— por Marcos Antônio Alexandre [i] —
A leitura acurada e criteriosa é o que se espera como um dos atributos no campo dos Estudos Literários – um de meus lugares de fala – e da Crítica Teatral, exercício que me interessa sobremaneira tanto quanto professor como pesquisador. Em outras palavras, é a partir de uma perspectiva analítica – que se sustenta por meio de uma leitura atenta, imparcial e, muitas vezes, isenta de “subjetividade” – que o discurso acadêmico é traçado e engendrado. Não obstante, os textos que desenvolvo para o Horizonte da Cena têm sido pautados também na (e pela) subjetividade, uma vez que quando aceitei ser um colaborador do site, a convite de Luciana Romagnolli e Soraya Belusi, deixei claro que privilegiaria discorrer sobre aqueles trabalhos que me interessassem por algum aspecto, ainda que esse fosse pessoal ou que tivesse associado, ou mesmo, puramente implicado em alguma questão relacionado a uma pulsão afetiva.
E é deste lugar que escrevo e busco refletir um pouco sobre Maria Aparecida Vilhena Falabella Rocha, conhecida por todos como Cida Falabella, atriz, diretora/encenadora, professora de teatro e, acima de tudo, uma mulher a quem admiro muito e por quem tenho um profundo respeito pelo trabalho e trajetória. Cida começa no teatro em 1976 e, desde então, tem se destacado no cenário artístico mineiro, construindo uma carreira edificante, sendo premiada como atriz e diretora. É Mestre em Artes pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e uma das fundadoras e coordenadoras da ZAP18 – Zona de Arte da Periferia, um espaço para desenvolvimento de trabalhos artísticos e culturais que além de montagens de peças também é utilizado para a formação de atores e educação de jovens por meio da arte. A ZAP surge em 2001, como um desdobramento da Cia. Sonho & Drama, grupo que se tornou conhecido por produzir dramaturgia própria com inspiração em obras da literatura universal e, hoje, é referência dentro do cenário artístico belo-horizontino por ser um espaço de criação, reflexão e, sobretudo, de formação artística com oficinas abertas à comunidade local e a artistas de toda a cidade.
Em sua trajetória como artista, Cida tem trabalhado com outros coletivos teatrais, realizando orientações artísticas e dirigindo grupos como, entre outros, Coletivo Os Conectores, Cia. Luna Lunera, Cóccix Companhia Teatral, Grupo Teatro Invertido e Grupo Trama. Para minha reflexão, convoco para a cena as montagens em que Cida Falabella exerceu o papel de diretora Esta Noite Mãe Coragem (2006), a partir do texto de Bertold Brecht, e 1961-2013 – Ano V, essa em parceria com Elisa Santana e ambas com dramaturgia de Antonio Hildebrando; e seu mais recente trabalho, Domingo, no qual retoma sua atuação como atriz, dirigido por Denise Pedron.
Por que estes trabalhos?
Uma primeira tentativa de resposta vai ao encontro de meus interesses em relação ao seu projeto artístico como diretora/encenadora, que prima por despertar a “consciência” do espectador, permitindo que novos “lugares de falas” possam gerar novos discursos e, por sua vez, possibilitando a seus espectadores a experiência de imersão em si mesmos, por meio do olhar e da experiência do, e com, o Outro. O segundo motivo que me leva à escolha das peças anteriormente citadas diz respeito ao fato de que, nas duas primeiras, salta à vista o trabalho de Cida Falabella como diretora/encenadora diante de seu coletivo, e a terceira revela outra face de seu fazer artístico, o trabalho como atriz, que nos apresenta outras perspectivas sobre a artista.
Voltando meu olhar para o espetáculo ‘‘Esta noite mãe coragem’’, em um trabalho anteriormente publicado[1], escrevi que não podia furtar-me à pulsão de tecer elogios à montagem da Cia ZAP 18, uma vez que, desde o momento em que a assisti pela primeira vez, senti-me profundamente sensibilizado pela releitura e pela reconcretização do texto brechtiano trazido à cena. E ainda acrescentei que se tratava de uma produção espetacular que tinha me tocado muito tanto como espectador quanto leitor/pesquisador.
