— Por Joyce Athie —
Os artistas Diego Bagagal, do grupo Madame Teatro, e Eduardo Moreira, do Grupo Galpão, divulgaram ontem carta de renúncia aos cargos de curadores da próxima edição do Festival Internacional de Teatro – Palco & Rua (FIT -BH 2016). A decisão foi tomada em função de incompatibilidade com a produção do evento, assumida pela Fundação Municipal de Cultura (FMC) e coordenada por Cássio Pinheiro.
Ao lado de Bagagal e Eduardo, o dramaturgo, ator e diretor Walmir José também integra a equipe original de curadores, anunciada em janeiro deste ano pela FMC. Nos últimos dois meses, no entanto, a atriz e diretora Dayse Belico foi convidada pela instituição a fazer parte do grupo de curadores, quando a pré-produção já estava quase finalizada. Após Bagagal e Moreira renunciarem aos postos, Walmir e Dayse permanecem na curadoria com a missão de prosseguir com o festival, previsto para acontecer em junho de 2016.
Dayse e Walmir, no entanto, tem um consistente ponto de partida. Após viagens a festivais de teatro, em especial na Europa, os curadores já haviam chegado a uma lista de espetáculos e atividades formativas, entregue à produção do festival. Bagagal e Moreira, no entanto, se sentiram inseguros quanto à capacidade da FMC de produzir o festival com a grade proposta, uma vez que o orçamento do FIT, da ordem de R$ 5,5 mi, será liberado apenas em janeiro de 2016. Apenas a partir desta data, a Fundação irá dar início à produção do festival, procedendo ao contato com os grupos e artistas selecionados.
A prazo para a liberação da verba e, portanto, para o início da produção, pode impactar no trabalho de curadoria que vem sendo realizado com antecedência, desde cerca de um ano e cinco meses antes da data prevista para o festival acontecer. “O grande problema é que, sem uma estrutura de produção rápida e eficiente, todo o projeto se encontra ameaçado. Qualquer grupo renomado na Europa e nos Estados Unidos já está com as agendas bem carregadas para 2016. Nossa urgência maior é com relação aos grupos internacionais, uma vez que a produção para efetivar a vinda desses grupos é evidentemente muito mais complexa”, defendem os curadores por email.
Antes da renúncia, no entanto, Bagagal e Moreira finalizaram os acordos realizados com a FMC e entregaram ao órgão os conceitos que constituiriam as bases da edição 2016 do festival. Guiados pela noção de resiliência, os curadores buscaram espetáculos que dialogam com a capacidade de resistência do humano que se constrói a partir da alteridade, em uma proposta que se marca pela multiplicidade e diversidade. E quanto aos valores buscados, parece que não houve qualquer dificuldade em aprovação.
“O nosso projeto foi aceito integralmente. Não houve nenhum tipo de discordância com relação ao conceito curatorial. Tivemos ampla liberdade para pensar e propor um conceito ligado ao teatro como lugar de resistência. As discordâncias se devem a uma carência de estrutura por parte da Fundação, especialmente ligada às relações internacionais, que colocam em risco todo um enorme esforço empreendido”, afirmam.
Programação. Por meio de nota, a FMC comunica que prosseguirá com a produção do festival a partir do que foi apresentado pelos curadores e afirma que irá buscar “por perfis de espetáculos não contemplados na proposta entregue, como peças de rua, infantis e de grupos locais, além de atividades de ações formativas”.
Diante do comunicado, os curadores divulgaram a grade de programação que haviam proposto, ressaltando que algumas mudanças poderiam ser realizadas. Em relação ao teatro de rua, a grade apresenta três produções, as internacionais “Animotion Show”, do Aurora Nova, e “L’enterrement de maman”, da Cia Cacahuête, e a nacional “Eu não sou macaco”, de Dedy Ricardo. Ainda para o público infanto-juvenil, os curadores selecionaram outros três espetáculos: o australiano “Knee Deep”, o americano “Doctor Brown” e ainda “Infinita”, do grupo alemão Familie Floz, destacado por utilizar máscaras expressivas inteiras. A respeito das ações formativas, estava pré-acordada a realização de Master Classes, colóquios e ateliês com doze dos grupos que compõem a grade.
O ponto fulcral parece estar no que tange a produção belo-horizontina.“A programação local foi pensada, neste primeiro momento, em ações de extensão, residências de grupos locais com os grupos convidados e co-produções. Basicamente, queremos efetivar e potencializar o diálogo e o encontro entre os artistas”, expõe Bagagal.
Até o momento, a programação consta de 23 espetáculos de companhias internacionais e 11 nacionais, duas co-produções e nenhum espetáculo da cidade. Em termos numéricos, haveria uma redução no porte do FIT – na edição anterior, o festival apresentou, em 20 dias, 54 espetáculos, sendo 18 produções internacionais, 12 nacionais e 25 locais. O aumento quantitativo, no entanto, foi alvo de críticas em relação à qualidade dos espetáculos e à quantidade de produções locais não-estreantes. O que se nota na proposta apresentada para o FIT 2016 é uma radicalização desse formato, embora os curadores afirmem que haveria possibilidade de convidar grupos e artistas belo-horizontinos a integrar a grade. Atores belo-horizontinos também seriam incorporados em trabalhos como a performance “No place to hide”, do Living Theater, e o polêmico “Exhibit B”, de Brett Bailey, que vem recebendo ações de boicote de ativistas por expor negros como objetos.
“Dessa programação ampla de 34 espetáculos, 15 grupos/artistas estariam em diálogo direto com os artistas locais, em um projeto que denominamos ‘Grupo a Grupo’, no qual um grupo convidado e um grupo local, de forma a incentivar a convivência e co-criação, que poderia incluir desde bate-papos até trabalhos sobre rascunhos de cena. Esse resultado ficaria a cargo do diálogo construído por estes grupos e se apresentaria na Casa FIT, e acreditamos que esse encontro poderia reverberar em espetáculos futuros”, comenta Bagagal.
A Casa FIT é uma proposta nova dos curadores, prevendo um espaço para encontros, homenagens e ações formativas. Quanto ao Intercena, projeto criado na edição 2014 para promover a internacionalização dos grupos locais, não há sinalizações. “Acho que a ideia do Intercena não foi descartada, apesar de não ter sido plenamente desenvolvida. Tenho minhas dúvidas sobre a pertinência dessas feiras de teatro, mas, para que elas existam efetivamente, precisam ser bem articuladas. Não adianta nada trazer programadores de festivais irrelevantes e sem importância. É preciso priorizar a qualidade em detrimento da quantidade”, comenta Moreira.
Viagens. Em nota, a FMC registra que os curadores realizaram 13 viagens para a seleção de espetáculos, sendo dez internacionais e três nacionais. Embora Eduardo Moreira e Diego Bagagal afirmem que as viagens tenham sido estratégicas e que foi possível incorporar à grade trabalhos artísticos dos cinco continentes, as visitas a festivais se concentraram na Europa, em países como França, Escócia, Inglaterra e Portugal, e, no Brasil, foram visitadas as capitais Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Países latino-americanos não foram visitados, ao contrário do que havia sido divulgado no início do ano.
Ainda consta na carta de renuncia dos curadores que foram assistidos 200 espetáculos dos quais, pelos menos, 120 foram vistos presencialmente. “As viagens enumeradas na carta foram feitas pelo Diego e por mim. É claro que, se tivéssemos tido oportunidade de fazer outras viagens, teria sido melhor e mais completo, mas não houve dinheiro e agenda para tal. Acho, sinceramente, que conseguimos montar uma boa proposta a partir de alguns festivais estratégicos”, responde Moreira.