Por Soraya Belusi
Na revista em que registra os processos criativos vivenciados com Eid Ribeiro, o Grupo Trama ressalta que, em “John e Joe”, lhes interessava particularmente o obstáculo que a palavra falada lançava. Desafio elevado à potência do jogo textual na obra, até então, inédita no Brasil , de Ágota Kristof, que marcou o terceiro espetáculo da parceria entre o coletivo e o diretor mineiros.
O ator Epaminondas Reis (Foto de Paulo Teotônio) |
Composta quase que matematicamente, a dramaturgia de “John e Joe” encontra ecos evidentes da linhagem de autores do teatro do absurdo, que reconhecidamente colocavam em crise, na forma e no conteúdo, as percepções de linguagem. Em um momento histórico em que a humanidade repensava radicalmente suas fundamentações, crenças e valores, a inadequação da linguagem deixa de se tornar apenas tema para ganhar dimensões também estruturais dos textos dramatúrgicos.
Não é de se espantar, portanto, não apenas que estes dois vagabundos que levam a vida a pisar em cacos, curtidos pelo álcool e pelo peso do tempo na mesa de um bar, tragam a herança de Vladmir e Estragon, que agora já sabem o que fazer enquanto esperam: tomar dois goles de conhaque. Assim como no “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, autor pelo qual Eid notadamente nutre grande admiração e com o qual Ágota Kristof dialoga diretamente nesta obra, o texto é composto por frases curtas, sequências de perguntas e respostas, repetições com pequenas variáveis, criando um jogo permanente com a noção de tempo e de espaço.
O ator Chico Aníbal (foto de Paulo Teotônio) |
A exuberância do trabalho físico e cômico que marca a trajetória do Trama abre espaço para a contenção. Eid, sabiamente, opta por trazer à cena o humor que reside no próprio absurdo da situação, no jogo de palavras, na contenção dos movimentos e na precisão de seus silêncios. A herança do circo tradicional, tão cara à linguagem do diretor, aqui volta a aparecer, mas não como elemento lúdico e, sim, como característica da relação e da característica dos personagens, que não se permitem serem lidos pelo psicologismo e, sim, pela relação entre eles.
A concepção do espaço nos remete a um bar de qualquer época, em qualquer lugar, entregue ao abandono, assim como os personagens que o habitam. O único sopro de vida parece vir de uma antiga jukebox. O garçom, que parece ser mero espectador da imobilidade e da resignação de seus clientes, funciona habilmente como uma comentador da cena, estabelecendo uma relação direta (e discreta) com os espectadores, como se os lembrasse o tempo inteiro de que eles também estão ali.