Um desenho meticuloso de luz e sombra que ambiciona fazer ver o invísivel, instaurar tempos e espaços que não se conformam ao presente, criar presenças e mundos cohabitados pelo humano e seus vultos e estados d’alma. A fruição estabelecida pelos procedimentos escolhidos pelo diretor David Mafra para “devastidão”, de Andrew Knoll, privilegia mais aos olhos que aos ouvidos, mesmo quando o espectador está tomado pela escuridão.
A duplicidade se estabelece já na contraposição entre signos do etéreo e do concreto, como a fluidez da camisola e a rudeza da escultura de metal. Pequenos picos de luz apresentam um corpo feminino que, ao decorrer da encenação, vai dando lugar a outras formas possíveis, criadas pela manipulação direta da luz, que acentua apenas partes, lados, silhuetas, desfigurando a imagem inicial.
O som, como elemento também desta dramaturgia, aponta para mobilizações também de caráter criador, como presença vibratória e repetitiva, outras vezes ritual (pela oração), mas se fragiliza quando assume teor melodicamente reconhecível.
O rigor e a artificialidade presentes na encenação não reverberam para a apropriação da palavra, correndo o risco de deixar o texto em segundo plano, fragilizando a dramaturgia que detona todos esses mundos que se pretende construir com a evocação-invocação de tempos, espaços e vozes emolduradas em situações que são destruídas no segundo seguinte no texto de Andrew Knoll.
Os efeitos de provocar novos modos de subjetivação ao desestabilizar também o olhar se mostram eficientes embora tomem como ponto de partida recursos já experimentados à exaustão, como a utilização de lanternas manipuladas pelos próprios atores e o jogo de formas com o lençol. Mas a força das presenças (e imagens) que estabelecem é maior em alguns momentos que o reconhecimento do clichê, ou seja, borra-se a percepção do espectador, abrindo fissuras em sua racionalidade, tornando-o capaz de experienciar a potência para a alteridade.
por Soraya Belusi