por Luciana Romagnolli e Soraya Belusi ::
Em um evento longo e com atrações numerosas como o Festival Internacional de Teatro, Palco e Rua – FITBH, é sempre preciso fazer escolhas a partir de referências e apostas. O Horizonte da Cena preparou uma lista de 15 espetáculos a serem vistos na edição deste ano. Qual é a sua lista?
Hamlet
Uma das tragédias-mor de William Shakespeare, encenada pelo grupo alemão Berliner Ensemble, criado em 1949 por Bertolt Brecht (1898-1956), renovador do pensamento sobre dramaturgia e encenação no teatro do século XX, ao dar ênfase à reflexão crítica, o que ainda influencia (em releituras variadas) a produção contemporânea. Em 2012, o Berliner Ensemble trouxe ao Brasil o espetáculo “Mãe Coragem e Seus Filhos”, apresentado no Porto Alegre em Cena. O grupo é herdeiro e propagador da estética brechtiana, contudo, sem manter-se preso a uma repetição “congelada” dos modos de criação do alemão.
O que já foi dito: “A montagem de 2005 encarna a memória do conjunto e de seu cofundador sem conformar-se com a aura das fotografias em sépia. Os traços épicos e dialéticos são divisados em 2012 em sintonia com o campo da excelência artística”, por Valmir Santos, sobre a montagem de “Mãe Coragem e seus Filhos”, no Teatrojornal.
“ A força desse trabalho não reside propriamente numa proposta de operação em relação à peça de Brecht, mas na clareza com que a obra é descortinada diante do público”, por Daniel Schenker, sobre “Mãe Coragem e seus Filhos, no Questão de Crítica.
Jamais 203
Sediada em Marselha, a trupe Generik Vapeur é uma das principais companhias de teatro de rua do mundo. O grupo francês, que comemora 30 anos de trajetória, faz parte da memória afetiva e artística que o FIT-BH estabeleceu com a cidade ao longo de sua história. Nos anos de 1994 e 1997, os franceses trouxeram a BH “Bivouac”, que assaltou as ruas com seus corpos pintados de azul. O coletivo traria ainda, em 1996, a montagem “Coche Porque? Porque Coche ?”. Neste novo espetáculo, a trupe rende uma homenagem às bicicletas e ao Tour de France, e seus integrantes, como num levante selvagem, se apropriam das chaves de várias máquinas. Uma metáfora da vida como um esporte.
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Matéria Prima
A companhia La Tristura é considerada uma das mais relevantes em atuação hoje na Europa. Integrando a programação do Cena Contemporânea, de Brasília, e do Filo, em Londrina, no ano passado, o espetáculo “Matéria Prima” chamou a atenção pelo dispositivo teatral que executa, ao trazer para a cena três crianças representando comportamentos e questionamentos adultos.
O que já foi escrito: “Por meio da dramaturgia, os pequenos amadores mimetizam o sentimento de mundo do indivíduo. Empreendem diálogos ou solilóquios como se fossem seres comportamental e biologicamente constituídos, ponderando acertos, erros, revisões. O plano do inconsciente adquire a forma de texto projetado. Ler a voz do narrador gera intermitências do silêncio reflexivo”, por Valmir Santos no Teatrojornal.
“Na peça, não há uma narrativa específica. Textos são declamados com uma sobriedade perturbadora. Conversas sérias. Conflitos e risos. Eles interagem, dialogam e se tocam como se fossem mais velhos. Bem mais velhos. Nas cadeiras, os espectadores experimentam a inquietude provocada por um nervoso inesperado. Talvez pela consciência plena de que são crianças que os provocam”, por Diego Ponce de Leon no Correio Braziliense.
Veja vídeo do espetáculo aqui.
Frag#3 Aproximación a la Idea de Desconfianza
A companhia francesa PitouStrash recria a peça do dramaturgo argentino Rodrigo García (radicado na Espanha e diretor de “Gólgota Picnic”, espetáculo mais provocativo na edição 2012 do FITBH, visto também na MITsp). A encenação recebeu os prêmios do júri e de melhor montagem no Festival Toledo Escena Abierta – TEA 2013, na Espanha.
