por Luciana Romagnolli
“O Espelho” |
Entrevista com Cristiane Zuan Esteves, diretora do grupo paulista Opovoempé, que apresenta “O Espelho” na Mostra 2013 e “A Festa” no Fringe do Festival de Curitiba.
1) Vocês já haviam se apresentado no Festival de Curitiba antes?
Sim, já nos apresentamos em 2008 no FRINGE com a peça 9:50 Qualquer Sofá e a intervenção urbana Este Sofá É Pra Contar. Na ocasião também fizemos uma conversa /demonstração na Universidade Federal. Foi uma experiência ótima como confirma esta matéria que segue abaixo.
2) O que motivou a decisão de trazer mais de um espetáculo, ou seja, a irem além do conforto da Mostra Contemporânea e se ocuparem também do Fringe com “A Festa”?
O grande motivo foi a natureza do projeto A Máquina do Tempo (ou longo agora) , que foi originalmente contemplado com a Lei de Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo para a criação de 03 (três) experimentos cênicos – A FESTA, O FAROL e O ESPELHO. São três pontos de vista muito distintos sobre o mesmo tema e três propostas de linguagem bastante diferentes entre si. No projeto original, abarcamos a complexidade da experiência contemporânea do TEMPO em três experiências completamente diferentes, mas que estabelecem pontes entre elas. E é extremamente interessante para o espectador passar pelas diferentes experiências. O meu desejo, como dramaturga e diretora seria levar os 03 experimentos, mas O FAROL lida com uma experiência muito particular de grande metrópole como São Paulo. Saíamos de um hotel de luxo em um dos centros financeiros da cidade e acabávamos em depósito-estacionamento de trens na periferia da cidade. Tudo isso em duplas e com uma trilha em mp3 especialmente cronometrada e adaptada ao percurso. Só não levamos O FAROL a Curitiba também porque seria necessária uma recriação complexa e que demandaria algumas semanas de trabalho anterior na cidade.
Quando o Festival nos convidou para levar O ESPELHO, que se encaixava em determinado âmbito da Curadoria, decidimos levar também A FESTA, que tem a mesma equipe. Para nós, justamente é uma tentativa de aproximar mais o público curitibano da particularidade e riqueza do projeto original. Revelar as diferentes faces de nossas experiências de linguagem que provocam o espectador de formas radicalmente distintas tanto numa sala fechada, num parque ou na rua. Cada espaço é determinante de uma forma radical da linguagem, e portanto, achamos limitador mostrar apenas um aspecto.
Justamente, fomos indicados recentemente ao Prêmio Governador do Estado de São Paulo com o projeto todo, por, segundo a comissão, colocar em questão as fronteiras tradicionais da linguagem teatral. A linguagem do OPOVOEMPÉ faz esses trânsitos entre espetáculo, intervenção e vida o tempo todo. Para que o público nos conheça pelo que realmente fazemos, quanto mais trabalhos mostrarmos, melhor. Não fazemos somente ações ou intervenções ou espetáculos. Fazemos tudo isso ao mesmo tempo e cada coisa alimenta uma a outra, levando à criação de formas muito diferentes das formas tradicionais. Esse é OPOVOEMPÉ.
“A Festa” |
3) Ainda não conheço o grupo, mas por tudo que leio há dois campos de investigação privilegiados, a experiência do tempo e a do espectador, que me parece estar relacionada à interatividade (no sentido amplo) e ao espaço. “O Espelho” trabalha isso num parque. E “A Festa”, que se passa num espaço de encenação, como trabalha essas questões? Ou seja, qual a relação com o tempo e com o espectador que se propõe experienciar?
A FESTA acontece em uma espécie de repartição, um poupa-papa-tempo, onde o público é convidado a experienciar várias facetas do tempo: a espera e a aceleração, a memória e a expectativa do futuro. É uma oportunidade para olhar para si mesmo, para o que faz, como usa seu tempo, quanto tempo viveu, o que quer e como vive a experiência do AGORA naquele instante. Neste formato, que propõe um olhar sobre si mesmo diante do mundo, não trabalhamos com um foco único de atenção o tempo todo, mas com uma multiplicidade, onde às vezes, é o público escolhe o que quer olhar e escutar num universo de vários estímulos que acontecem ao seu redor. Ao mesmo tempo, acontece algo que é parte muito fundamental de nossa linguagem. O espectador é um elemento que faz parte da composição da cena, tanto em sua disposição no espaço, quanto na proposição de uma ação, quanto ao ser perguntado sobre algo. Nenhuma dessas interações é imposta, ou expõe a pessoa de forma individualizada. Cabe a ela sentir e responder espontaneamente. Cabe a ela decidir como ela quer se relacionar com tudo isso. E às vezes, essa relação acontece num âmbito muito íntimo, pessoal e interno. Em outros, é uma ação coletiva como calcular os dias de vida. (o público é convidado a esse cálculo e recebe uma pulseirinha com o número de dias que viveu!).
4) Gostaria que comentasse as questões colocadas na pergunta acima de uma perspectiva de que modo elas podem ou não contribuir para tornar o teatro uma experiência mais relevante na vida das pessoas hoje, quando essa arte está tão fora das rotinas da maioria.
Acho que a unicidade da experiência do teatro hoje passa pela possibilidade de encontro com o outro. Nada contra as tecnologias da informação, mas aqui, no teatro, podemos ter uma experiência única de “estarmos juntos”. E isso não é mediado por uma tecnologia eletrônica, mas pelo corpo, pelo calor, pelo espaço, por um possível laço de cumplicidade que acontece através do jogo cênico. Acredito que é uma experiência de estar presente e olhar para sua própria presença. Ao aproximar o teatro da vida , e tentar libertá-lo das convenções que lhe pesaram durante anos, recuperamos seu aspecto de rito, de celebração, de encontro. O teatro se torna uma estratégia de ampliação da percepção e de reflexão sobre o “estar no mundo”. Não há mais personagem principal que eu acompanho. O personagem principal passa a ser você mesmo. O personagem principal passa a ser todo mundo. Ao não se esquivar de tratar diretamente da vida, e ao borrar a fronteira entre arte e cotidiano, entre teatro e vida, a gente pode talvez olhar nossa vida, reavaliá-la e, possivelmente, passar e vivê-la de uma forma mais completa e com mais alegria.