:: Por Soraya Belusi ::
Teatro infantil, teatro para crianças ou teatro para infância e juventude são terminologias adotadas para determinar o público a que se destinam e não, como muitas vezes consideramos no senso comum, uma forma de se fazer teatro, um gênero ou uma estética. Teatro, sempre com T maiúsculo, como linguagem artística, independentemente do tamanho e idade do espectador. É com esta segunda percepção que A Jornada de Kim, espetáculo apresentado pela Turbina Criativa, do Rio de Janeiro, tende a dialogar na articulação dos elementos teatrais – atuação, direção, dramaturgia, iluminação, etc.
Fruto do trabalho de conclusão do curso de formação em direção teatral de Diogo Villa Maior na UFRJ, A Jornada de Kim carrega deliberada inspiração, no que tange à utilização da técnica, em Cuentos Pequeños, espetáculo da dupla peruana do Teatro Hugo e Ines. A montagem já foi apresentada algumas vezes em Belo Horizonte (pelo menos em duas ou três ocasiões diferentes) e é, de fato, marcante a capacidade de criação de seres através da utilização de distintas partes do corpo – ancorada na técnica que eles chamam de títere corporal. Diogo Villa Maior, que no programa do espetáculo assume essa relação direta com a obra dos peruanos, utiliza-se das ferramentas aprendidas em uma oficina para compor os personagens que atravessarão os caminhos de Kim em sua busca pela flor milagrosa que pode curar a grave doença de sua mãe.
É justamente nos momentos que a técnica é utilizada em cena que o espetáculo atinge seus maiores méritos no que se refere à qualidade do trabalho coletivo dos atores-manipuladores-músicos, e que a premissa de conduzir o espectador a outro universo que não o cotidiano. A técnica não só demanda grande capacidade corporal, quanto resulta capaz de tornar o teatro para crianças mais que um acúmulo de estereótipos cênicos e personagens clichê. É quando estes seres entram em cena que a linguagem verbal também se permite o jogo, a invenção, o humor pela repetição, pela lógica invertida das palavras, pela musicalidade e pela rima.
Dramaturgicamente, o espetáculo atua em dois universos que correm paralelamente: o primeiro é o cotidiano de Kim, a relação com a mãe e sua doença; e o segundo, a aventura em busca da flor de branca e azul. A elaboração demandada na construção físico-dramatúrgica destes seres que habitam o universo desconhecido da menina, que transformam o corpo em suporte para a criação de outras realidades possíveis, porém, não encontra reflexo à altura no plano das ações ordinárias, no qual o tom dos personagens, especialmente a protagonista, tende a incorporar, na fala e nos gestos, certa infantilização na construção de suas características. Mas esse dado não é suficientemente relevante a ponto de comprometer a qualidade da criação e da reflexão sobre o que é – e o que pode ser – teatro infantil empreendida em A Jornada de Kim, cujos méritos residem tanto na premissa de realizar um trabalho, em âmbito de formação, voltado para crianças, assim como no fim alcançado.