O que já foi escrito: “Por su espectáculo innovador, por su puesta en escena física y interactiva con el espacio y público del festival y por su tema de actualidad y denuncia social”, justificativa da premiação do Festival TEA 2013.
“La radicalidad política de sus últimos espectáculos, la crítica despiadada al capitalismo, a los autoritarismos y a los desmanes del poder, se transforma en este montaje en algo más íntimo y personal. Aún así, no deja de cuestionar a una sociedad en la que todo se consensúa, incluso el bien y el mal”, por Eva Ródenas, sobre a versão dirigida por Rodrigo García, na revista Ophelia.
“Fortement inspiré des Cies. comme La Fura dels Baus ou Fuerza Bruta ou du théâtre du rue…Pitou Strash, c’est une compagnie qui est constamment dans un processus d’évolution développé depuis sa fondation, des nouveaux défis dans les arts scéniques. Ses créations ont provoqué un grand impacte tantôt dans la critique comme le public international”, em Theatre Conteporain.
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Emília
Claudio Tolcachir faz parte de uma linhagem de diretores argentinos mestres na direção de atores, assim como Daniel Veronese. Com o grupo Timbre 4, o encenador trouxe ao FITBH 2012 o espetáculo “Tercer Cuerpo”.
O que já foi escrito: “Com uma história de viés biográfico, mas distante do gênero, e como sempre seguro na direção de atores em que o apuro técnico já é meio caminho, Tolcachir soma mais uma experiência significativa ao repertório em queLa omisión de la familia Coleman, Tercer cuerpo e El viento en un violín confirmam o DNA estético da companhia: uma boa história de pinceladas naturalistas e realistas estruturada de forma inteligente e contada por meio de atuações idem”, por Valmir Santos no Teatrojornal.
“La dramaturgia de esta nueva experiencia está apoyada exclusivamente en esas características que hacen a los personajes seres muy reconocibles y hasta entrañables. (…) Destacado como guía de actores, Claudio Tolcachir consigue que cada personaje se ubique en el lugar exacto que la representación exige. Es magnífica esa relación que van rearmando Emilia (Elena Boggan) y Walter (Carlos Portaluppi). La familiaridad y la extrañeza se cruzan entre ellos todo el tiempo con una naturalidad que no hace más que hacer crecer el drama y llevar a la conmoción buscada. (…) Emilia es un drama sumamente apasionado desde su construcción pero altamente irritable a la hora de pretender querer observarlo desde una posible afirmación de afectos. No da posibilidades. Eso lo torna tan desestructurante y, a la vez, tan provocador de reflexión”, por Carlos Pacheco em La Nación.
1325
O Peripécia Teatro, de Portugal, já trouxe seu “1325” ao país no ano passado como parte da programação do VI Festival Ibero-Americano de Teatro, em São Paulo, e como parte da mostra paralela Fringe, do Festival de Curitiba. O grupo português, fundado em 2004, apoia sua pesquisa na criação de textos próprios e, a partir do trabalho, busca também desenvolver os componentes físicos e visuais da cena. O trabalho, que traz uma leitura acerca da importância das mulheres em um contexto de guerra.
O que já foi escrito: “A força da obra está no contexto no qual grandes mulheres da história que ajudaram a construir a paz ganham vida e vigor no palco. Na montagem, três avós vivem num espaço habitado por memórias e roupas. São estas mesmas roupas que nos guiam pelo universo das mulheres descritas em cada uma das cenas na busca pela paz numa narrativa própria formada por vários quadros cênicos”, por Michel Ferrabiamo, para o Atores & Bastidores, do R7.
“Principais elementos cenográficos, as roupas simbolizam as ausências dos que foram exterminados em regimes autoritários. Existe notada (e bem-vinda) preocupação do diretor em ressaltar a teatralidade da proposta através da resignificação de objetos do cenário, afastados de seus sentidos literais. Assim, uma fita elástica é usada para sugerir variados espaços, blocos de roupa formam o desenho do continente africano e duas luvas simbolizam o reencontro entre mãe e filha”, por Daniel Schenker, para o blog de sua autoria.
