Por Soraya Belusi
“Até que o Teto Desabe” apresenta dois personagens em uma situação-limite, que se vêem trancados dentro de um cofre de banco, encruzilhados pela chegada da polícia ou uma eminente desabamento. Este encontro de dois seres em total momento de desapego de suas máscaras (sociais e psicológicas) serve de pretexto para que o texto de Carlos Renatto aponte por diversos temas como o fracasso das relações humanas, medo, morte, violência. O argumento do espetáculo é muito forte e bem delineado, mas sua execução comete deslizes no percurso.
Embora a dramaturgia apresente uma série de potencialidades, estas parecem se dissolver ao longo da encenação. O humor, por exemplo, arma que pode ser usada de maneira cortante para que o indivíduo reflita sobre si mesmo e suas limitações, torna-se banalizado justamente por sua hipervalorização. Imagens potentes (como um mundo prestes a desabar sobre nossas cabeças ou o fato de os personagens morrerem ‘esmagados pelo capitalismo’) diluem-se em meio a outras tiradas que apenas contribuem para o riso fácil do público, diminuindo assim o seu efeito de reflexão. Que o diga o texto do mineiro José Vicente, montado pela primeira vez em 1969, por uma trinca de grandes atores (Rubens Corrêa, Ivan de Albuquerque e Fauzi Arap), e, mais recentemente, revisto em projeto paralelo dos atores do Oficina de Zé Celso Martinez.
Cito a obra de Zé Vicente por uma série de razões: pela proximidade temática e da situação cênica e para servir de referência futura para os criadores envolvidos, artistas ainda (e constante e eternamente) em formação. Em “O Assalto”, escrito no auge da ditadura, Zé Vicente faz uma espécie de “acerto de contas” com sua própria visão de Deus, e “escancarava as conseqüências da devoção cega a um deus-mercado que a tudo rege nos dias que correm”, como afirma o crítico Valmir Santos quando da remontagem da peça em 2004. O texto tem como um de seus elementos sublimes a potência poética daquilo que não podia ser dito, mas que estava o tempo inteiro presente no subtexto, no que se vê sem se mostrar. “Revisitada após uma série de montagens, no segundo semestre de 1969, que obrigaram a crítica a rever seus critérios, a peça não perdeu nada da beleza e do impacto primitivos. Ela continua de pé com a sua intratabilidade, a aspereza de um estilo literário que se compraz nos desvãos e nas sondagens incômodas – essa violência, tão típica de hoje, que explode em rebeldia existencial, não afeiçoada a nenhuma disciplina, após a compressão de todos os condicionamentos sociais”, descreveu o crítico Sábato Magaldi sobre “O Assalto”, em 1970, no “Jornal da Tarde”.
Na montagem dos alunos TU, Os atores se relacionam com os personagens de forma a executa-los muito próximos de suas próprias características cotidianas, configurando um pseudonaturalismo que não contribui para a potencialidade da cena. Uma situação-limite (a aproximação da morte ou da cadeia) gera a presença de uma tensão que precisa reverberar no espaço, na luz, na paisagem sonora, no corpo dos atores/personagens; falta o tônus necessário, carece de um estado, de uma presença cênica para que esta ficção se concretize no espaço entre o palco e a plateia. Na condução da montagem, esses elementos tendem a aparecer muito mais na descrição que na ação. O público tem esses elementos dados pelas palavras, pelo que os personagens dizem, e não pelo que fazem (mostram, apresentam).
Esse jogo de entra-e-sai (da ação dentro do cofre para os comentários diretos com a plateia), como que um recurso para romper a ilusão teatral, desfavorece a ação cênica, dificultando ainda mais a construção da situação que se pretende estabelecer cenicamente. Além disso, os momentos de aparte parecem apenas sublinhar questões que já estavam mais que explicadas na cena, tornando-se, assim, tanto quanto ilustrativas apenas.
Os personagens e seus contrastes aparecem sem desenhos concretos (dramatúrgico, físico e cênico), minimizando o impacto deste encontro improvável entre dois universos díspares: o do homem que nada tem a perder e o do menino filho de banqueiro que sempre teve tudo e pôs tudo a perder.