‘‘Esta noite Mãe Coragem’’ tem como mote de inspiração o texto dramático ‘‘Mãe Coragem e Seus Filhos’’, obra de Bertolt Brecht (1989-1956), escrita em colaboração de Elisabeth Hauptmann (1897-1973) e Rosemarie Hill, em 1939. Esta obra é considerada uma das nove peças que o autor escreveu com o objetivo de questionar o avanço do Fascismo e do Nazismo. É sabido que o texto, partindo dos princípios brechtianos de drama político, não se situa em uma época específica, mas sim na Guerra dos Trinta Anos de 1618-1648, retratando o destino da personagem Anna Fierling, nomeada como Mãe Coragem, uma vendedora ambulante que segue o exército sueco com o objetivo de “viver da guerra” e, a partir dos desenlaces dramáticos, que são mediados pelo contexto da guerra, ela vai perdendo os filhos: Queijinho, Eilif e Katrin. A guerra, nesse contexto, transforma-se na fonte de lucro da personagem, mas também se converte em seu algoz. Assim como em outras peças que integram a dramaturgia brecthiana, em ‘‘Mãe Coragem e Seus Filhos’’, podemos observar que por trás de cada personagem há certa ideologia, uma crítica contundente. A suposta história dessa mulher que cruza a Alemanha com seus filhos, empurrando uma carroça, negociando com soldados e tirando proveito das situações advindas do conflito, sem dúvida é retomada por Brecht com o objetivo de repensar o seu contexto e lugar de enunciação.
Na montagem da ZAP 18, o texto, reescrito por Antonio Hildebrando, é ressignificado para os anos 2000, corroborando a assertiva de Patrice Pavis, que argumenta que
A alteração da enunciação caminha em paralelo com a renovação da concretização do texto dramático; uma relação de troca estabelece-se entre texto dramático e Contexto Social. A cada encenação o texto é colocado em situação de enunciação em função do novo Contexto Social de sua recepção, a qual permite ou facilita uma nova análise do Contexto Social da produção textual e cênica, fato que modifica igualmente a análise dos enunciados textuais […]. (PAVIS, 2008, p. 27, grifos meus)
A atualização do texto de Hildebrando e a direção de Cida Falabella acentuam o caráter de violência e do tráfico de drogas na contemporaneidade, atualizando e, ao mesmo tempo, traçando um paralelo entre a realidade brasileira e a peça ‘‘Mãe Coragem e seus Filhos’’, de Bertolt Brecht. A cadeia ininterrupta de sentidos e de intertextos, sugerida por Pavis, pode ser decodificada na montagem da Cia ZAP 18. O espectador é levado a repensar o seu lugar de enunciação. Ele é deslocado do “centro” e levado para a “periferia”[2], um espaço intervalar que o faz repensar o seu local de enunciação. Espera-se que o público possa refletir sobre o seu lugar e posicionamento diante da sociedade na qual se vê inserido. Esse aspecto pode ser observado logo no início da montagem na descrição do espaço e na maneira como o espectador é chamado para “assistir” ao espetáculo:
AMBIENTE: Um bairro de periferia onde será apresentado o espetáculo “Mãe coragem e seus filhos” de Bertolt Brecht. São espaços bem demarcados: a rua, onde será construído o muro, o “Bar da Rose”; a cabine da Rádio Poste; a casa do Grandão; a casa de Ana Filinto e o espaço para os músicos. Há, ainda, telões para as projeções.
Na entrada, os espectadores recebem uma comanda para o registro do que consumirem. O bar está aberto e os atores são os garçons que atendem ao público-fregueses. A conta será paga na saída.
Rádio Poste: Caros ouvintes da Rádio Poste, vocês acabaram de ouvir, aqui, na Retrospectiva Brasil: Mensalão. Sucesso gravado em 2006. Para quem não se lembra, o mensalão foi um superescândalo que explodiu há 14 anos atrás. Os deputados estavam recebendo uma grana preta para votar nos projetos do governo. Teve político andando com dinheiro na cueca, moçada, é, na cueca. Rádio Poste, resistência e informação desde 2016, a única em funcionamento após o bloqueio do sinal. E agora, na Retrospectiva Brasil, em uma gravação de Cartola: “As Rosas não falam” (música). […] Informativo: foi liberado o porte de arma para o lado de lá. O Estado oferece aulas de tiro gratuitas para maiores de 60 anos e na Assembleia discute-se o anteprojeto que autoriza aulas de tiro nas escolas particulares. O ministro da Previdência Social anunciou que os cofres estão vazios. O ministro diz que sente muito, mas não vai poder pagar as aposentadorias. Rádio Poste, resistência e informação desde 2016, a única em funcionamento após o bloqueio do sinal. (Comercial) Está precisando de quê? Abridor de garrafa, preservativos, escova de dente, frango assado, roupas, utensílios do lar, pães, presentes, coca e cola, coca-cola, viagra, maquiagem? Procure Ana Filinto que ela pode te ajudar. Informativo: morreu no zoológico o último espécime de peixe boi em cativeiro. Com a fome amazônica de 2018, aumentou a caçada aos animais e os especialistas acreditam