Por Soraya Belusi (*)
Fotos Renato Shizido |
Por Soraya Belusi (*)
Fotos Renato Shizido |
Por Soraya Belusi (*)
Não seria exagero afirmar que a Cia. Noz de Teatro, Dança e Animação faz jus às três formas artísticas que carrega em seu nome no espetáculo “100 + Nem Menos”, apresentado na programação do FENTEPP XX. Elementos de cada uma dessas expressões convergem em uma coreografia de cores, formas e sons pelo espaço, que, como diz o próprio título da peça, são criadas e transformadas diante do espectador sem nenhuma razão (ou explicação) especial.
Foto Fernando Martinez |
A montagem abre mão da fábula, tão recorrente nas encenações para crianças, para propôr uma viagem a um mundo de abstração. Esta ausência inicial de uma dramaturgia mais evidente possibilita ao público infantil estabelecer sua própria narrativa. Tubos de borracha são transformados ora em carrinhos e bicicleta, ora em números e operações matemáticas, referências mais cotidianas rapidamente assimiladas pelo público infantil.
Mas em meio a essa brincadeira de adivinhação de formas e brincadeiras infantis, como pular corda e contar amarelinha, estão incluídas referências a imagens de artistas como Joan Miro e Paul Klee, informação artística que, embora as crianças em sua maioria não possuam, amplia o leque estético de sua percepção, efetuando uma espécie de alfabetização no universo da arte para uma plateia de pequenos espectadores, funcionando principalmente os mais novos, entre 1 e 3 anos.
A criatividade na utilização de materiais simples é outro elemento potente no trabalho. Em cerca de uma hora, praticamente um único material é reelaborado permanentemente em cena, quando seria uma armadilha cair no esgotamento. A utilização de barracas para dar forma a seres que remetem a animais como aves e peixes segue a lógica do resto do espetáculo, com ideias simples, mas de grande efeito.
A ausência da palavra (exceto nas canções que abrem e encerram o espetáculo) é ancorada na forte presença da trilha musical, assinada por Daniel Maia e Dr. Morris, e que, como nos desenhos animados, pontua cada movimento dos atores e das formas que manipulam no palco e permitem que o ritmo da encenação se mantenha dinâmica, mesmo que, em alguns momentos, a repetição de formas e movimentos comece a soar, para os espectadores um pouco maiores, um tanto redundante.
(*) Texto originalmente publicado no site do XX Fentepp.
Por Soraya Belusi (*)
O teatro do século XX assistiu a uma verdadeira revolução no que concerne ao trabalho do ator e à sua função na construção da cena. De mero cumpridor dos desejos de outrem, fosse este o autor do texto ou o encenador, assumiu seu lugar como proponente, como mais uma voz criadora dentro do emaranhado de discursos que compõem a obra teatral. As consequências dessa “emancipação” reverberam ainda hoje na cena contemporânea em diferentes investigações e estão presentes, de maneiras distintas, em duas experiências apresentadas na programação do XX Festival Nacional de Teatro de Presidente Prudente – FENTEPP: “Estrelas”, de Marilyn Nunes, e “Outro Lado”, do Quatroloscinco.
“Outro Lado” (Fotos de Fernando Martinez) |
De Minas Gerais, o Quatroloscinco trouxe ao festival o espetáculo “Outro Lado”, segundo trabalho do coletivo que vem pautando sua criação na construção de uma dramaturgia própria. Neste percurso, a companhia parece optar por retomar questões de seu trabalho de estreia, “É Só Uma Formalidade”, mas agora combinadas em uma outra lógica. Em “Outro Lado”, quatro pessoas estão em um bar enquanto uma guerra acontece do lado de fora. Esta situação inicial detona uma série de questionamentos filosóficos-existenciais sobre o que acontece entre o dentro e o fora, entre o privado e público, o real e o ilusório.
Estas indagações já haviam aparecido na primeira empreitada do grupo, mas em um contexto de intimidade e de afetividade que neste novo trabalho não têm lugar. No livro que publicou com seus dois textos, o grupo afirma estar buscando sua “própria arquitetura” dramatúrgica. Nesta nova edificação, a palavra sustenta todo o concreto, fazendo com que a linguagem se sobressaia às relações (entre os próprios personagens e entre os atores e o público).
A dicotomia de “É só uma Formalidade” abre espaço para o polifônico, para a diversidade de discursos que parecem não propôr uma única solução. É a imagem do cubo mágico e suas múltiplas combinações possíveis que vai nortear a condução da dramaturgia, buscando desestabilizar o espectador toda vez que este parece estar convicto do que vê. É como se o caos instalado transbordasse para a linguagem, tornando impossível gerar um ordem.
