por Luciana Romagnolli
“Parido”. Foto de Cayo Vieira. |
Entre muitos trabalhos vistos nesta Mostra de Dramaturgia do Sesi-PR, nos quais a força propositiva se concentrava no texto dramático, e o cerne da encenação era ativar pela fala as subjetividades contrastantes que habitavam aqueles mundos linguísticos inventados, “Parido” desponta pela potência de sua teatralidade. O autor e diretor Don Correa mobiliza recursos de luz, espaço e movimento para constituir sua poética e provocar no espectador sensações de estar no mundo distintas.
Os seres míticos que os quatro atores evocam em cena resistem a se tornarem imitações de pessoas reais ou a se individualizarem. São portadores de uma carga trágica, associada à trajetória humana do nascimento até a morte e às experiências fundamentais do amor e da guerra.
Tal percurso existencial se apresenta pela figura de Doro – de quem se vislumbra fragmentos de vida desde o parto. Contudo, Doro funciona não como sujeito unificado, mas uma síntese de todos: a corporificação da condição humana, compartilhada pelos que estão ao seu redor, seja pai, filho, inimigo, amante. Uma totalidade que é reiterada por formações de coro entre os atores.
Um dos pilares das Dramáticas do Transumano, conforme propostas por Roberto Alvim, é justamente conceber o teatro como a arte de elaborar outros desenhos da condição humana, para além das ideias hegemônicas. Don Correa trilha essa vereda no texto de “Parido”, elaborado como uma espécie de poema cênico.
Por um encadeamento particular, que recusa a narrativa e desarticula o diálogo, as falas evocam acontecimentos essenciais de uma vida que se sabe trágica e em constante mutação: a consciência do devir. Essa mirada em direção ao futuro se fixa no olhar sustentado pelo ator Sávio Malheiros, um dos momentos em que a construção corporal adensada do elenco produz um vibrante efeito de presença sobre o espectador.
É na materialidade da cena, afinal, que essa experiência particular de humanidade proposta por Don Correa se realiza e produz sensações, deslocando o público de seu olhar habitual sobre o mundo. Com uma função que se confunde à do figurino, a maquiagem redesenha os corpos dos atores recobrindo-os de lama ou argila. O elemento terra, assim, os religa à origem perdida do humano. Sob o efeito de uma luz amarela, quente, outro estado de consciência é sugerido.
O espaço cênico se configura plasticamente como uma cruz de luz sobre a qual os três homens e a mulher assumem posições determinadas, mantendo uma distância significativa entre si. São como mundos apartados, sem a possibilidade de verdadeiro encontro.