que a espécie pode ser considerada oficialmente extinta. A Rádio Poste também é cultura. Esta noite: Mãe Coragem, peça teatral para a comunidade, lá perto do Bar da Rose. Não percam, esta noite, Mãe Coragem. Rádio Poste, resistência e informação desde 2016, a única em funcionamento após o bloqueio do sinal. Hoje transmitindo diretamente do largo, bem pertinho do Bar da Rose, onde estão a todo o vapor os preparativos para a apresentação da peça de teatro “Mãe Coragem e seus Filhos” do dramaturgo alemão Bertolt Brecht… e já estão dando o primeiro sinal. É bom, caro ouvinte, você vir logo e ir encontrando um lugar confortável porque logo, logo, começa a peça. […] E pela movimentação parece que já vai começar a peça, o público vai tomando seus lugares… e agora se ouve o terceiro sinal, é isso aí ouvintes da Rádio Poste, tenham um bom espetáculo. [3]
O público, ao integrar o espaço de representação – bar da Rose / galpão da Cia / comunidade –, é deslocado para outro contexto comunitário. Um dos aspectos que salta à vista na reconcretização realizada pela ZAP 18 é o fato de o espectador ser convocado para assistir o espetáculo ‘‘Mãe Coragem e seus filhos’’ de Brecht produzido por um grupo de atores que vai apresentá-lo na Comunidade em que vivem as personagens que serão retratadas na peça ‘‘Esta noite Mãe Coragem’’, entre outros: Ana Filinto e seus filhos Manteiga e Catarina; Focão, Grandão, Tôca, Aliciador (codinomes e “tipos” sociais relacionados ao tráfico de drogas); Missionária (como muitas outras representantes de correntes religiosas que atendem as comunidades periféricas). As personagens brechtianas e as propostas pela dramaturgia de Antonio Hildebrando se convergem em uma denúncia à contemporaneidade mineira e brasileira. É estabelecido o metateatro, o jogo proposto pela dramaturgia e encenação é instigante, pois os “supostos atores”[4] não são bem-sucedidos na empreitada de encenar a peça de Brecht naquela comunidade, pois há intervenções por parte de alguns assistentes da peça e num dado momento o teatro é interrompido por um tiroteio que acontece nas cercanias. No entanto, o gérmen que alimenta o teatro já se propagou, contaminando o público e o levando a embarcar na nova “Mãe Coragem” que lhe é apresentada.
O ano de representação agora é 2020, mas os fatos discutidos nos levam a questionarmos sobre o passado-presente em que vivemos: as crises econômicas, as distintas instâncias de corrupção e jogos de abuso de poder, as guerras do tráfico e suas consequências etc. Neste sentido, a noção de “realidade” que nos confronta como mineiros e/ou brasileiros é colocada em discussão. Aspecto que me leva a utilizar as considerações de Federico Irazábal para ratificar os argumentos aqui apresentados. Segundo o autor, “não existe interpretação ‘verdadeira’ ou certeira sobre o real, mas também afirmamos que aquela que assume ser verdadeira conseguiu triunfar por um uso do poder a partir do qual é emitida e pelo qual é sustentada.” (Irazábal, 2004, p. 33)[5].
Se no texto dramático de Brecht, deslocado cronologicamente para o tempo passado, questiona-se o sujeito de seu tempo a partir de um contexto de guerras; por sua vez, o texto de Antonio Hildebrando e a direção de Cida Falabella também apresentam uma clara “ideologização do texto dramático e de sua representação”. Agora, o tempo de representação é o futuro, aqui utilizado com vistas a ressignificar o presente. Não há como não se ver em representação a partir dos conflitos dramáticos que são trazidos para a cena. Lembremos que essa é uma das funções do teatro já apregoada pelos gregos, ou seja, por meio do teatro e a partir do trabalho do ator, os sujeitos podem ver-se em ação, em situação, descobrindo o que é, o que não é, e o que pode vir a ser. Esse devir permite que o texto dramático/espetacular transcenda seu lugar de enunciação, atingindo outros: foi assim com o texto de Brecht – que continua sendo reconcretizado através dos anos –, e o mesmo acontece com ‘‘Esta Noite Mãe Coragem’’, a partir da ressignificação dos fatos políticos sociais e das personagens, que não apenas reforçam as características das figuras brechtianas, mas assumem novas leituras e interpretações, permitindo que releiamos o corpo social do sujeito contemporâneo.
A montagem da ZAP 18 nos oferece possibilidades infinitas de releitura de nosso entorno, levando-nos a tecer distintos questionamentos relacionados a nosso contexto. Na montagem, os recursos do distanciamento – cartazes, slides, projeções e falas dos atores/personagens dirigidas ao público – mantêm o espectador conectado às questões delicadas que nos cercam: “ATOR QUE FAZ ARIOVALDO – A relação entre o tráfico e a comunidade é complexa. Onde o governo não está, ela cresce e se instaura. Mas o que realmente prevalece é o medo e a vontade de se livrar do jugo do traficante… ou das milícias.”