Cine_Monstro
Após dirigir os textos “In on It” e “À Primeira Vista”, ambos de Daniel MacIvor, Enrique Diaz agora atua neste terceiro trabalho que monta do autor canadense. Encenação, dramaturgia e a atuação se constróem de maneira fragmentada, caleidoscópica, entrecortada, de forma que o espectador não tenha domínio completo dos discursos e imagens que Diaz constrói em seu corpo, pequenos flashes de lógica, que vão sendo montados aos poucos, complementando-se e sobrepondo-se. Com isso, os personagens aparecem como espectros, inacabados, fundidos.
O que já foi escrito: “Então acredito que seja mais interessante olhar para esta montagem pela apropriação feita ao inserir o “Cine” antes de “Monstro”, que não contém no título original, Monster. Enquanto “Monstro” estaria mais próximo do personagem, “Cine-Monstro” está mais próximo da ideia um filme de horror. Assim, o espectador pode pensar que irá ver cenas de muita violência, e de fato irá, contudo, estas cenas são particularmente produzidas a partir da narração, em outras palavras, o filme se passa na cabeça de cada espectador. As imagens medonhas são palavras na boca dos personagens”, por Mariana Barcelos no Questão de Crítica.
O que já dissemos: “O texto de Daniel MacIvor – mesmo autor de In on It e A Primeira Vista – se configura como narrativas estilhaçadas, incompletas, indícios da presença do mal, como num esquartejamento de um pai pelo seu filho. O espectador, primeiramente testemunha de tais atos, pode a qualquer momento transformar-se em cúmplice, à medida que se vê fascinado por descrições de perversidade. Cabe a Enrique Diaz criar esses trânsitos, estabelecer esse jogo, explodir-se em vários espectros de monstruosidade e humanidade, enquanto sabe, ao mesmo tempo, não ter o controle sobre os outros (tanto os múltiplos personagens que apresenta quanto a própria reação da plateia)”, por Soraya Belusi. Leia a íntegra aqui.
A Pereira da Tia Miséria
É raro no teatro paranaense o caso de um espetáculo do interior que consiga furar a barreira invisível que cerca a capital e receber atenção do principal prêmio do estado. A Pereira da Tia Miséria, criado em Londrina (norte do Paraná), pelo Núcleo Ás de Paus, conseguiu, e angariou em 2011 o prêmio principal do Troféu Gralha Azul. A carreira do espetáculo continuou pelo Palco Giratório, promovido pelo SESC, e o colocou ao lado do Grupo Galpão na programação da mostra Sesi na Rua, durante o Festival de Curitiba deste ano.
O que já foi escrito: “Nada como subverter o tempo frenético e a atmosfera da rua inundando-a com a dramaticidade e a cadência de uma narrativa mais complexa”, por Clarissa Falbo, do Recife, para o Teatrojornal. Leia também a crítica escrita por Raphael Cassou para o Questão de Crítica.
Prazer
O espetáculo da Cia Luna Lunera foi amadurecendo ao longo do tempo. Desde sua estreia, em São Paulo, no fim de 2012, a montagem passou por um processo de ‘aprendizagem’, assim como propõe a obra de Clarice Lispector que detonou a criação do espetáculo. Em cena, quatro amigos vivem um reencontro em que suas maiores intimidades são compartilhadas e seus segredos vêm à tona. A montagem envolve o espectador em uma esfera emocional, dramática, provocando um sentimento quase ‘geracional’ e catártico. É de afeto que fala o espetáculo e é exatamente o que o espetáculo oferece ao público.
