, o uso deste vocábulo “quadro” para fazer alusão à cena/ato representada[o].
[5] Não posso deixar de associar tudo isso com a série de pinturas do belga René Magritte (1898-1967) intitulada A Traição das Imagens (La Trahison des Images), fazendo menção a seu trabalho mais famoso, Isto não é um Cachimbo (Ceci n’est pas une Pipe), que causou tanta polêmica devido a um olhar de um aparente nonsense: vê-se um cachimbo e se afirma que o que ali se vê não se trata de um cachimbo.
[6] Uma das influências mais marcantes e polêmicas quando tratamos das artes performáticas. Vale a pena conferi o documentário da artista/perfomer disponível em https://www.youtube.com/watch?v=6FOfFW7AjLc (acessado em 11/12/15).