A reconfiguração dos conflitos se configura em um grande mérito da direção, evidenciando o caráter político da montagem e contribuindo para o seu êxito. Para Irazábal,
Pensar o teatro político é pensar a relação que se produz entre a obra e o mundo, entre o mundo e o artista. E, neste sentido, não é mais que um dos tantos fenômenos discursivos que produzem, a partir de um artifício particular, uma determinada imagem desse mundo. Essa imagem produzida pelo teatro político entrará definitivamente num jogo dialético com os outros discursos. (IRAZÁBAL, 2004, p. 37-38)
Não há como o espectador sair imune aos discursos apresentados. A relação obra e mundo não é só repensada, mas sim colocada em prática, evidenciando o caráter político-ideológico da montagem e incentivando o público a uma tomada de partido. Este aspecto se dá no momento em que, no segundo ato, uma atriz/personagem “bate o tambor, enquanto o público volta e os atores reconstroem o muro. Forma a roda” e os atores/atrizes/personagem começam a enunciar para o público os seus depoimentos/relatos/testemunhos[6], encaminhando para o desenlace da peça: “O pessoal do morro está ensaiando uma peça de teatro, mas o público não deve perceber isso de cara, Manteiga se enfia debaixo do lençol”. Diferentemente do texto de Brecht, a vida de Manteiga é poupada, trazendo assim um sopro de esperança diante do “grande muro social”.
Paul Ricœur (2007, p. 172) explicita que “a especificidade do testemunho consiste no fato de que a asserção de realidade é inseparável de seu acoplamento com a autodesignação do sujeito que testemunha.” Essa relação sujeito e o seu depoimento/relato/testemunho reatualiza os conflitos que foram tratados na peça e, mais uma vez, coloca em questionamento a nossa contemporaneidade. É proposto um ritual catártico em que todos são convidados a contribuírem com o texto espetacular, dando o seu depoimento e desvelando relatos tocantes, íntimos e sinceros. A título de exemplo, cito o depoimento da atriz/personagem Elisa Santana:
RELATO ELISA – Um pouco antes de começar a ensaiar a peça Mãe Coragem, eu tive um sonho assustador. Sonhei que estava na avenida Afonso Pena, entre o Mercado das Flores e a Praça Sete, e um bando de crianças entre 5 e 7 anos chegou perto de mim. Um deles me pediu: Tia, me dá uma droga? Duas coisas me assustaram: a pouca idade deles e a menina dos olhos que tinha quase o tamanho do globo ocular. Era muito preta, opaca, sem brilho. Dias depois recebo um telefonema de minha família pra me informar que um dos meus sobrinhos – um menino que havia ajudado a criar dos 3 aos 5 anos – havia desaparecido e que ele estava envolvido com droga, das pesadas. Quase morri. Nós dois choramos muito juntos. Eu fiz e faço o que posso. A família, pais e irmãos, também fazem o que podem e o que acham que é melhor pra ele. Todo o dia de manhã eu acordo, vejo ele envolto em muita luz e desejo que ele tenha força e sabedoria para achar um caminho melhor. Á noite venho pra ZAP fazer o Mãe Coragem, na tentativa de ajudar a derrubar muros. Eu me sinto uma Catarina.
Como tive a oportunidade de assistir algumas vezes a ‘‘Esta noite Mãe Coragem’’, em todas as apresentações vivenciei o momento dos depoimentos como um espaço de catarse social para o público. Vários espectadores – muitas vezes, emocionados – sentiram a necessidade de expressarem como o espetáculo os tocou de alguma maneira. Nesses instantes, as palavras fluem, as reminiscências da memória pessoal e coletiva se afloram e são colocadas em discussão. A grande maioria da plateia quer comentar, dar a sua opinião, contar a sua história, intervir na fala do outro. O espectador realmente se sente integrado à montagem, ele se vê em cena e reconhece, a partir de sua inter-relação com seu próprio cotidiano, situações abordadas no espetáculo. Quebra-se a quarta parede, se é que ela existiu em algum momento da peça…
O espetáculo 1961-2013 – Ano V é dirigido pelos olhares precisos de Cida Falabella. Agora em parceria com Elisa Santana e também com dramaturgia de Antonio Hildebrando. Esta peça mostra e, ao mesmo tempo, traz para a cena “a situação política do Brasil nos últimos cinquenta anos por meio do olhar de artistas jovens que questionam os lugares da política brasileira e o fim da utopia” (palavras da diretora para o Programa Agenda em julho de 2013)[7]. Olhares imprecisos, eu acrescentaria, pois sabemos que a “realidade” e as ações “políticas” relacionadas à ditadura no Brasil são sempre “rasuradas” e, muitas vezes, manipuladas em prol de um discurso hegemônico que visa a prevalecer e a manter o status quo – aquele que emerge de estratégias de poder que se mantêm, ainda que por meios e lugares obscuros. Neste viés se estabelece o mérito desta montagem da ZAP18, estreada em 2009, sob o título de 1961-2009.