O que já dissemos: “Inspirada pelo universo de Clarice Lispector, notadamente por “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, a companhia assume um olhar diante da vida, e da arte, como “uma tentativa de buscar a alegria”. Aqui, alerta o grupo, não se trata de ingenuidade e, sim, coragem. “Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive, muitas vezes, é o próprio ‘apesar de’ que nos empurra para frente”, diz Ulisses a Lóri em certo trecho do livro. Assim como Lóri e seu percurso após o encontro com Ulisses são mostrados na obra da escritora, a Luna Lunera expõe em “Prazer” o seu percurso artístico, suas convicções”, por Soraya Belusi no Horizonte da Cena. Leia a íntegra aqui.
O que já foi escrito: “Prazer desponta como um espetáculo de grupo, menos por evidenciar a conexão dos atores em cena ou uma pesquisa artística amadurecida (ainda que tais características estejam presentes, em medida considerável) e mais por uma das questões centrais realçadas na encenação: a dificuldade de abordar esferas íntimas, mesmo entre amigos de longa data. Quando os assuntos privados vêm à tona, o desconforto rapidamente se instala. No informal reencontro marcado pela vibração passional, a tentativa inicial é a de tangenciar temas desestabilizadores”, por Daniel Schenker no Questão de Crítica.
As Rosas do Jardim de Zula
A atriz Talita Braga apresenta um trabalho elaborado de desvelamento pessoal e reconstrução poética em “As Rosas do Jardim de Zula, uma experiência de teatro-documentário sob a direção de Cida Falabella (do grupo Zap 18).
O que já foi escrito: “Autobiografia (de Talita) e Biografia (da mãe) mesclam-se em cena, num discurso cênico poético, forte e questionador. Um grande tabu social é quebrado de forma muito sensível: por que uma mãe não pode abandonar a família para buscar o sentido de sua existência? Ou melhor, por que uma mãe não pode ser simplesmente humana e passar por uma crise
existencial? (…) Talita Braga evidencia um processo simbólico de colocar-se literalmente no lugar da mãe para perdoá-la pelo abandono. Dando-lhe seu corpo e voz em alguns momentos e sendo sua própria pessoa (Talita) em outros, a atriz consegue ver a história da mãe tanto de dentro quanto de fora”, por Elise Vieira, na dissertação História Oral e Autobiografia no Teatro Documentário.
A Noite Devora seus Filhos
Espetáculo do coletivo mineiro Paisagens Poéticos, que encena texto do dramaturgo argentino Daniel Veronese (O Líquido Tátil, Los Hijos se Han Dormido etc.).
O que já dissemos: “Gustavo Bones, também integrante do Espanca!, numa espécie de produtiva contaminação do trabalho com seu grupo, adaptou a peça do argentino, que originalmente se apresenta como um monólogo, para ser levada à cena por duas atrizes. Com isso, não apenas parece ter permitido outras camadas de jogo e símbolos para a encenação como também realizou a multiplicação de vozes atuantes na narrativa algo caro à própria temática da peça”, por Soraya Belusi (leia a íntegra aqui).
“Fora do campo da reencenação da tragédia, “A Noite Devora Seus Filhos” elege como principal operação a narrativa. É por meio da fala, na construção tateante de discursos incompletos e desencontrados, que as memórias do trauma vão se estruturando e revelando o acontecimento vivido”, por Luciana Romagnolli (leia íntegra aqui).
O Quadro de uma Família
O grupo Pigmaleão Escultura que Mexe atinge, nesta peça curta, excelência em sua pesquisa acerca da fusão entre teatro de objetos e trabalho de ator, além de propor uma dramaturgia sonora e visual. O coletivo, dirigido por Eduardo Félix, vem comprovando inventividade e primor no acabamento já em seus trabalhos anteriores, nos quais prima ainda pela busca da criação de textos próprios desenvolvendo uma elaborada dramaturgia para o teatro de animação.
O que já dissemos: “A visualidade obscura e com referências expressionistas é o primeiro elemento de teatralidade que nos carrega para dentro de O Quadro de uma Família, cena que comprova a maturidade do ainda jovem grupo mineiro dedicado ao teatro de animação e à sua relação com o trabalho do ator e com o teatro visual. As máscaras aparecem nesse trabalho como um elemento que integra ainda mais essas linguagens, em uma composição sincronizada de movimentos entre atores, manipuladores e bonecos”, por Soraya Belusi, na ocasião da apresentação da cena curta que precedeu o espetáculo. Leia a íntegra aqui.
