por Luciana Romagnolli
“O Espelho”. Fotos de Annelize Tozetto. |
Em sua empreitada para definir o teatro sem desconsiderar que essa arte passa por um processo de desdelimitação na contemporaneidade, o ensaísta e dramaturgo argentino Jorge Dubatti identifica uma estrutura matriz singular que o diferencia de outras manifestações culturais também fundadas na representação, como o cinema e a televisão: “o resgate do convívio”, isto é, “a reunião sem intermediação tecnológica – o encontro de pessoa a pessoa em escala humana”. Para ele, o teatro é um acontecimento da cultura vivente e concreta, de modo que “necessita participar da realidade e separar-se dela para ser”.
Em Curitiba, o local de apresentação (se é que o termo cabe neste caso) foi o gramado do Bosque do Papa. Em torno de uma mesa de café da manhã, o público e as atrizes convivem pelo tempo do espetáculo. A situação potencial é a de uma conversa conjunta à qual todos contribuam com memórias pessoais, estimulados pelas recordações narradas pelas atrizes. Essa é uma negociação difícil, complexa, porque demanda do espectador uma participação espontânea, que lhe exige tomar a palavra, e à qual ele está completamente desabituado, e até desautorizado, no teatro em geral. Como romper a hierarquia entre plateia e atores – esse “povo em pé”? Será possível? Ou será possível mesmo dentro do esquema hierárquico libertar a voz do espectador para que ele possa agir sem necessitar de um comando específico?
Sim, porque é notável como o grupo em nenhum momento inquire o espectador, não lhe direciona nem uma pergunta que pudesse autorizá-lo ou ordená-lo a responder. Abdica desse recurso que poderia disparar a conversa com muito mais facilidade para manter em questão a possibilidade de o público tomar por si essa iniciativa e tornar-se, também, metaforicamente, “o povo em pé”.
Na apresentação da manhã de sábado (30 de março de 2013) em Curitiba, a conversa tardou e se seguiu tímida, revelando a dificuldade de vencer essa convenção que interpõe uma imaginária quarta parede entre atores e espectadores mesmo quando partilham a mesma mesa.
Contudo, foi perceptível (por gestos, sorrisos, movimentos de cabeça, murmúrio) o quanto, mesmo calados, os espectadores mobilizavam recordações particulares e processavam, internamente, um diálogo mudo com o tecido sensível da memória familiar proposto pelo grupo. Essa capacidade de tornar o espectador emocional e intelectualmente ativo em meio a uma atmosfera afetuosa é um enorme feito do Opovoempé, como já havia demonstrado em “A Festa”.
“O Espelho” também desperta para o contraste da percepção e experiência do tempo cotidiano por aquela geração e pela nossa, usando para tanto obsoletas fitas K-7 que os espectadores ouvem em meio ao gramado, sensibilizando-se para as idades e individualidades que se expressam ali; e simultaneamente sendo confrontado com a diferença da passagem do tempo experienciada normalmente num espaço urbano e num espaço bucólico, como aquele para onde convida o público.
O que poderia ser melhor desenvolvido no espetáculo é o fim dado às perguntas que o espectador é incitado a escrever em papeizinhos. Embora a leitura por ondem cronológica de idade proporcione uma dimensão da trajetória de uma vida, torna as questões em si meramente anedóticas, desperdiçando um material pessoal que o espectador mobilizou.
*Espetáculo visto no 22º Festival de Curitiba, em 30 de março de 2013.
Olha que interessante o que a diretora compartilhou no link acima:
Entre algumas das situações, tivemos:
– uma platéia muda, altamente especializada de jornalistas, críticos e curadores, onde todos se conheciam profissionalmente, mas onde encontrei olhares eloqüentes e recebemos belas perguntas.
– uma platéia tímida, enquadrada pela invasora e inesperada presença de um canal de televisão com sua imensa câmera e onde senti a palavra paralisada, frustrada por não sair.
– uma platéia lá em casa, animadíssima e bem humorada, onde amigos se chamavam pelo nome, rodeada por pessoas em pé que intervinham igualmente.
– uma platéia cavalo doido, dessas que desembestam em suas próprias direções, que corre como um rio com vida própria, e onde cabia aos performers direcionar sutilmente um fluxo que se abria incessantemente para outras dramaturgias.
Olha que interessante o que a diretora compartilhou no link acima:
Entre algumas das situações, tivemos:
– uma platéia muda, altamente especializada de jornalistas, críticos e curadores, onde todos se conheciam profissionalmente, mas onde encontrei olhares eloqüentes e recebemos belas perguntas.
– uma platéia tímida, enquadrada pela invasora e inesperada presença de um canal de televisão com sua imensa câmera e onde senti a palavra paralisada, frustrada por não sair.
– uma platéia lá em casa, animadíssima e bem humorada, onde amigos se chamavam pelo nome, rodeada por pessoas em pé que intervinham igualmente.
– uma platéia cavalo doido, dessas que desembestam em suas próprias direções, que corre como um rio com vida própria, e onde cabia aos performers direcionar sutilmente um fluxo que se abria incessantemente para outras dramaturgias.