Por Julia Guimarães :::
A velha máxima latino-americana de que muitas vezes conhecemos mais sobre culturas distantes que a dos próprios vizinhos pode ser tomada ao pé da letra no contexto de um espetáculo como “Madre Murga, Murga Madre”. Criado pelo grupo Murga Madre, a montagem tece uma homenagem ao carnaval uruguaio através de seu ritmo mais popular, e, no entanto, pouco conhecido por aqui: a murga.
Quem dá corpo aos personagens são os murguistas-atores Pablo Routin e Edú Lombardo, sendo o primeiro também o dramaturgo do espetáculo. Interessados em levantar questões circunscritas a essa faceta da cultura uruguaia, criam um espetáculo que relembra, com ares saudosistas, os áureos tempos da murga, termo que não só dá nome ao ritmo, como também ao tipo de banda necessária para a sua execução musical, composta por 13 a 17 músicos.
Assim, vemos o reencontro de dois músicos que, juntos, relembram canções e vivências de carnavais passados. Mais do que narrar uma história ou apresentar uma dramaturgia calcada, por exemplo, na estrutura clássica do conflito, aqui o que interessa é a intensidade produzida pelo reencontro e uma tentativa de traduzir sinestesicamente ao público o espírito peculiar do contexto da folia uruguaia.
Embora na versão apresentada na IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo o espetáculo não estivesse com sua configuração original, que inclui uma banda de murga, é possível perceber a singularidade dos ritmos, corpos e expressões relacionados ao carnaval do país, que, ao contrário do nosso, acontece nos palcos e não na rua, além de durar por volta de 40 dias. O trabalho físico da dupla é de grande precisão e domínio técnico.
Por outro lado, a dramaturgia tem suas lacunas, talvez justamente por trazer um olhar demasiadamente colado ao contexto murguista, que pende para a exaltação sem oferecer contrapontos ao espectador, criando sentidos e teatralidades, por vezes, infantis. Assim, a ausência da banda, que possivelmente traria uma ambiência mais musical ao espetáculo, ressalta as fragilidades que se localizam no campo do teatro.
O misto de melancolia, poesia e comicidade apresentado pelo espetáculo agrada ao público, assim como as gags da dupla, que oscila entre os personagens em sua fase jovem e idosa. Carismáticos e populares, abusam de diferentes timings em suas ações e na brincadeira com as expressões faciais, em diálogo com o elemento da máscara, também presente na cultura da murga.
Até mesmo pelo contexto de onde surgiu, é um espetáculo que encanta mais pelo estado de presença da dupla e pela aproximação com o carnaval uruguaio, retratado poeticamente no espetáculo como o momento em que “a terra se confunde com o céu”. Metáfora para a intensidade da exceção festiva que, nesse sentido, pode ser sentida também no nosso carnaval.
.:. Leia a crítica do mesmo espetáculo por Maria Eugênia de Menezes, do Teatrojornal, aqui.
.:. Texto escrito no âmbito da IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo. A organização convidou a DocumentaCena – Plataforma de Crítica para a cobertura do festival, iniciativa que envolve os espaços digitais Horizonte da Cena, Satisfeita, Yolanda?, Questão de Crítica e Teatrojornal.