Por Ruy Filho – Antro Positivo (*)
O teatro é um acontecimento presencial, disso sabemos. E o que é presenciado não é de fato a verdade de uma realidade, visto ser a construção de uma ação para oferecer ao outro uma experiência e/ou narrativa. Apenas uma ficção. Então, a realidade ali compreendida é, antes, uma convenção de sua exibição, um processo estético de apresentação de uma possibilidade escolhida para um determinado objetivo. Há, ainda, o teatro que se apoia no argumento de ser a representação de outra narrativa. O tal metateatro. Aparentemente, é o que se poderia acreditar ser esse espetáculo. Contudo, Bem-vindo a casa, de Roberto Suárez, não pode ser compreendido nem como teatro nem metateatro. Apresentado em duas partes, subverte o sentido vetorial comum da realidade que se constrói ao espectador, ampliando o procedimento teatral ao ponto de tornar a ambiência ficcional a realidade em si. O que se encontra, portanto, não é apenas a teatralização de uma segunda narrativa, mas o fracasso do teatro compor a manifestação plena do real.
Foto de Manuel Geanoni |
Também sabemos que o teatro se realiza sobretudo na presença humana, ainda que possamos discutir outras tantas qualidades de presença à cena. Mas, mesmo o signo que lhe serve de estímulo se coloca em reconhecimento na sua relação com o homem. Portanto, é nele, pelo espelhamento, maior ou menor identificação, que sua presença se consolida. Ocorre, no espetáculo, o mesmo procedimento em relação a presença. A perspectiva do fracasso se acumula ao desenvolvimento dos personagens, suas incapacidades, faltas e derrotas.
São criaturas que passam a ter desconfigurados os elementos mais ordinários de seus reconhecimentos. Corpos caricaturados pela escolha em potencializar mínimos aspectos, desejos igualmente vitimizados na limitação literal de suas vontades, consequências mínimas tornadas argumentos para derrotas plenas. Da mesma maneira que a cena revela o fracasso do real, os atores confirmam o sentimento também em relação ao humano.
Desta maneira, responder ao teatro de Suárez é buscar argumentos que possam dar conta de reencontrar um e outro, ou a complementariedade de ambos, já que muito da realidade constrói nosso entendimento de humanidade, e muito de nossa humanidade estabelece os preceitos de construção do real.
Compreender o fracasso em relação ao humano implica em determinar como ambos se relacionam. Afinal, é essencialmente o fracasso uma condição humana ou o fracasso é uma resposta que poderia ter sido evitada? Como expõe o espetáculo, ambas as questões são consequentes à impossibilidade da superarmos a realidade como sendo um estado de ficção. Não há como mudar o destino trágico ao homem, visto não ser sua a ação de construção da realidade, assim como não há como ser outro ao homem que não apenas humano. Mesmo no hibridismo simbólico e real oferecido ao personagem deformado, chamado por Homem Elefante, em uma clara alusão à distância fisiológica do reconhecido por padrão à aparência humana, a presença de sua singularidade se assume pela escolha em compreendê-lo por sua ficcionalização.
O teatro, então, já incapaz de traduzir a dimensão humana em sua realidade. Faz-se, no contemporâneo, a narrativa de estratégia de um real possível, e não mais sua exibição como uma segunda camada. Assim como ao espectador é revelada sua função e limite ficcional como existência em sua própria realidade.
Bem-vindo a casa convida a todos a visitarem uma família. E não só. O teatro desse existir familiar. E mais. Ao próprio teatro como possibilidade familiar. Mais ainda… Convida a cada um à descoberta incômoda e fundamental de que talvez estejamos todos em pleno delírio, enquanto dormimos com a cabeça respirando o gás que foge do forno, e a realidade se esvai feito o oxigênio que lentamente acaba. O teatro de Roberto Suárez serve como a chama do fósforo que explode e nos obriga, enfim, a acordar. Portanto, prenda sua respiração e prepare-se.
(*) Este texto integra as ações do Coletivo de Críticos na MITsp – Mostra Internacional de Teatro