Por Soraya Belusi
Um grande salão de bar aguarda a entrada do público, que vai aos poucos ocupando seus lugares nas mesas espalhadas ao redor de uma pista. Ao fundo, uma banda toca boleros, ditando a atmosfera kitsch, reforçada pelos figurinos dos atores, que recebem o público naquele espaço um tanto quanto brega e decadente. Numa espécie de prólogo musical, indagam: “será que você vai ver o que você quer ver?”. Esta é a deixa para que Grace Passô e o Grupo Lume nos mostrem uma faceta completamente inesperada, longe daquilo que “esperemos ver” desse coletivo que tem sua trajetória marcada no teatro brasileiro pela dedicação à pesquisa continuada das artes e da formação do ator, com um apuro e rigor técnicos incomparáveis.
Fotos Annelize Tozetto |
Somos apresentados a sete atores, personagens que funcionam como uma espécie de alterego dos próprios atores, como se fossem seus demônios mais secretos, seu lado mais clichê, a overdose do caricatural. O tom do excesso e do melodrama preenche a cena, reservando momentos de humor intenso, mas escondendo, sutilmente, questões acerca da própria condição do artista, de como ele se vê e é visto, como na brincadeira que insistem em fazer sobre o fato de possuírem um CNPJ, o que demonstraria seu profissionalismo.
Os personagens dizem enquanto apresentam uns aos outros: “um artista ainda sem saber como dar forma às suas boas intenções”. A partir daí, o que se testemunha é um processo de mascaramento das fragilidades que os personagens insistem em realizar ao longo do espetáculo, como se fossem paródias deles mesmos, apoiando-se em fantasias construídas como se para tornar a existência mais suportável. “Ele acordou com esperança porque nada melhor que um fim de semana para decorar um peito solitário. Essa mansão”, repetem.
Se falta competência ao coletivo ficcional, o mesmo não ocorre com o Lume, cujos atores demonstram vastos recursos e se lançam vertiginosamente nessa grande brincadeira de se desprenderem da imagem que construíram, o que, em momento nenhum, desmerece os lugares que conseguem alcançar em cena. Não é qualquer grupo que pode e consegue rir (e fazer o outro rir) de si mesmo. Ao mesmo tempo, a dramaturgia de Grace Passô parte dessa proposta da autoironia do próprio coletivo para, aos poucos, provocar uma virada completa no espectador através de um rito poético que revela um universo obscuro e sacrificial, ambos os lados da condição do artista celebrados com um brinde final.