:::Por Soraya Belusi:::
Tornar-se palhaço é uma arte. E, como toda arte, consiste em construir poéticas, instaurar novas possibilidades de percepção do mundo. O palhaço, neste sentido, cumpre a função de revelar outra faceta do humano, na qual o humor é uma chave de interlocução com o espectador. Um humor que não só leva ao riso, mas, quando realizado de maneira eficiente, leva também à reflexão, o que não se dá, por uma série de questões, na relação que o público estabelece com “Escola de Palhaços”, espetáculo da Cia. Argumento, apresentado na programação do X Festival de Teatro de Fortaleza.
Um público formado por alunos de escolas públicas parecia ser ideal para uma obra que intitula-se “Escola de Palhaços”. De alguma maneira, os alunos poderiam se ver refletidos, mas não reproduzidos, nos quatro palhaços que, diante da ausência da professora em um dia normal de aula, decidem assumir a condução dos exercícios. Esse “espelhamento” entre palco e plateia é, porém, quase ignorado na encenação, a não ser pela participação pontual de um ou outro espectador durante o espetáculo.
A partir dessa premissa dramatúrgica, os quatro palhaços ensinam a tocar instrumentos musicais, dar cambalhotas, brincar de bambolê. Tarefas banais que eles mal conseguem executar e é daí que surge a graça, diante da imperfeição daqueles seres. Porém, o jogo que se estabelece é rapidamente decifrado pelo espectador, tirando da dramaturgia a surpresa que tanto faz parte dos números clownescos à medida que o público já sabe que, a cada momento, um palhaço irá conduzir a aula. E, como as tarefas também não surpreendem, a dramaturgia vai raleando ao longo da obra, fazendo com que o público perca um pouco a conexão com o que se passa.
A própria construção das características de cada palhaço poderia potencializar esse jogo, evidenciando as habilidades e deficiências de cada um deles, que poderiam ser exploradas. Voltando à questão da arte do palhaço, cada poética pede uma técnica que lhe corresponda. O espetáculo se utiliza de uma série de elementos que compõem a poética do clown, com procedimentos como a câmera lenta, a mímica, o gromelô, as gagues tradicionais. Porém, como a técnica não parece completamente dominada pelo elenco, os números soam frágeis, já que também não se sustentam na dramaturgia.
O “texto” do espetáculo tange questões como bullying, porém, só reproduz em cena o que se passa na realidade, exibindo o “preconceito” com a palhaça-menina gordinha, de cabelos encaracolados e com a voz esganiçada. Assim como reforça, em uma das cenas, que a trapaça é que está certa, levando o público formado por crianças a apoiar como vencedora a palhaça que insiste em trapacear. Obviamente, essas percepções estão implícitas na obra e não estão livres da subjetividade da relação que cada um estabelece com o espetáculo. Porém, é inegável o potencial que o elenco, incluindo uma menina de 12 anos, tem para mergulhar com ainda mais verticalidade na arte do clown e tornar o espetáculo também sua própria escola.