Por Soraya Belusi (*)
Para o Grupo Corpo, até seus próprios limites são relativos. Superá-los tornou-se um exercício de linguagem na nova criação da companhia de dança mineira, uma das mais reconhecidas do mundo. “É o balé do Aleijadinho”, brinca Rodrigo Pederneiras, ao receber a reportagem em um ensaio aberto à imprensa dias antes da estreia de seu novo balé. A citação, aludindo ao mais importante artista barroco mineiro, se deve ao fato de o coreógrafo ter passado por duas cirurgias e, por isso, criado o novo trabalho enquanto sua mobilidade física comprometida.
Fotos José Luiz Pederneiras |
Essa circunstância foi fundamental não só durante o processo, mas também no resultado de Triz, novo espetáculo da companhia, que estreia nesta sexta-feira, dia 30, em Belo Horizonte. Acostumado a criar a coreografia, a partir da música, cerca de um ano antes de cada estreia, desta vez, Rodrigo e “os melhores bailarinos do mundo”, como disse ele na entrevista, iniciaram os trabalhos apenas em maio, estando sob a mira não só do tempo, como da limitação do movimento.
“O mote veio no início do processo, com essa urgência, a coisa no limite, essa quase impossibilidade de fazer”, conta um Rodrigo aliviado. “Se não fossem os bailarinos, eu não teria feito. Tem muita coisa criada por eles, inclusive. Eu pensava e eles já iam fazendo”, conta o coreógrafo.
A primeira consequência dessa relação entre criadores se deu com um transbordamento do processo para o espetáculo, conceito que perpassa todos os elementos de Triz. As cordas de aço que cercam e moldam todo o espaço, além de aludirem à própria trilha, colaboram na integração da ideia de vazamento entre o que é palco e o que deveria estar fora dele. “Há sempre o jogo com esse limite do que é ensaio e o que é espetáculo”, ressalta Paulo.
O figurino de Freusa Zechmeister, com dois blocos puros de cor branca e preta, ao mesmo tempo em que parte longitudinalmente o corpo de cada bailarino em duas partes simétricas, cria uma ilusão de fusão entre corpos no conjunto, quando se perde a percepção de onde parte e a quem pertence o movimento.
Em sua segunda parceria com grupo mineiro, Lenine, que assina a trilha sonora, transforma, em música, gravações da respiração, da contagem e do som dos pés dos bailarinos durante o ensaio. “Quando vi o Rodrigo criando, a contagem era tão esquisita, que eu pensei: ‘gente, se alguém perder contagem durante a coreografia, só alcança no próximo espetáculo’”, confirma Paulo Pederneiras, diretor artístico, cenógrafo e iluminador da companhia.
Além disso, a complexidade da composição, feita somente com instrumentos de corda, lançava um grande desafio para o elenco. Um certo descompasso acompanha os movimentos, como se algo, propositalmente, desencaixasse. “Um erro calculado”, adverte o coreógrafo.
Breu (2007), fruto do primeiro encontro com Lenine, era marcado pelo impacto, pela brutalidade e proximidade dos movimentos com o solo. Em Triz, os bailarinos nem vão totalmente ao ar, nem se entregam ao chão. “É entre um e outro, pancada e leveza”, explica Rodrigo. E, se comparado ao espetáculo anterior do grupo, Sem Mim, traz uma liberdade conceitual que o outro, pela presença da narrativa, não permitia.
Pelo próprio fato de os bailarinos terem sido cocriadores de Triz, é com o repertório de movimentos já impregnados em seus corpos que se desenvolveu a identidade do espetáculo. Mas, nesta criação, o coreógrafo parece optar então por radicalizar alguns elementos que já fazem parte de sua assinatura, entre eles, a existência de diferentes tempos simultâneos e a subversão das formações de trios e duos no palco, como se convidasse o espectador a participar de um jogo constante de construção e desconstrução de sua dança.
Turnê nacional (programa Parabelo + Triz)
BH: De 30 de agosto a 3 de setembro, no Palácio das Artes
RJ: a partir de 7 de setembro, no Theatro Municipal
SP: a partir de 20 de novembro, no Teatro Alfa
(*) Originalmente publicado na Folha de S.Paulo.