Pereiras – Festival de Ideias Brutas Ep. 01 + Açougue dos Pereiras
Amigos e parceiros de longa data, Marina Viana e Rodrigo Fidelis se encontram nesse espetáculo. Em comum, ambos, mais que atores, assumem o lugar de performers, que carregam suas obras de elementos autorreferenciais, biográficos, além de citações diversas que criam novas camadas ao texto e à cena. Os dois artistas têm ainda como recorrente uma alusão ao humor e à ironia.
O que já foi escrito: “Ele transcende o material pessoal propriamente dito e sobre o qual sugere estar manejando. Há um fiapo narrativo sobre um ator autodefinido cínico. Sujeito que volta a morar com a família, no interior, para cuidar da mãe que sofre dores agudas devido à esclerose múltipla, doença incurável. Além disso, tem que tocar o comércio dela. Não há menor chance para sentimento de piedade, a começar pela ‘representação’ da mãe por um manequim”, por Valmir Santos, sobre “Açougue dos Pereiras”, de Rodrigo Fidelis, no Teatrojornal.
Isso É para a Dor
Na cena mineira recente pode-se ver, em mais de uma ocasião, como o encontro de dois artistas ou grupos que desenvolvam pesquisas interessantes não necessariamente resulta em um trabalho que some tais atributos em um processo de amadurecimento. “Isso É Para a Dor” vai na contramão desse tipo de “soma” que despotencializa as partes. O encontro da Primeira Campainha com o dramaturgo Byron O’Neill (da Cia. 5 Cabeças) transformou-se em um desafio para os dois lados superarem seus próprios territórios. As atrizes Marina Viana, Marina Arthuzzi e Mariana Blanco experimentam uma chave de atuação mais dramática, rara em suas trajetórias, à qual imprimem sua já conhecida potência performática. Enquanto isso, Byron dá passos adiante na sua dramaturgia do absurdo (desenvolvida em trabalhos como “Cachorros não Sabem Blefar”) ao “explodir” a própria estrutura ilógica que cria em torno de uma situação de refúgio, inserindo representações alegóricas que acenam criticamente para a realidade contemporânea.
O que já dissemos: “Com rasteira pontuais (…) na ordem do esperado, a comicidade se instaura em coexistência com o trágico da situação de desolação apresentada”, por Luciana Romagnolli, na ocasião da leitura de uma versão do texto no Janela de Dramaturgia (leia a íntegra aqui).
Get Out
Solo autoral do ator Assis Benevenuto, do grupo mineiro Quatroloscinco Teatro do Comum. O ator constrói uma relação próxima e empática com os espectadores, fundamental para o jogo teatral que ele propõe, no qual as palavras agem no espaço criando imagens.
O que já dissemos: “‘Get Out’ tateia formas. A certeza está na abordagem interpelativa do público, tomando consciência da presença compartilhada e reafirmando-a, para que se estabeleça o convívio, próprio das artes do teatro e da música. Em sua fala, Assis alterna momentos de evasão metafísica e abstrações, que tentam dar sentido ao informe, a observações tangíveis do cotidiano. E recorre a alguns ambientes cuja dinâmica materializa suas inquietações: o aeroporto serve ao medo da morte, assim como o set de cinema, à crise da representação”, por Luciana Romagnolli, na ocasião da leitura do texto no Janela de Dramaturgia (leia íntegra aqui).
Por que ver os “clássicos” mineiros?
Os Gigantes da Montanha
Ainda que não seja o trabalho no qual o Grupo Galpão e o diretor Gabriel Villela demonstrem mais frescor e criatividade, a construção expressionista de expressões faciais eleva as atuações e há o elaborado trabalho vocal e musical feito com Ernani Maletta, Babaya e Francesca Dell Monica.
