por Luciana Eastwood Romagnolli
Na sequência da discussão sobre como o teatro elabora a violência vivida pelo México, a pesquisadora Ileana Dieguez chama a atenção para o fato de a tradição milenar mexicana de celebração da morte e de sua representação na cultura popular estar mais presente nas artes plásticas do que no teatro. “Considero que o teatro mexicano tem vivido de costas para sua cultura popular. O México é um país de muita teatralidade, mas não de muito teatro”, diz a cubana, radicada no México.
“As festas e ritos de conexão com os mortos e os regressos das almas curiosamente não foram assumidos pelo teatro. Me chama atenção a desconexão entre os rituais de 2 de novembro e o que se elabora no México sobre esse momento em que estão vivendo. Tenho me indagado por que esse ritual de morte não está sendo vinculado a essa representação de um horror que põe em crise os próprios rituais tradicionais da morte”, comenta a pesquisadora.
Um ponto crucial em seu raciocínio é a impossibilidade de se incorporar as mortes violentas aos rituais: faz parte da tradição, durante o longo funeral, “levantar a sombra do morto do lugar onde ele morreu”. “O que acontece hoje, quando as famílias não conseguem recuperar o corpo e não podem levantar as sombras porque não sabem onde caíram? Creio que a ruptura do tecido simbólico é tao terrível que causou essa barbárie que vivemos no México, com cifras de 150 mil mortos”, diz Ileana, contrapondo-se ao número oficial de 50 mil mortos.
Opinião semelhante é partilhada pela crítica e pesquisadora mexicana Luz Emília Aguiar. Ela explica que essa situação está associada à concentração da produção teatral de seu país na capital. “O teatro que se faz no México é um espaço de legitimação e tem um perfil de poder. De legitimação pelo cânone europeu“, esclarece. “Quem aprende a fazer teatro, o faz para isso. E as comunidades afastadas da capital dificilmente se sentem legitimadas a fazer elas mesmas uma teatralidade com base na sua cultura popular. Experiências de recuperar a teatralidade autóctone são casos isolados“, completa.
Ileana observa que, para se ter uma imagem mais ampla do teatro mexicano, seria necessária a presença de grupos estabelecidos no interior do país. E recorda o caso de uma espectadora do norte do país, que, ao fim de um espetáculo, contou que não saía de casa há cinco dias, desde que o marido fora sequestrado, e que estava morta de medo, mas precisava de um lugar onde encontrar pessoas e falar sobre sua experiência. “Isso pode mostrar o valor do teatro do norte. Às vezes, estamos pensando uma visão muito centralizadora do teatro mexicano”.
Debate realizado no Mirada – Festival Ibero-Americano de Teatro de Santos, em setembro de 2012.