Dentre os inúmeros fatos históricos que são rememorados e ressignificados em cena, vale a pena destacar a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, em 28 de março de 1968 – primeiro estudante assassinado pelas “mãos” da ditadura militar –, cuja morte foi o estopim para intensas manifestações que surgiram dos movimentos estudantis, mostrando que os jovens não estavam apáticos à situação política e de exceção a que foi tomada a nação.
Um dos traços marcantes da montagem é o fato de a direção e o elenco seguirem reconcretizando o espetáculo, atualizando à nossa contemporaneidade. O ano de 2009 foi sendo ressignificado e modificado ao longo dos anos até chegar a sua última versão 1961-2013 – ano V, demonstrando o caráter dinâmico do grupo e o olhar apurado das diretoras que continuam ressignificando a peça incluindo novos lugares discursivos da história política brasileira. A última versão trouxe adaptações surgidas a partir das manifestações que ocorreram no país em 2013. Assim, questiona-se, por meio da arte, a “suposta” ideia de apatia da juventude brasileira do século XXI e, desta maneira, a montagem revive momentos polêmicos que discutem a ocupação do espaço público, o ato de celebrar a rua, reivindicar direitos sociais e coletivos.
Músicas que outrora se converteram em hinos da juventude são resgatadas, ou seja, canções que passam, ou passaram, despercebidas ao olhar do grande público são incluídas na dramaturgia, buscando propiciar – e, concomitantemente, provocar – um novo olhar para os espectadores jovens. Salienta-se que a música, aqui, também cumpre uma função narrativa no espetáculo, complementando e trazendo novos olhares sobre o fato histórico.
Nas palavras do dramaturgo Antonio Hildebrando
[e]m 1961-2009 não se pode mais falar propriamente em fábula ou em personagens, mas na apresentação de “recortes” da história do Brasil e das histórias pessoais dos atores. Nesse espetáculo, conforme escrevi no texto para o programa, Duas datas – 1961-2009 – entre as quais se desenrolam 48 anos de História(s) recortada(s) em uma hora e pouco. Como condensar tantos anos? Com a liberdade irreverente da farsa. E como decidir o que entra e o que fica de fora? Não há uma única resposta. Assim, em um primeiro momento, cada data serve apenas para refrescar a memória. Cada fato ressaltado é só um artifício para evocar tantos outros que não vêm à cena, mas que costuram nossas histórias individuais e coletivas. O que você fazia, por exemplo, em 1999? Você algum dia sofreu por não poder comprar algo pelo que hoje não daria um tostão furado? Alguma vez lhe pareceu que nada podia ser mais importante do que ganhar uma copa do mundo? Em um segundo momento, os fatos e dados escolhidos podem instaurar o jogo do “E SE?” e convidar o público (e também a equipe!) a levantar perguntas e a considerar hipóteses: Você tinha 20 anos quando foi decretado o AI-5? Não? Mas e se tivesse? Teria reagido? Como? Onde você estava quando mataram Chico Mendes? Como a maioria dos com patriotas você também se perguntava: quem matou Odete Roitman? E se estivesse no Acre? Participaria dos “empates”? Em quem você votou em…? Apenas um jogo de memória, reflexão e autoanálise sem real possibilidade de interferência na realidade, quando olhamos para o passado, o “E SE?” adquire outra dimensão quando se instala no presente, vislumbra o futuro e questiona os discursos que pregam (com que interesse?) o fim da história, a impossibilidade dos projetos coletivos e a morte da s utopias. Responder pela dramaturgia de 1961-2009 foi abrir mão da escrita de um texto teatral e das prerrogativas autorais, no que se refere à construção de sentidos, para também jogar o “E SE?” e travar um diálogo, muitas vezes tenso, comigo mesmo, com os outros membros da equipe e com outras vozes que vindas do passado, pois gravadas, também explicitam suas posições, dúvidas e projetos. Desta forma, creio, a cena se abre para a discussão de possíveis sentidos, possibilidades e formas de ação social e política.[8]
O caráter de atemporalidade ressaltado por Hildebrando e o trabalho contínuo de readaptação das diretoras fazem com que o texto espetacular esteja sempre em reconstrução, corroborando a ideia de que a peça continua transformando o elenco e os espectadores; ou seja, transformar o espectador é, sem dúvida, uma marca metodológica e ideológica inerente aos trabalhos dirigidos por Cida Falabella. Estas características, ressignificação textual, somada à visão politizada da artista/encenadora, são elementos que nos possibilitariam, inclusive, retomar a obra reivindicando sua versão 1961-2016 (ainda não realizada), principalmente se levarmos em consideração o momento de instabilidade política e econômica enfrentado pelo país, situação que, dia após dia, se encontra mais acirrada em nosso entorno.