A relação de causa e consequência parece não mais fazer sentido, à medida que nada impede, de fato, aqueles personagens de sair, a não ser a escolha em ficar. E, quando um deles sai, nada de diferente acontece quando volta. Porém, a situação de esperar que algo mude do lado de fora para que façamos algo do lado de dentro não assume um tom absurdo ou surreal de um “Esperando Godot” ou de “O Anjo Exterminador”.
Outro componente retomado neste trabalho é o jogo com as próprias convenções teatrais, que, ao contrário do que acontece em “É só uma Formalidade”, em que a relação com a plateia é pautada pela cumplicidade e integração, em “Outro Lado” ganha ares de distanciamento e frieza, mesmo que, em alguns momentos, os personagens se refiram diretamente à plateia. É como se no primeiro trabalho o público virasse parte da cena e, neste, o próprio ator se torna espectador da atuação do outro.
Com “Outro Lado”, o Quatroloscinco reafirma suas opções na construção de uma linguagem a(u)toral, recombinando e problematizando elementos de seu primeiro trabalho, com a convicção de que acertar todas as faces do cubo mágico depende de combinações aleatórias e preferindo nunca terminar o jogo.
Do coletivo para o particular, “Estrelas”, trabalho solo da atriz Marilyn Nunes, nos leva a investigar a questão do ator-criador por outras perspectivas. Neste caso, a herança de toda uma tradição na busca de um repertório do ator, sintetizada principalmente nas pesquisas de Eugenio Barba, aparece como elemento central. Fruto de uma residência da atriz com Julia Varley, do Odin Teatret, o trabalho traz para cena todo o vocabulário de procedimentos do grupo dinamarquês, como as partituras corporais e vocais e a construção de imagens. E é justamente na evidenciação dessa técnica que reside os principais méritos e também as inconsistências do trabalho.
“Estrelas” debruça-se sobre depoimentos e a obra de Clarice Lispector. Marilyn faz a opção de contar a história de Macabeia pelos olhos da autora, como se esta estivesse criando o romance no momento da representação. Com isso, a performance transita entre apresentar Clarice e seus pensamentos acerca desses personagens e dar vida a cada um deles em cena. Para isso, Marilyn recorre a uma certa construção tipificada dos pesonagens de Clarice, tornando-os menos misteriosos e um pouco mais óbvios, unifacetados.
“Estrelas”, de Marilyn Nunes (Fotos de Fernando Martinez) |
Os recursos a que a encenação recorre nesse jogo parecem simples demais para a complexidade da obra de Clarice, e, ao mesmo tempo, parecem estar aquém das possibilidades que a própria atriz apresenta em cena. Sintoma disso é que alguns recursos aparecem inicialmente potentes, como o uso do pandeiro, e se perdem quando utilizados em excesso. As imagens também aparecem carregadas de potência quando a técnica por trás da partitura não assume a dianteira.
O teatro proposto por Barba – e também pelo teatro essencial de Denise Stoklos, por exemplo – exige um repertório pessoal do ator e um domínio completo de todos os componentes da cena. É ele o detonador de todo o resto. Marilyn Nunes aceita esse hercúleo desafio em busca de uma linguagem a(u)toral, mesmo com as limitações ainda presentes no percurso.
(*) Texto originalmente publicado no site do Fentepp XX, a convite da organização do evento.
Fotos José Luiz Pederneiras |
A luz branca refratada em suas cores espectrais quando incide sobre o prisma. |
Há alguns dias li na internet uma crítica, até bem escrita, sobre o projeto Janela de Dramaturgia que tachava os textos apresentados no evento de serem “textos para serem lidos em terapia”, “dramaturgia do umbigo”, “criação individualista”, menos textos para teatro. O autor reclamava da falta de diálogos e do excesso de narrações e prosa poética. E, por fim, não admitia que atores pudessem ser dramaturgos, pois, segundo ele, caem sempre na armadilha de escreverem só para si mesmos, e que o “verdadeiro dramaturgo de ofício” escreve para o outro.
Number 8, de Jackson Pollock. A obra de Pollock é um prolongamento do seu gesto interior. Sua action painting é totalmente liberta de esquemas prévios. |
Talita Braga e Marcos Coletta; Sara Pinheiro e Jésus Lataliza. Fotos de Ethel Braga. |