_ Luciana Romagnolli _
O título deste artigo é uma frase que li em um perfil de uma conhecida de infância. Ela se referia ao ato de 7 de Setembro, em que Bolsonaro, outra vez, mais e ainda, atacou a democracia brasileira. Independência. Que palavra é essa? O que o golpismo fascista tem a ver com ela? Outro dia mesmo, na CPI da Covid, um senador de extrema direita, num salto triplo da retórica, acusou de negacionismo quem nega o tratamento preventivo com cloroquina. O que diz uma palavra? Essas torções de sentido têm sido uma estratégia frequente do fascismo brasileiro para capturar e desfigurar o discurso democrático.
“Liberdade de expressão”, “democracia”, “prisões políticas”, “povo”, “regime ditatorial”, “pessoas honestas”, “paz”, “diálogo”, “Constituição”, enfim, são muitas as expressões que não só assumem novos sentidos na fala do ocupante do cargo de presidente, mas assumem sentidos radicalmente distintos dos quais transmitiam, até então, no pacto coletivo que é a língua.
Parênteses: a língua, qualquer língua, é sempre uma negociação de sentidos entre seus falantes e escritores; não é um compêndio gravado na rocha, não é imutável, e carrega consigo vestígios dos usos que se faz dela. Fiquemos com a palavra negacionismo. Ela não significa exatamente a mesma coisa para cada ouvinte, há ruídos de significação e restos fora do sentido, um mal-entendido constitutivo da comunicação humana. Entretanto, isso não significa que esteja solta às flutuações do vento, moldável a qualquer sentido que se queira dar. Há a História.
“Negacionismo” não é qualquer “negação”; aponta para aquela que desacredita informações verificadas e comprovadas por evidências. Negar um fato histórico, negar uma descoberta científica, por exemplo. Ao dizer que negar o tratamento preventivo com cloroquina é negacionismo, faz-se o contrário: justificar a falta de evidência científica para uso de um medicamento.
Atravessamos um terreno pantanoso para a linguagem. A necessária revisão da História única, a crítica a fundamentos racistas e misóginos da sociedade, que inclui a medicina e a língua, tornam esse dispositivo de comunicação humana cada vez menos fixo, menos confiável, mais incerto. O mais justo seria dizer: revelam o que esse dispositivo de comunicação humana tem de menos fixo, menos confiável, mais incerto, à medida que o desnaturalizam, que expõem a subjetividade de sua construção, sua não objetividade.
Eis a batalha no campo da linguagem, que nada tem de rochoso. Essa terra movediça.
O impasse contemporâneo está em que, sem ela, a língua, uma língua comum, resta pouco de uma civilização, de uma sociedade, de uma comunidade – como preferirem chamá-la. A língua é o lugar dos laços sociais. Há nós a desatar. Quais atos construirão o (novo) comum?