‘‘Domingo’’ é o espetáculo com o qual a artista, a mulher, a atriz – não necessariamente nesta ordem – Cida Falabella abre as portas de sua casa, agora o θέατρον (theatrum, espaço de representação), para receber o espectador e para fazer dele cúmplice de sua performance, de seu testemunho-ritual. Sua história de vida, suas reminiscências de memória, seu corpo são transcriados dramatúrgica e cenicamente em prol da arte. Segundo a própria artista, seu solo surge de textos que foram registrados em seu blog “A louca sou eu”[9], iniciado em junho de 2014 com postagens sempre aos domingos. A direção da peça é assinada por Denise Pedron, professora do Teatro Universitário da UFMG, artista-pesquisadora na área de performance e vice-diretora de Ação Cultural – DAC-UFMG. O olhar de Denise Pedron traz frescor para a peça ao introduzir elementos do “universo” performativo nas cenas, desvelando e explorando nuanças que dão ao trabalho momentos e movimentos de experimentação a partir dos quais Cida joga com o seu espectador, dando o melhor de si, escavando profundamente no íntimo de si suas memórias e extraindo, por meio delas, a empatia dos presentes.
No solo de Cida Falabella, o público se converte em cúmplice de toda a sua história-depoimento-performance[10], ou seja, converte-se em testemunho de seu “teatro documentário” e a sua casa – theatrum – se transforma em espaço de representação e, ao mesmo tempo, pode ser lida como uma personagem da dramaturgia proposta. A dramaturgia do espaço acaba configurando o ritmo e as nuances do espetáculo: num primeiro momento, o espectador é convidado para vivenciar cenas no espaço externo da casa, onde há um pomar com uma pequena plantação de verduras, frutas e flores, para, logo, num segundo momento, ser conduzido ao espaço interno, ao aconchego de um sofá e de cadeiras. Dentro desta perspectiva, o público vivencia um cortejo – um rito – no qual se propõe um resgate e, concomitantemente, o sepultamento de memórias pessoais que são coletivizadas perante o seu olhar por meio de rituais – dos cacos, do fogo, do sepultamento, do corpo, do compartilhamento, do amor e da vida…
No cerne do teatro e da tragédia grega está a ideia de “dilaceramento”, como sabiamente argumenta a professora e pesquisadora Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa. Dioniso, o deus do teatro, apresenta esta característica em seus mitos de nascimento e de vida. Eu diria que Cida Falabella, obviamente sem nos apresentar uma tragédia, como mulher-atriz (rompendo aqui mais uma vez com a ideia de “atriz-personagem” ou demonstrando como é tênue o limiar que busca unir os dois termos), se autodilacera e, por sua vez, provoca o dilaceramento de seu espectador, ou melhor, ela se apropria desse lugar de fala e com suas ações e partituras físicas/corporais conduz o público à sensação de catarse:
A mulher sai de trás da casa devagar:
Eu estou aqui.
Minha carne viva ofereço a vocês.
Ofereço minhas rugas e meus pés descalços.
Ofereço meus cabelos brancos e minha flacidez.
Ofereço meus olhos tristes e minha cicatriz.
Ofereço minha dor e minha motivação.
Ofereço-me.
Concentra-se. Ação “pássaros batendo no peito”. Corridas em volta da casa.
No rito de reconhecer o espaço e fazer dele também um “espaço do espectador”, a atriz-mulher “quebra”, “rompe”, “enterra”, “dilacera” e é “dilacerada”. O seu discurso conclama uma cumplicidade feminina. É como se ela dirigisse a sua performance apenas às mulheres, fazendo com que cada uma ali presente, em sua casa-theatrum, pudesse conectar-se com o seu “Eu-Mulher”[11]. A corporeidade da mulher-atriz é exaltada por meio de um discurso que reivindica o corpo feminino com suas marcas, sentimentos, ciclos:
Desenterra uma caixa com o vestido de noiva. Troca de vestido. Vai falando o texto O corpo e caminhando próxima ao muro.
[…]
Antes dos trinta vieram os desejados filhos. Corpo que se expandia. Ficar grávida era um estado de plenitude e força gigante, usina de gerar. Fui feliz com aquele corpo que acolhia, quente e macio. Depois o leite sugado do peito enxugava o corpo enquanto alimentava aquele amor sem medidas, amor-perfeito. Ficava seca, enquanto os garotos cresciam fortes. Era bom.
À noite, deitada na cama, sentia meu corpo imenso. Como se fosse a Bárbara do Murilo Rubião. Depois uma mulher me disse que o que sentia era a percepção do períspirito. Corpo sutil em volta do outro, de carne. Mistérios que desconhecemos. Só depois, aos poucos, entendi o corpo nosso, mulher de cada dia, que abriga os menstruos, corpo aquoso, inchando e desinchando, como os ciclos lunares. O sangue espesso todo mês, as cólicas agudas. Somos, de corpo, feitas para parir.
Depois da filha, terceiro parto, veio a laqueadura das trompas, corte no umbigo. Hoje penso que foi uma pequena violência, dessas que cometemos contra ele, nosso corpo. Mas na época pareceu ser o certo.
