“Memórias em Tempos Líquidos”, espetáculo que integra a grade internacional do FIT-BH 2014 e estreia hoje na programação, tem sua equipe formada por artistas majoritariamente locais. A montagem cumpriu temporada em 2013 na Funarte e é apresentada pelo evento como uma coprodução internacional.
A atriz Jimena Castiglioni, uruguaia radicada em Belo Horizonte, procurou, via email, o Horizonte da Cena – que questionou em uma reportagem anterior esse caráter de coprodução divulgado pelo FIT – para fazer alguns esclarecimentos. A atriz ressalta que a maneira como a montagem foi incluída na grade, sem maiores explicações para a imprensa e para o público em geral, apenas como uma coprodução Brasil-Uruguai, realmente gera estranhamento, já que o espetáculo, que estreou no ano passado e cumpriu temporada na Funarte-MG, tem DNA completamente local.
Porém, afirma Jimena, justifica-se pela parceria que o FIT promete estabelecer com o espetáculo para uma turnê uruguaia. “A ideia era entrar como uma coprodução internacional, inaugurando um projeto que se chamaria Intercena e que seria uma verba do FIT destinada a coproduções entre países, já fosse para montagens ou circulação de espetáculos. Por outro lado, o nosso espetáculo tinha sido convidado para fazer uma curta temporada em Montevidéu, e o teatro em Uruguai daria o recurso para viabilizar esta temporada, menos as passagens internacionais”, explica.
Neste sentido, a explicação parece reiterar que não se trata de uma coprodução internacional, como aparece na grade, mas, sim, uma parceria para a circulação do espetáculo pelo país sul-americano. “Por isso eu entrei em contato com o Consulado Uruguaio de BH e solicitei apoio, e o Consul comunicou isso ao FIT em uma reunião que eles tiveram para conversar justamente sobre a possibilidade de coproduções. Frente a esse cenário, o FIT nos ofereceu bancar as nossas passagens e desta forma coproduzir a nossa circulação em Uruguai. Isso tudo nesse contexto da inauguração do projeto Intercena”.
Essa afirmação levanta outro questionamento: o projeto Intercena, que prevê a abertura de edital para o repasse de R$ 400 mil, ainda sequer foi lançado oficialmente, nem mesmo o edital foi divulgado – o lançamento acontece no dia 13, terça-feira. De que maneira, então, o FIT já teria firmado um possível apoio para a circulação? Além dos questionamentos já citados: por que o espetáculo local (que teoricamente receberia verba para circular no Uruguai), aparece como espetáculo coprodução internacional?
Diante de tantas dúvidas, o Horizonte da Cena procurou a atriz Jimena Castiglioni, que respondeu nossas perguntas na entrevista abaixo:
1) Quando começou essa conversa de parceria com o FIT?
Quem me informou dessa intenção do FIT nos apoiar na temporada em Montevidéu foi o Consulado Uruguaio, não lembro exatamente quando, acho que foi março. Em abril fizemos a reunião com o FIT.
2) Vocês chegaram a se inscrever na seleção de espetáculos locais, já que a produção é de Belo Horizonte?
Sim.
3) O FIT já firmou esse acordo com vocês? Está garantido o apoio com a verba das passagens para a viagem? Há algum outro tipo de apoio financeiro para o espetáculo negociado com o Fit?
Ainda não foi firmado nenhum documento que garanta esse apoio, por enquanto é só um acordo de palavra.
4) Então, o apoio do FIT seria de circulação, não produção, certo?
Seria uma coprodução do FIT e o Teatro de Montevidéu para uma temporada lá.
5) De quem foi a ideia de entrar como coprodução internacional? Suas ou do FIT?
Essa foi a proposta do FIT. Eles apoiam a gente com as passagens internacionais e portanto a gente entra na categoria de coproduções internacionais, do projeto Intercena.
6) vocês foram previamente informados de que seriam incluídos na grade internacional? Questionaram isso de alguma maneira?
Na reunião a gente falou que não seria bom estar como internacionais porque não era a nossa realidade. Aí o Cassio (Pinheiro, coordenador do FIT) nos esclareceu que seria dentro deste projeto especial chamado Intercena, e que eles apoiariam a nossa circulação internacional. A partir daí, a gente entendeu que se justificava aparecer como co-produção internacional já que teríamos o apoio financeiro do FIT para levar a peça a Montevidéu
7) Como pode ser uma coprodução internacional se o espetáculo foi todo criado aqui, apresentado aqui, com artistas daqui e, provavelmente, com verbas daqui?
O espetáculo foi realizado sem nenhum apoio financeiro, a gente que bancou a montagem mesmo. Eu acho que se justifica o nome coprodução a partir do momento em que eles me garantiram que apoiam a nossa temporada em Montevidéu com as passagens. Ainda mais dentro do contexto de lançamento de um projeto de coproduções internacionais como seria, pelo que eu entendi, o Intercena. Essa questão da coprodução entre Montevidéu e BH me interessa muito, foi nesse contexto que levei o “Amores Surdos” (do Espanca!) pra lá e que estou querendo levar o meu espetáculo agora. Também indiquei um programador uruguaio que esta vindo ao FIT na próxima semana. A ideia é poder levar outras produções pra lá e ver se em algum momento podemos trazer alguma coisa pra BH também.
Qual o entendimento que se tem de teatro? De verba pública? De editais? De política de promover nossos espetáculos internacionalmente? Um espetáculo local se transforma em internacional porque recebe a proposta de um futuro apoio através de um edital que ainda será lançado e que prwtende promover espetáculos locais no exterior… ah! Já nem poderão concorrer, pois deixaram de ser locais… PS: não sabe à equipe do espetáculo explicar esse imbróglio mas, sim, aos responsáveis pelo FIT.
AI AI AI… Como já diria Marcos Coletta… quanto mais mexe…
“Senta que lá vem a história”… Essa 20ª edição do FIT tá com jeito de que vai entrar pra história!!!
Será que o Sr. Cássio Pinheiro falou a mesma coisa para a artista Anita Mosca, que estreou “La Cena” em outubro de 2013, em Belo Horizonte, com patrocínio da Lei Rouanet? Vai pagar as passagens pro espetáculo dela fazer circulação na Itália?
Se a versão dos realizadores do 20º FIT-BH, para classificar como internacional um espetáculo com um estrangeiro radicado no Brasil que faz circulação no exterior (!!!) surge um questionamento ainda mais grave: vão utilizar verba pública para circulação de espetáculos de artistas estrangeiros (que moram no Brasil) em seus países de origem, com quais critérios de seleção dos “premiados”? E os espetáculos brasileiros, não merecem também ser levados para o exterior? O Intercena vai realizar montagens em co-produção ou vai ficar só na compra de passagem (será compra ou tem outra negociata aí?) para os artistas viajarem com espetáculo que já estreou?
P.S.: Que fique claro, que minha indignação não é com relação aos artistas – que no meu entendimento são igualmente vítimas de um governo autoritário e que toma decisões arbitrárias, à revelia de qualquer consulta popular. (Muito embora a merda tenha se respingado pra todo lado)
P.S.2: O “apoio” do FIT ao espetáculo “Memórias em tempos líquidos” se restringe ao financiamento de passagens de ida e volta para o Uruguai de dois atores? (Daqui a pouco vão dizer que o meio de transporte será… melhor não completar a frase).
P.S..3: Começo a ficar preocupada com a destinação dos R$400 mil que estão previstos para serem gastos no Intercena… Seria inocência não pensar que vai virar caixa dois do prefeito!