O que já foi escrito: “Tanto em Garanhuns quanto aqui no Recife, no Sítio da Trindade, a proximidade com a plateia diminuiu a dificuldade de imersão na obra, mesmo que ela seja intrincada, tenha várias camadas: a realidade, o sonho, a loucura, a ficção, o mito, a peça dentro da peça. O Galpão não abriu concessões, não seguiu o caminho mais fácil, ao montar Os gigantes da montanha. Ao mesmo tempo, criou uma peça que encanta os sentidos – é plasticamente bela, com seus cenários e figurinos; e a trilha sonora tocada e cantada ao vivo é de músicas italianas”, por Satisfeita, Yolanda?.
O Líquido Tátil
Livre das funções de diretora e dramaturga (assumidas pelo argentino Daniel Veronese), a mineira Grace Passô realiza uma das grandes atuações de sua carreira em “O Líquido Tátil”. Se falta sutileza ao texto escrito por Daniel Veronese nos anos 1990, Grace devolve-lhe vida, dando corpo e respiração estranhados à personagem atada a um padrão viciado de comportamento. O jogo da atriz com um cachorro de pelúcia coloca em evidência a clareza de compreensão das motivações da personagem e a capacidade de convertê-la em metáfora visual e gestual.
O que já foi escrito: “Tudo poderia passar por uma quase comédia inconsequente se não fosse a parte final, em que a fábula é retomada com imagens projetadas.Neste resumo da ópera, que sintetiza os temas tratados e coroa a proposição estética em curso, transparecem os limites da realização. O filme, ironicamente tachado de ‘expressionismo russo’ e não menos precário que as cenas anteriores, prepara, de fato, um desfecho convencional”, por Luiz Fernando Ramos na Folha de S. Paulo.
“A inspiração de Veronese são os artistas russos: o dramaturgo Anton Tchekhov, o cineasta Andrei Tarkovski e o teatro de cabaré com seus prestidigitadores, sua junção de música, declamação, atuação e circo em um mesmo espetáculo. (…) O resultado parece não querer apagar os elementos, mas insistir no fato de que a vida e a arte são territórios híbridos. Tudo isto com graça e humor que remetem sempre para tensões sensuais nos corpos dos atores. (…) A porção maquínica de nossas fantasias de realidade é discutida pela revelação dos clichês subjetivos que o cinema nos impõe, num teatro que os leva ao limite. O Espanca! parece saber disso e se coloca na situação de risco, no território deslizante entre os dois”, por Dinah Cesare na Gazeta do Povo .
John & Joe
Com “John & Joe”, o Grupo Trama dá continuidade ao trabalho com Eid Ribeiro, parceria iniciada em 2005, com a criação de “Os Três Patéticos”, seguido do espetáculo de rua “O Pastelão”. Este talvez seja o espetáculo em que o encontro do diretor mineiro e do coletivo sediado em Contagem tenha alcançado maior sintonia artística. A montagem estreou em 2009, somando quase cinco anos em cartaz. A longa vida da obra acaba sendo um ponto contra o espetáculo, pelo fato de poder não causar tanto interesse por não ser inédito na cidade, mas, por outro ponto de vista, pode contar também a favor, já que, com o tempo, os atores foram se apropriando cada vez com mais competência de seus personagens e da métrica temporal e espacial que o trabalho exige. O texto do espetáculo guarda referências do teatro do absurdo e traz uma contundente, porém bem-humorada, crítica aos valores do mundo contemporâneo e da força do capital.
O que já foi dito: “A exuberância do trabalho físico e cômico que marca a trajetória do Trama abre espaço para a contenção. Eid, sabiamente, opta por trazer à cena o humor que reside no próprio absurdo da situação, no jogo de palavras, na contenção dos movimentos e na precisão de seus silêncios. A herança do circo tradicional, tão cara à linguagem do diretor, aqui volta a aparecer, mas não como elemento lúdico e, sim, como característica da relação e da característica dos personagens, que não se permitem serem lidos pelo psicologismo e, sim, pela relação entre eles”, por Soraya Belusi, sobre “John & Joe”. Leia a íntegra aqui.