Aos 48 começaram a secar as regras. Os ovários murcharam. Depois o sangue cessou. E veio outro ciclo. Parecia morte, mas foi vida nova. E mais livre.
Como espectador de ‘‘Domingo’’, assim que tive contato com o trabalho, institivamente retomando as minhas reminiscências de memórias afetivas, estabeleci uma conexão com o espetáculo ‘‘Hysteria’’ (2001), do Grupo XIX de Teatro, trabalho que também traz o universo das mulheres para discussão a partir da perspectiva da feminilidade. Na proposta espetacular do Grupo XIX, o homem é mero observador (talvez, por seu caráter de algoz, de castrador, repressor, silenciador…) das ações das mulheres-personagens que são retratadas em cena. Dentro da perspectiva de Cida Falabella e Denise Pedron, “Domingo” também traz a mulher (atriz, /corpo-personagem, /corpo-presença) que vem para cena reivindicar – e dividir –, por meio de um encontro com suas iguais, o seu lugar de fala e de experiências. A diferença aqui é que os sujeitos masculinos não são excluídos dos ritos propostos e executados na casa-theatrum, como acontece em ‘‘Hysteria’’, em que os homens são separados estrategicamente do espaço de representação. Aqui eles também são “tocados”, sentem-se sensibilizados, emocionam-se, pois o texto evoca e reforça a questão dos afetos. No entanto, fica bem clara que a perspectiva de enunciação proposta pelo trabalho é a feminina.
Convida as pessoas para entrarem. Pede para tirarem os sapatos. “Vamos entrar”. Canta:
Essa casa tem quatro cantos…
Cada canto tem uma flor
Nessa casa não entra maldade
Nessa casa só entra o amor.
Começa a fazer um café na cozinha, enquanto conversa sobre comida, conta a primeira receita que aprendeu a fazer com sua avó, biscoito de nata e a história do domingo em que ficou esperando as amigas da escola e que ninguém foi. Serve café. De repente vai até o espelho.
Conversa com o Espelho:
Reage!
Só isso.
Volte a fazer planos.
Volte a ganhar algum dinheiro.
Arranje uma viagem. Para bem longe. Talvez o Acre?
Arrume a casa.
Pare de chorar.
Jogue I CHING.
Crie.
Faça algo.
Agora.
Esta enunciação feminina se solidifica no solo de Cida por meio de um ritual de encontro que é proposto para ser dividido com o público que passa a ser seu convidado no espaço íntimo de sua residência. O espaço interno da casa, com toda a sua peculiaridade – sala, cozinha, lavabo, mobília, adereços, espelhos, quadros, vasilhas –, se “corporifica”, aos olhos do espectador, convertendo-se no espaço de convívio e de compartilhamento de memórias individuais que são coletivizadas com os presentes. Neste espaço, convivem duas mulheres que se complementam, a tessitura que as une está em cada recanto e em cada objeto da casa. Hás rastros, resíduos e fragmentos de memórias por todas as partes:
Essas mulheres frequentam minha casa. Dona Alegria e Dona Tristeza. Nunca vêm juntas. Alegria adora um sábado, gosta do dia e sua luz. Tristeza ama os domingos e a noite ganha intensidade. Às vezes trocam de horários e me confundem. Não consigo eleger uma como melhor amiga. Pode parecer estranho, mas preciso das duas.
Este jorro de sentimentos eclode no “entrelugar” da cozinha e da sala de visitas. A mulher-atriz toma conta de sua cozinha e vai preparar o lanche para os seus convidados que a vislumbram encantados. É o rito da vida. Tudo acontece em meio às sensações que são construídas naquele ambiente da sala-cozinha: o café, que é preparado em cena especialmente para ser servido ao público para ser degustado com pão de queijo e um bolo feito de uma receita de família. Tudo se mistura por meio do sentido olfativo e o cheiro da “quitanda” remete o espectador para outras instâncias corpóreas. As palavras e as memórias da mulher-atriz são “lançadas” no ambiente para serem também degustadas, exaltando os sentidos – partituras sinestésicas – que são presentificado[a]s no rito do encontro – a mulher se despe simbolicamente e, ao fazê-lo, entra em sintonia com as alteridades ali presentes. Todos se identificam com as reminiscências de memória que são corporificadas. Olhares atentos, sensibilizados, profundos, embevecidos de lágrimas…
O pacto de “dilaceramento” é agora coletivizado. Que cada pessoa que esteve na Casa Amarela (o theatrum), em um rua do Bairro Serrano, possa vivenciar, à sua maneira, o seu “Domingo”. No entanto, todos saem cientes de que a volta para casa, daquele “Domingo”, será modificada…
É o jogo e o paradoxo da performance: eu me dispo de si, mas, em contrapartida, você se travesti de mim…
Referências
ALEXANDRE, Marcos Antônio. Esta noite Mãe Coragem: cena político-ideológica da resistência. In: Antonio Hildebrando; Cida Falabella; Elisa Santana. (Org.). Esta noite mãe coragem (Caderno da ZAP). Belo Horizonte: Emcomum, 2010, v. 2, p. 77-86.
