Por Soraya Belusi
A obra dramatúrgica e o pensamento de Bertolt Brecht revolucionaram o contexto teatral do século XX, ainda predominantemente marcado pelo que artista alemão definia como teatro burguês. Os reflexos de seus experimentos se fizeram sentir em todo o fazer teatral do Ocidente, seja no que tange às suas reflexões sobre o texto épico, ao trabalho do ator ou à relação com o espaço e o espectador. Ainda pautam muitas das investigações cênicas atuais questões refletidas por Brecth em obras como “Estudos sobre Teatro”, entre elas a quebra com o realismo e a ilusão, assumindo a teatralidade do espetáculo; a opção pela narrativa no lugar do texto dramático; o posicionamento do ator em relação ao personagem, comentando-o e apresentando-o mais do que “vivendo o papel”.
Brecht sabia bem o teatro que queria fazer e estabeleceu suas próprias regras em busca do objetivo de utilizar o teatro, para além do divertimento, como possibilidade de transformação do espectador, que nunca deveria ficar passivo diante do que via. Para acordá-lo do transe, o dramaturgo alemão incorporou à sua linguagem diversos elementos que são muito bem apropriados e revistos em “BadenBaden” (*), espetáculo inspirado em “A Peça Didática de Baden-Baden sobre o Acordo”, sob a direção de Vicente Concilio.
O público é surpreendido ainda do lado de fora do teatro, por um aviador tocando guitarra, rifles que anunciam uma invasão de invasores pelas ruas. Eles guiam o espectador para essa viagem perguntando “o que você traria?” e “quando você morre, você abandona o que?”. O espetáculo narra a história de quatro aviadores que se vêem necessitados de ajuda. Por meio de um acordo (termo recorrente nas peças didáticas de Brecht), decide-se que haverá um julgamento para solucionar se os aviadores acidentados devem ser ajudados.
Desde o início o público é obrigado a sair de seu lugar de contemplação e é levado a refletir sobre o seu lugar na encenação e sobre as questões que lhe são apontadas. Esse jogo permanece quando se adentra o espaço teatral propriamente dito, em constante mudança ao longo da encenação, fazendo com que o público se misture à cena em certos momentos, como defende Francimara Teixeira. “Essa participação do espectador no jogo, destitui-lhe, na verdade, do caráter de espectador e da passividade normalmente a ele atribuída, porque também a relação palco-platéia desaparece. O espaço é o do jogo e dele devem participar jogadores” (TEIXEIRA, 2003:51).
A encenação parece recorrer de maneira também didática aos ensinamentos de Brecht, sem que, com isso, se torne mero exercício prático/teórico, deixe de ser interessante ao espectador ou tenha menor valor como espetáculo teatral. Para quebrar o realismo e assumir a teatralidade, o espetáculo se serve de objetos que não significam em cena o que realmente são, figurinos monocromáticos, a inserção de tabuletas e anúncio dos quadros, a utilização de canções, a leitura de textos impressos, projeção de fotos com cenas reais (atualizando assim o discurso brechtiano). Outro elemento bastante utilizado e que como conseqüência dá força ao trabalho do elenco é a utilização do coro, recurso bastante presente na montagem. O grupo de atrizes consegue cumprir a missão de apresentar os personagens da história, sem envolvimento emocional ou psicologismo, conduzindo a plateia a um exercício de reflexão sobre aquilo que vê em cena.
(*) O espetáculo “BadenBaden” foi apresentado na programação do Festival de Teatro Estudantil – Feto 2012