Na sequência da publicação de alguns dos textos produzidos pelos participantes do Ateliê de Crítica e Reflexão Teatral pelo projeto [Circuito Aberto!] Diálogos Cênicos, no segundo encontro com tema livre, leia a crítica coletiva de Jéssica Ribas, Felipe Cordeiro e Guilherme Diniz:
Crítica espetáculo “Estrela ou escombros da Babilônia”.
No dia 26 de outubro de 2013, o casarão tombado pelo Patrimônio Histórico situado na rua Manaus, no bairro Santa Efigênia, construído no início do séc. XX e que há muito estava abandonado, era invadido por artistas e ativistas de Belo Horizonte visando à criação de um espaço comum. A ocupação se deu por meio de uma performance teatral na qual pessoas fantasiadas e felizes atuavam enquanto habitavam o local. O espetáculo Estrela ou Escombros da Babilônia, estreado no dia 30 de outubro de 2014, com reapresentações nos dias 31 do mesmo mês e no dia 01 de novembro, comemorou um ano do reavivamento do casarão e de nascimento do Espaço Comum Luiz Estrela. O nome do local é em homenagem ao artista morador de rua Luiz Otávio da Silva, que gostava de ser chamado de Estrela, morto em 26 de junho de 2013 por motivos ainda não esclarecidos.
O espetáculo composto por cerca de 60 atores, muitos deles do curso de teatro da UFMG, e não-atores interessados em integrar o experimento em torno de um teatro documentário, conta a história de Luiz Estrela de forma performática, tal como o artista era. Um pouco antes da apresentação ocorria uma movimentação por parte da produção para fechar a rua, fato que dava algum indício de que o espetáculo aconteceria por toda a extensão do quarteirão. E assim foi, o elenco ia saindo aos poucos de dentro do pátio localizado ao lado do casarão e se posicionando por todo o espaço, inclusive entre o público, sendo parte dele. A parede do prédio ao lado foi fundo para a projeção; a rampa, um palco; as grades, as escadas; e tudo o que circundava aquele ambiente ia sendo ressignificado à medida que a história ia sendo contada por figuras que de alguma forma fizeram parte da vida de Estrela.
Além de sua mãe e de amigos mais próximos, também foram representados moradores de rua presentes em seu mesmo universo marginal composto por pobres, negros, gays, dependentes químicos, doentes mentais, pessoas de alguma forma abandonadas na babilônia da vida, que durante o acontecimento do espetáculo saem das sombras e ganham voz para clamar seus anseios, mesmo que isso se dê por intermédio de outros corpos. O próprio Estrela era representado por dois atores e uma atriz que dividiam entre si o personagem, uma alegoria que demonstrava a multiplicidade dos corpos e a não necessidade de ter estado na pele da figura real para compreender, ser afetado e partilhar de suas questões como cidadão. A presença de Vidigal, um dos melhores amigos de Estrela, não só atuando no espetáculo, mas dividindo o personagem de si mesmo com outro ator, evidencia essa questão e traz ainda outros questionamentos acerca do real e do ficcional no teatro.
No decorrer da apresentação, composta por cenas que formavam uma espécie de rapsódia, o público era levado a ocupar o quarteirão enquanto acompanhava as cenas realizadas ora na rotatória de uma esquina, ora em frente a uma igreja a alguns metros de distância do ponto anterior, resgatando aos poucos no espectador um sentimento de pertencimento a um lugar comum, o da rua.
A montagem, que aconteceu por meio de criação coletiva, teve ainda parte da dramaturgia orientada pelo professor da UFMG Antonio Hildebrando. O resultado final foi a execução de partituras que traziam diversas linguagens repleta de signos, compostas por um conjunto de vozes embaladas por muita musicalidade, na qual a perfeição era insignificante diante da celebração a que constituía. Quem assistiu ao ato comemorativo pôde sentir que fazia e faz parte de algo muito maior, em que cada uma das microquestões levantadas possibilitavam alcançar outras macroquestões, problemas sociais de um indivíduo que embora tenha suas particularidades não será nunca somente individualizado.