EVARISTO, Conceição. Poemas de recordação e outros movimentos. 2. ed. Belo Horizonte: Nandyala, 2011.
FALABELLA, Cida. http://falabellacida.blogspot.com.br/. Consultado: 04 abr. 2016.
_______. Domingo, 2015. Roteiro fornecido pela autora. (não publicado)
HILDEBRANDO, Antonio Barreto. Esta noite Mãe Coragem. Belo Horizonte, 2006. Dramaturgia livremente inspirada em “Mãe Coragem e seus Filhos” de Bertolt Brecht. (não publicado)
_______. Releituras do teatro épico-dialético nos espetáculos esta noite mãe coragem e 1961-2009. Disponível em http://www.portalabrace.org/vreuniao/textos/historia/Antonio_Hildebrando_-_ZAP-18_Releituras_do_teatro_epico-dialetico_nos_espetaculos_esta_noite_mae_coragem_e_1961-2009.pdf. Acesso em 14 fev. 2016.
IRAZÁBAL, Federico. El giro político. Una introducción al teatro político en el marco de las teorías débiles (debilitadas). Buenos Aires: Biblios, 2004.
PAVIS, Patrice. O teatro no cruzamento das culturas. Trad. Nanci Fernandes. São Paulo: Perspectiva, 2008.
Programa Agenda. https://www.youtube.com/watch?v=9DpvGqN3QIY. Consultado: 04 abr. 2016.
RICŒUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. Alain François. Campinas, São Paulo: Unicamp, 2007.
[1] Esta noite Mãe Coragem: cena político-ideológica da resistência. In: Antonio Hildebrande; Cida Falabella; Elisa Santana. (Org.). Esta noite mãe coragem (Caderno da ZAP). Belo Horizonte: Emcomum, 2010, v. 2, p. 77-86. (Parte deste texto é retomada nesta reflexão.)
[2] Obviamente devo evidenciar que aqui não me refiro apenas ao fato de que Galpão da ZAP 18 se encontrar numa região periférica de Belo Horizonte, mas sim ao espaço de representação proposto pela peça, até porque o espetáculo foi levado a outros locais alternativos de Belo Horizonte e de outras cidades, lugares esses localizados no centro urbano e nas regiões periféricas.
[3] Todas as citações da peça, utilizadas ao longo deste trabalho, referem-se ao texto Esta noite Mãe Coragem, que foi gentilmente cedido pela diretora do espetáculo, Cida Falabella. A peça ainda não foi publicada, motivo pelo qual não são indicados os números de páginas de cada fragmento utilizado.
[4] Explica o texto: “A partir daqui começa um pingue-pongue entre os atores que apresentam a peça de Brecht e os outros atores que, como soldados do tráfico e catadora, assistem à peça.”
[5] Texto em espanhol, no original. Tradução minha.
[6] Prefiro utilizar as denominações “atores/atrizes/personagem” e “depoimentos/relatos/testemunhos”, por entender que esses termos se imbricam e, principalmente, pelo fato de que na montagem o limiar que tece cada especificidade terminológica é muito tênue.
[7] Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=9DpvGqN3QIY.
[8] Disponível em http://www.portalabrace.org/vreuniao/textos/historia/Antonio_Hildebrando_-_ZAP-18_Releituras_do_teatro_epico-dialetico_nos_espetaculos_esta_noite_mae_coragem_e_1961-2009.pdf.
[9] Seu blog continua sendo alimentado e está disponível em http://falabellacida.blogspot.com.br/.
[10] O termo “história” não dá conta de “representar” a proposta cênica empreendida pela artista, que, sob a tutela de Denise Pedron, nos apresenta um trabalho pautado pelas linhas do teatro documentário, mas que faz uso de experiências híbridas, incorporando elementos da performance enquanto “arte” e “vida”.
[11] Não consigo desvencilhar-me das palavras-imagens sugeridas pelo poema EU-MULHER, de Conceição Evaristo (2011, p. 25): Uma gota de leite / me escorre entre os seios. / Uma mancha de sangue / me enfeita entre as pernas / Meia palavra mordida / me foge da boca. / Vagos desejos insinuam esperanças. / Eu-mulher em rios vermelhos / inauguro a vida. / Em baixa voz / violento os tímpanos do mundo. / Antevejo. / Antecipo. /Antes-vivo / Antes – agora – o que há de vir. / Eu fêmea-matriz. / Eu força-motriz. / Eu-mulher / abrigo da semente / moto-contínuo / do mundo.
[i] Faculdade de Letras/UFMG – CNPq